quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Margarida Baird comemora 50 anos de carreira em cartaz com peça Beatriz

Atriz que mora em Florianópolis há quase três décadas garante que existe, sim, vida inteligente no teatro fora do eixo Rio-São Paulo e reclama da falta interesse do público local



Margarida Baird tem 68 anos, mas parece não ter conhecimento disso. Em cartaz com a peça Beatriz na Capital, onde mora desde 1984, canta, samba, chora, encara e emociona a plateia ao contar a história de uma atriz que se despede do teatro enquanto despe sua fantasia de glamour e briga com uma foto de Chico Buarque. O enredo não deixa de ser irônico se considerarmos a trajetória de aproximação e afastamento de Margô, como preferia ser chamada, com os palcos. Hoje ela se assumiu Margarida, luta para fazer engrenar o Círculo Artístico Teodora, que criou em sua casa no Campeche, e diz que o público ainda não entendeu que existe, sim, vida inteligente no teatro local. Confira a entrevista concedida pela professora da Udesc antes de uma apresentação.

Você já se imaginou fazendo outra coisa que não teatro?Toda vez que tentei parar com o teatro, e já tentei várias vezes (risos), não deu certo: ou fui fazer artes plásticas ou escrever, nada que fugisse da arte. Sou formada em Secretariado, mas meu Deus, nada a ver comigo, embora eu tenha até uma estrutura bem organizada na minha cabeça. Cheguei a ser secretária duas vezes (risos), mas não deu muito certo. Uma vez briguei com o teatro e fiquei dois anos em uma fazenda fabricando queijo (risos). Foi ótimo, mas sou urbana. Eu tinha essa ideia de uma vida rural, mas não adianta. Cuidar de horta e tal é ótimo, arejei muito a cabeça nessa época, mas depois quando voltei para a cidade me dei conta de que, poxa, eu nasci no Rio, morei em apartamento. Calçada, ônibus, ir ao cinema, tudo isso faz parte de mim.

Por que você tentou várias vezes largar o teatro?Eu queria fazer uma coisa que desse mais retorno financeiro. Tenho uma certa implicância com quem faz teatro, são pessoas muito exageradas. E gosto muito de variar também. Escrevo, bordo, de vez em quando faço uma exposição de colagens, preciso variar, mas isso é a base. Quando voltei para o palco três anos atrás, ah, foi outra coisa. É muito difícil fazer teatro, mas é tão importante. Teatro é um espelho, o ator é uma antena, ele pega no ar as mudanças que estão acontecendo e isso acaba se refletindo. Vejo muitos atores bons se perderem na televisão porque a TV estratifica. Você faz bem um tipo de personagem e aí acaba restrito a isso. É tudo muito preconceituoso, limitado, chapado. É muito difícil se manter sendo um ator que se transforme fazendo televisão.

Como vocês se apropriaram das músicas do Chico Buarque em Beatriz?Somos todos apaixonados por ele. Tanto o Mário, que escreveu a peça, quanto a Ana Paula, que faz a direção, e eu. Nos encontramos no espetáculo Zilda e conversando descobrimos essa paixão em comum. A Ana Paula topou criarmos um espetáculo que tivesse a ver com ele, e o Mário escreveu esse texto baseado nas letras. Já faz três anos que estamos fazendo essa peça e, a partir de novembro, vamos circular por seis ou mais cidades catarinenses que ainda não foram definidas, em parceria com o Sesc.

Qual a história da peça?Ela se passa num camarim, com uma atriz que está abandonando o teatro. Ela vai compartilhando as lembranças, os amores, as vivências... Criei na minha cabeça uma história de que o teatro vai ser derrubado e ela vai perder o emprego. Ela tem um amor, que acaba sendo uma foto do Chico, que fica ali disfarçada no porta-retrato, e acaba indo embora com Beatriz.

Como é relembrar esses 50 anos de carreira? Dedico essa temporada, com Urano Quer Mudar e Beatriz, ao meu primeiro professor de teatro, Martinho Severo, um português que morava no Rio. Ele era cantor e me ensinou a base. Já conhecia o Pascoal Carlos Magno, que era professor da minha tia Madalena — a ela também dedico o espetáculo. Assisti à Hécuba, tragédia grega escrita por Eurípedes, aos sete anos no Teatro Municipal. Acho que era a única criança. Teve muita coisa nesses 50 anos. Trabalhos com gente muito importante no Rio e em São Paulo: Zé Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal, João das Neves, Wolf Maia, Marco Nanini, Marília Pêra, Marieta Severo. Conheci toda essa gente e depois vim para cá, cansei, tava difícil. Nunca tive muita inteligência política, não soube ser diplomática o suficiente para me dar bem. Não basta ter talento, ser bonitinha — que nem era meu caso, sou baixinha e tal. Você tem que ter uma maleabilidade política que não tenho até hoje. Eu tinha essas crises de que querer ser muito boa e nem sempre me achava tão boa assim.

O teatro é muito caótico, você não acha?É (risos). Acho que o espetáculo é uma maneira de você organizar esse caos. E mexe muito porque todos nós somos um e não adianta. Tudo que tem em você tem em mim, nele e assim por diante. As melhores qualidades e os piores defeitos. A natureza humana é a unidade. Então se você vai fazer um personagem vai encontrar pontos de referência com ele. E isso vai colocando em destaque vários momentos, vai promovendo um autoconhecimento. Você vai vasculhando sua essência e isso é fundamental. Hoje o teatro está focado muito na imagem, na performance física e isso deixa muito a desejar. Essa ligação tão importante com o ser humano, que o ator é, fica faltando.

As músicas do Chico têm isso de formar um vínculo com o qual as pessoas se identificam. Têm. Ele é um tradutor da alma. Seja como escritor ou compositor, as coisas dele são deslumbrantes. Assim como Caetano, como Gil. A minha geração foi muito rica. A gente conseguiu fazer muitas transformações. Viver os anos 1960 foi um privilégio. A Guerra do Vietnã, os Beatles. Ser velho tem vantagens e uma delas é ter vivido coletivamente essas mudanças no mundo. Agora os jovens estão muito individualistas, com essa mentalidade americana que está tomando conta de tudo e isso para mim é torpe. Esses filmes que eles mandam para o mundo são só desastres. É perseguição, tiro, e as crianças crescem com isso, com esses jogos de guerra. É toda uma criação para a guerra, que é algo horroroso. Essa coisa de internet é muito individualista. Eu não consigo ficar sem, mas às vezes vejo que estamos numa sala com alguém e falando com a pessoa pelo computador. Vejo isso acontecer na minha casa e está errado! Tem que ter outro tipo de contato, o abraço. Não é cada um na sua e Deus em todas. É cada um na sua e somos todos um.

Que momentos você tem relembrado nesses seus 50 anos de carreira?Penso muito no início, que foi muito bom, em várias coisas que fiz, pessoas com quem convivi e que continuam amigas, independente de serem celebridades. Também lembro de algumas que se tornaram célebres e esqueceram de mim. É uma loucura, mas é assim: a pessoa vem para Florianópolis e acaba. Ninguém mais sabia quem eu era e quando descobrem tudo que fiz se surpreendem. Existe vida inteligente e capaz fora do Rio e de São Paulo. Com a Udesc se desenvolveu muito o teatro aqui. O público ainda não se deu conta, continua vendo peças só de globais. A burguesia não está fazendo bem seu papel de consumir o teatro. Quem vem é o pessoal jovem, estudantes. E só. Não há uma cultura de teatro entre as pessoas cultas. Elas não acompanham a peça depois que está em cartaz há anos, não veem de novo para ver como está. Agora, se você convida para um peixe assado tudo bem (risos). Estamos num momento de basta. Basta de impunidade no Planalto, basta desse consumismo desenfreado. E nada melhor do que a arte para servir de lenitivo, para alimentar a alma de outra maneira.

Você está com 68 anos, como é envelhecer? Na minha cabeça as coisas funcionam. Minha tia, essa que me levou na aula de teatro, é terapeuta, tem 86 anos, trabalha, cuida do marido cadeirante e dá conta de tudo. Tenho outra tia que quando entrou na menopausa decidiu aprender francês. Então tenho esses exemplos. Mas cresci ouvindo minha avó dizer “jovem, uma flor; velha, um macaco”, então me sinto horrorosa. É muito difícil aceitar a decadência do corpo, brigo com isso, mas por outro lado estou aqui, em cena, sambando. Claro que no dia seguinte tenho que dormir até meio-dia (risos). É difícil sair na rua e saber que você não chama mais atenção, mas a minha cabeça está aqui, cheia de projetos, e estou cercada de gente jovem. Isso também rejuvenesce.

Agende-seO quê: Beatriz, monólogo musical com Margarida Baird
Quando: 22 a 25 de agosto, às 20h
Onde: Sesc Prainha, Travessa Syriaco Atherino, 100 — Centro, Florianópolis 
Quanto: gratuito

Fonte: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/variedades/noticia/2013/08/margarida-baird-comemora-50-anos-de-carreira-em-cartaz-com-peca-beatriz-4238163.html