“O Serviço Social precisa descobrir o Teatro do Oprimido”, diz o diretor
e educador Dimir Viana
Artigo publicado na página da CRESS de Minas Gerais, em 17/05/2012.
Na segunda-feira, 14 de maio de 2012, durante a cerimônia em comemoração ao Dia d@ Assistente Social realizada pelo CRESS-MG, o diretor e educador Dimir Viana
apresentou uma demonstração do Teatro do Oprimido. Para além de um momento
lúdico, a atividade buscou ressaltar a possibilidade de uso desta metodologia
teatral como meio de intervenção do assistente social.
Criado por Augusto Boal na década de 70, o Teatro
do Oprimido faz a junção entre o teatro e a ação social e política. Nesta
entrevista, Dimir Viana fala sobre as potencialidades do Teatro do Oprimido e a
possibilidade de articulação com o Serviço Social.
O Teatro do Oprimido nasce com a
proposta de ser, ao mesmo tempo, arte, ação social e movimento político. Como
esses três elementos se articulam numa apresentação?
Essa é a essência do movimento do Teatro do
Oprimido. Antes de tudo, é uma arte inerente ao homem. Augusto Boal irá
defender que todo ser humano tem o teatro dentro em si. “O ser humano é teatro”.
O Teatro do Oprimido também é uma ação social porque trabalha com essa
intencionalidade de intervir nas situações opressivas da sociedade. Augusto
Boal quer fazer com que o teatro seja um meio para a transformação social.
Vamos considerar essa palavra “transformação” como um conceito extraído de
Paulo Freire, autor da obra Pedagogia do
Oprimido que também teve influência sobre as formulações de Augusto Boal. É
dentro desse conceito que está a figura do oprimido, para o qual se dirige a
ação desse método teatral. Augusto Boal considera oprimidos todos os seres e
atores sociais que têm alguma barreira, seja de ordem psíquica, política ou
social, e possui ao mesmo tempo o desejo e a coragem de lutar contra essa força
opressiva. Eles se distinguem dos deprimidos, que não têm esta energia para
combater as condições de opressão. Por fim, o Teatro do Oprimido é movimento
político exatamente porque tem a intenção de colaborar para a solução dos
problemas da sociedade.
Paulo Freire - Foto Jornal GGN |
O que é preciso para fazer Teatro do Oprimido?
Diferentemente de outras formas de teatro, essa é
uma metodologia pra toda e qualquer pessoa que queira se expressar e fazer uso
desse conjunto para intervir em questões emergentes em nível de opressão da
sociedade. Não é necessário ser um artista, muito menos ser um exímio ator ou
um exímio diretor. É um método de fácil acesso e simples, por isso ele é
praticado nos 5 continentes. Mas é necessário que se estude para entender como
funciona. É um método que precisa ser mais difundido num país onde perdura
muita opressão até hoje.
Embora o criador do Teatro do Oprimido
seja brasileiro, existem países mais familiarizados com a metodologia. Como
você analisa essa disseminação mundial do Teatro do Oprimido?
O Teatro do Oprimido foi criado nos anos 70.
Exatamente neste período, Augusto Boal parte para um longo exílio. Portanto,
nós passamos praticamente duas décadas com um contato incipiente com essa
metodologia. Porque Augusto Boal só volta ao Brasil no final dos anos 80, após
a reabertura política. E antes desse período, ele viveu na França, onde criou
um Centro de Teatro do Oprimido. Até hoje, o método é muito praticado por lá.
Só mesmo no final dos anos 80, o Teatro do Oprimido começa a ser conhecido no
país de origem. E nos anos 2000, tem início uma maior disseminação da
metodologia no país inteiro graças a algumas iniciativas, como as atividades do
Centro do Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro. Um outro projeto relevante é o Teatro do Oprimido Ponto a Ponto, financiado
pelo Ministério da Cultura e cujo objetivo é apresentar tal metodologia em
todos os Pontos de Cultura e formar multiplicadores. Mas é claro que nas
dimensões territoriais do Brasil, muito ainda precisa ser feito.
Augusto Boal dizia que o Teatro do
Oprimido não é uma técnica específica, mas sim um conjunto filosófico que
permite a expressão cênica de qualquer pessoa, sendo ator profissional ou não.
Quais são as bases desse conjunto filosófico?
O Teatro do Oprimido na verdade não se resume a uma
técnica. É um conjunto de técnicas representado por uma árvore não tão
cartesiana. Na copa, nós temos o teatro
jornal, o teatro do invisível, o teatro fórum, o teatro legislativo, o arco-íris
do desejo, etc. Essas são pelos menos 5 das técnicas do Teatro do Oprimido.
Sendo que os primeiros passos para adentrar nessas técnicas são os jogos. O
Teatro do Oprimido tem um arsenal de mais de 400 jogos para que qualquer pessoa
possa se expressar. E esta árvore tem suas raízes fincadas no solo da estética
do oprimido, da ética e da solidariedade. Essas raízes são como introitos de
diálogo com várias áreas de conhecimento, tais como a pedagogia, a sociologia,
a filosofia, a educação, dentre outras. Portanto, é realmente um conjunto
filosófico, um amplo pensamento teatral.
Augusto Boal - Foto do arquivo Funarte |
Já que não se resume a uma técnica
específica, como identificar que um espetáculo é Teatro do Oprimido?
Uma apresentação do Teatro do Oprimido pode ser
identificada a partir de alguns elementos. Vamos falar especificamente da
técnica mais praticada que é o teatro
fórum. É uma peça teatral que tem uma conotação popular. Em outras
palavras, sua linguagem é menos rebuscada e mais clara, acessível a qualquer
espectador. É um teatro que não pode ser surrealista e tem que deixar a
realidade transparecer. Outra característica do teatro fórum é que a situação de opressão é a dramaturgia, dentro
da qual irão estar evidentes as figuras do opressor e do oprimido com seus
respectivos aliados. São retratadas histórias com início, meio e fim. E ao
final, o opressor vence o oprimido, deixando a situação de opressão suspensa.
Nesse momento, entra o curinga, figura fundamental no Teatro do Oprimido que é
responsável pela mediação. Ele é o apresentador, o mestre de cerimônias e o
entendedor maior do problema social retratado. Então ao final, a plateia não
volta passivamente para casa. O curinga aparece e pergunta se alguém tem alguma
ideia para interferir na situação. Abre-se a possibilidade do espectador
intervir não apenas com o discurso, mas entrando na cena, substituindo a figura
do oprimido e combatendo os seus opressores. E assim, o espectador deixa de ser
mero espectador e se torna espect-Ator.
Nesse sentido, é um espetáculo muito vibrante e vai além de toda a tradição do
teatro ocidental.
Existe duração ideal para este tipo de
teatro?
O ideal é que seja uma apresentação não muito
longa. Normalmente, faço montagens de no máximo 20 minutos, porque uma sessão
completa de teatro fórum pode durar
horas. Também pode durar muito pouco tempo. Isso vai depender do nível de
dificuldade dos problemas encenados e do interesse dos espectadores. Depende
também da interação entre o curinga e o público.
A ideia de interatividade com o público
tem sido muito explorada pela arte na contemporaneidade, sendo ainda estimulada
pelas novas ferramentas tecnológicas. Mas é impressionante a precocidade do
Teatro do Oprimido, pois Augusto Boal vislumbrou as potencialidades de uma
apresentação interativa já na década de 70. De lá pra cá, existe algum trabalho
para conjugar as técnicas do Teatro do Oprimido com o desenvolvimento da
tecnologia?
O Teatro do Oprimido é um teatro muito moderno que
rompe com uma tradição artística que servia apenas para o entretenimento e mera
fruição do espectador. O fato de trazer o público pra dentro da cena foi
realmente uma grande revolução. Ele não pretende ser um teatro comercial, e sim
um teatro de participação política e social. Mas com relação às novas
linguagens, o Teatro do Oprimido busca se manter como uma arte essencialmente
do ser humano. É um espetáculo presencial e dialógico, do homem com o homem. No
meio dessa evolução das tecnologias e das mídias, o Teatro do Oprimido passa a
ser um reduto, quase uma espécie de reserva ecológica da ação humana em forma
de arte. Eu desconheço particularmente o Teatro do Oprimido como uma modalidade
que faça uso constante das novas tecnologias. Ao contrário, ele em si já é uma
tecnologia moderna em relação à trajetória do teatro. Uma tecnologia nada
mecanicista ou cibernética. É uma forma artística muito factível e popular,
passível de ser usado em qualquer lugar do mundo, seja numa tribo indígena,
numa comunidade de analfabetos, nos presídios, etc.
Se o Teatro do Oprimido não segue a
lógica de mercado, como ele se mantém?
A sobrevivência do Teatro do Oprimido vai depender
de quem trabalha com ele. Muitas vezes, são pessoas ou grupos organizados
ligados a sindicatos, escolas, entidades e organizações não governamentais, que
têm os seus projetos específicos. A gente percebe, por exemplo, que o Centro
Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro levanta recursos através de diversas
atividades, ministrando cursos ou oficinas e desenvolvendo projetos ligados a
editais do Governo Federal. O Teatro do Oprimido não é um teatro para vender
ingresso. Ele só acontece quando há o interesse e a necessidade transformadora
de uma ou outra comunidade.
Mas existe alguma coisa que pode ser
feita para estimular esse interesse nas pessoas?
Em primeiro lugar, precisamos entender que o Teatro
do Oprimido não é nenhuma profilaxia social. Não é uma panaceia para os
problemas da sociedade. Ele é um instrumento como outros que existem. Mas ele
se destaca como um meio eficaz para suscitar nos participantes um mecanismo
mais vivo de participação. Vamos pegar o exemplo do teatro legislativo, que nada mais é do que o teatro fórum, onde as pessoas podem propor leis relacionadas ao
problema social encenado. Neste espetáculo, existe uma célula metabolizadora,
formada por um grupo de advogados. O público recebe uma senha e, no desenrolar
da apresentação, qualquer pessoa pode ter a ideia de propor uma lei. No final
da sessão, recolhem-se as sugestões e a célula metabolizadora, ali mesmo, vai
apresentar as três melhores propostas de lei formuladas. O público então vota a
de maior interesse popular e a vencedora é encaminhada para as casas
legislativas, seja municipal, estadual ou federal. Quando foi vereador no Rio
de Janeiro, Augusto Boal aprovou por meio do teatro legislativo várias leis em beneficio da população. Neste
sentido, é outro avanço desse teatro transformador.
Na sua avaliação, o Teatro do Oprimido
tem sido disseminado de maneira eficaz?
Creio que sim. Os multiplicadores de Teatro do
Oprimido são, normalmente, muito comprometidos com os princípios deixados por
Augusto Boal. Percebo que o que falta é mais Teatro do Oprimido nos espaços de
formação, principalmente nas universidades. As escolas de Teatro ou mesmo os
cursos de Comunicação, de Sociologia, de Serviço Social e de Psicologia
poderiam promover o Teatro do Oprimido. Esses são espaços onde essa metodologia
pode ser multiplicada, além daqueles mais convencionais onde ela serve como
instrumento para militantes das causas populares.
Existem trabalhos do Teatro do Oprimido
em instituições diversas tais como em escolas, hospitais, clínicas
psiquiátricas, organizações não governamentais, instituições que atendem a
população de rua e de periferia, etc. São espaços comuns à atuação do assistente
social. De que forma é possível estabelecer um vínculo entre o Teatro do
Oprimido e o Serviço Social?
Se o Serviço Social lida com os problemas da
sociedade que exigem uma intervenção, eu percebo que o Teatro do Oprimido pode
ser uma espécie de instrumental para os profissionais dessa área. É preciso
estabelecer um elo, já que o Teatro do Oprimido não é uma metodologia para
artistas. É uma metodologia combatente. Augusto Boal dizia que, embora tivesse
apreço pelos artistas, seu interesse maior era por não artistas. Por esse
raciocínio, penso que o Teatro do Oprimido possa ser acessado pelos
profissionais do Serviço Social, visto que se trata de uma ação criativa, capaz
de convocar as pessoas para um exercício estético e politizador, ampliando
assim as formas de se trabalhar no cotidiano da profissão.
Mas o que precisa ser feito para esse
encontro realmente acontecer? Apresentar o Teatro do Oprimido aos alunos da
graduação é uma estratégia?
Esse é o primeiro passo: a formação do pessoal.
Seria extraordinário se os currículos dos cursos absorvessem esse conteúdo,
aproximando os formadores do método e os novos profissionais. Em outras
palavras, eu acho que o Serviço Social precisa descobrir o Teatro do Oprimido.
Como se desenha essa parceria do seu
trabalho com o CRESS-MG e quais as perspectivas?
Este contato se inicia pelas vias do conhecimento.
Porque o Teatro do Oprimido está calcado numa série de pensamentos articulados.
Augusto Boal se enveredou pelas obras de Karl Marx e de Paulo Freire, e fez
releituras nos teatros de Aristóteles e de Bertolt Brecht. Então, é um
constructo de um nível de conhecimento que pode ter um diálogo muito profícuo
com o Serviço Social. Existe uma linguagem comum, pautada na intervenção e na
transformação social, em favor do bem coletivo e dos direitos humanos. Então eu
vejo que este contato está se desenhando por meio disso. E aí vislumbramos a
possibilidade de multiplicação do método, porque esse é o grande interesse:
multiplicar. Ainda não tem nada definido, mas estamos abertos para cursos e
oficinas.
Quem é Dimir Viana
Dimir Viana - foto de seu blog profissional |
Dimir Viana começa
sua experiência com teatro nos anos 80, por meio de grupos amadores. No final
desta mesma década, ele ingressa no Teatro Universitário da UFMG, embora não
chegue a concluir o curso por motivos pessoais. De 1991 a 1993, ele retoma sua
formação na área através do Curso de Formação de Atores do Palácio das Artes
(Cefar). Naquele período, ele fundou com outros colegas o grupo Trupe Pierrot
Lunar, ainda em atividade. Na sequência, teve contato com os conceitos da
antropologia teatral, fundado a partir de estudos antropológicos do italiano
Eugenio Barba, que analisam o homem em estado de atuação. De 1995 a 2000, Dimir
Viana vive na Itália. Ali, ingressa no grupo Teatro Proskenion. Trata-se de um
grupo de teatro e de pesquisa que organiza anualmente a Universidade do Teatro
Eurasiano, evento importante daInternational School of Theatre Anthropology.
Em 2000, quando retorna ao Brasil, gradua-se em Teatro pela UFMG. Estuda
Teatros Orientais e História da Dança e do Mimo na Universidade de Bolonha, novamente
na Itália. Paralelamente, fundou o grupo Albatroz, onde dirigiu algumas peças
destacando-se uma trilogia sobre a militante comunista Olga Benário (Uma
carta para Anita, Olga Benário e Olga, elegia de um campo sem
flor).
A relação de Dimir
Viana com o Teatro do Oprimido tem início já no fim dos anos 80, quando começa
a se interessar teoricamente pela metodologia. Na volta ao Brasil, em 2000, ele
encontra tempo para participar de cursos no Centro do Teatro do Oprimido do Rio
de Janeiro, inclusive com a presença de Augusto Boal. E dali por diante, começa
a aprofundar suas pesquisas. Em 2008, ele participa do Curso de Multiplicadores
do Teatro do Oprimido, promovido pelo Ministério da Cultura. E no ano de 2011,
conclui seu mestrado em Educação, no qual realizou um estudo sobre o Teatro do
Oprimido e as implicações metodológicas na educação de adultos.