Gestualidade ancestral: a
ressignificação de Iansã em processos de criação cênica
Por: Daniela Beny
Por: Daniela Beny
Daniela
Beny Polito Moraes é Mestra com título obtido no Programa de Pós-Graduação em
Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN (2017).
Especialista em Antropologia pela Universidade Federal de Alagoas/UFAL (2014),
possui graduação em Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro pela UFAL (2011).
Atualmente é dramaturga, atriz, produtora e diretora - Invisível Companhia de
Teatro e assistente de produção - Patacuri - Cultura, Formação e Comunicação
Afro-Ameríndio. Atuou como professora de Artes pela Secretaria de Estado da
Educação e do Esporte e professora - Secretaria do Estado da Educação e Esporte
e professora contratada da Universidade Estadual de Alagoas. Principal foco de
interesse nas Artes Cênicas é o treinamento de atores/atrizes através do uso
dos elementos da dança e da mitologia de Iansã com base na Antropologia
Teatral. Atualmente atua como professora substituta de teatro do IFRN Campus
Ceará-Mirim.
RESUMO
Visamos
discutir o trânsito dos elementos de Iansã do sagrado para a criação cênica,
relatando experiências práticas com referência à mitologia e à corporeidade de
Iansã para o acesso à gestualidade ancestral. Esta pesquisa de caráter
Fenomenológico com base em Merleau-Ponty teve como ponto de partida a
etnografia da saída-de-orixá de uma Ialorixá
e a observação de ensaios/apresentações de um afoxé, desdobradas em práticas
com um grupo de teatro como parte do processo de criação e ampliação do
repertório corporal. Pretendemos trazer o diálogo entre Antropologia da Performance, Antropologia Teatral e
estudos da Performance Afro-ameríndia,
tomando como referência Schechner, Barba e Ligiéro.
Palavras-chave:
Orixá, Iansã, Antropologia da Performance,
Antropologia Teatral, processo de criação.
Gestualidade ancestral: a
ressignificação de Iansã em processos de criação cênica
O
presente artigo visa por em diálogo aspectos abordados pela Antropologia da Performance, a Antropologia Teatral e os
estudos da performance afro-ameríndia
na perspectiva de uma metodologia voltada para o processo de criação cênica
para atores e atrizes tomando como base os elementos de Iansã[1] –
levando em consideração aspectos arquetípicos, mitologia e codificação corporal
da dança desta Iyabá[2].
Considerando que
Nesse estudo, a
codificação corporal é considerada como elemento de comunicação da coreografia,
através do qual aspectos do arquétipo do Orixá são observados e reconhecidos.
Esta significação da codificação corporal é re-significada quando sua execução
quanto dança sai do espaço sagrado dos terreiros e ocupa o espaço do
palco/rua/salas de ensaio; cabendo à pesquisa problematizar e discutir a
apropriação no campo secular de um elemento sagrado, uma vez que o corpo é de
fundamental importância para o Candomblé e a Umbanda por ser o meio em que se
dá o contato/comunicação entre o plano espiritual e o plano material (BENY,
2014a, p. 15)
Esta
necessidade, ou melhor, esta inquietação que me conduziu a buscar investigar
outras possibilidades do processo de criação e ampliação de repertório corporal
de atores e atrizes nasceu da observação da saída-de-orixá da Ialorixá Nany Moreno e dos ensaios e
apresentações do Afoxé[1] Oju
Omim Omorewá, observando que, a codificação corporal do Orixá[2]
tomando o corpo do médium em transe e as coreografias do Afoxé prestando
homenagem à Iansã possuíam características de movimentos que seriam
interessantes experimentar em sala de ensaio, o que ocorreu junto ao Coletivo Cores,
na cidade onde estou desenvolvendo a pesquisa, que atualmente se encontra em
andamento.
Como
um elemento de intersecção entre o Candomblé e o teatro, é possível trazer à
reflexão desse trânsito Candomblé à Afoxé à
Laboratório à
Teatro um apontamento de Eugenio Barba (2012, p. 230) ao definir que “A
codificação corporal é uma consequência visível dos processos fisiológicos do
ator, para dilatá-los e para produzir um equivalente das mecânicas e das forças
que funcionam na vida. A codificação é formalização”, relocando o corpo
codificado religioso para as artes, inclusive como um processo de potencializar
o artista da cena para o melhor desenvolvimento do seu ofício.
Antes
de me aprofundar nos aspectos étnicos que envolvem esta pesquisa e nos relatos
do processo de experimentação como acesso à gestualidade ancestral, será
necessário trazer aqui três conceitos fundamentais dessa investigação.
Inicialmente
trago o suporte teórico de Richard Schechner (2013) para discutir os conceitos
de performance adotados para esse
estudo, onde o mesmo propõe que
[...]
performance pode ser: comportamento ritualizado
condicionado/permeado pelo jogo. Rituais são de uma forma de as pessoas
lembrarem. Rituais são memórias em ação, codificadas em ações[...] O jogo dá às
pessoas a chance de experimentarem temporariamente o tabu, o excessivo e o
arriscado (SCHECHNER, 2013a, p. 49 e 50).
Além
disso, Schechner (2013b) argumenta que
A
“performance” (...) é um “amplo
espectro” de atividades que vão desde o ritual e o play (em todas as suas variedades desconcertantes e de difícil
definição) até formas populares de entretenimento, festas, atividades da vida
diária, os negócios, a medicina e os gêneros estéticos do teatro, da dança e da
música. Não se tratava de afirmar que tudo
nessas atividades é performativo, mas que cada uma delas tem qualidades que
poderiam ser efetivamente analisadas e entendidas “como” performance (SCHECHNER, 2013b, p. 37-38)
Assim
sendo, nesta investigação, a performance será
encarada inclusive com a ideia de jogo, ou melhor, de to play, pensando no caráter mais abrangente do termo em inglês,
compreendendo que este indivíduo que performa interage de muitas formas com o
ambiente ao seu redor, seja brincando, jogando ou atuando, tudo isso através de
sua corporeidade, que como propõe Merleau-Ponty (1994), é a forma do indivíduo
ser-estar no mundo.
Outro
conceito que trago para esse diálogo, ou melhor, para essa triangulação, é o de
Antropologia Teatral, proposto e desenvolvido por Eugenio Barba junto ao Odin
Teatret, que propõe que
[Antropologia
teatral é] (...) o estudo do
comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes
gêneros, estilos e papéis das tradições pessoais e coletivas. (...) A
Antropologia Teatral é um estudo sobre o ator e para o ator. É uma ciência
pragmática que se torna útil, quando, por meio dela, o estudioso chega a
‘apalpar’ o processo criativo e quando, durante o processo criativo, incrementa
a liberdade do ator (BARBA, 2009, p. 25 e 30).
Vale
salientar que Barba considera que o comportamento cênico pré-expressivo “relaciona-se com o processo, não com o
resultado, onde o ator deveria ter como objetivo o trabalho sobre si mesmo no
sentido da conscientização de seu corpo para a dilatação de sua energia e para
aprender a desenvolver sua presença (SAUL, 2006, p. 19)”, então a metodologia
que proponho aqui, acessa esse estado de presença a partir do que chamo
de gestualidade ancestral, que no caso da Dança de Iansã, trará aspectos que se
aproximam bastante de alguns elementos que dizem respeito à dilatação,
oposição, equilíbrio precário e outra série de fatores apontados por Barba como
fundamentais para estimular o treinamento energético no nível pré-expressivo.
Como
estou observando e propondo o transporte e ressignificação de uma expressão
sagrada e artística afro-brasileira, trago aqui um paralelo interessante ao que
estou tomando como referência de corporeidade, apresentada por Ligiéro (2011b)
que é
O
conceito de Motrizes Culturais será empregado para definir um conjunto de
dinâmicas culturais utilizadas na diáspora africana para recuperar
comportamentos ancestrais africanos. A este conjunto chamamos de práticas
performativas e se refere à combinação de elementos como a dança, o canto, a
música, o figurino, o espaço, entre outros, agrupados em celebrações religiosas
em distintas manifestações do mundo afro-brasileiro (LIGIÉRO, 2011b, p. 130)
E
complementa considerando que
É
o objetivo desse estudo, definir as principais dinâmicas nestas celebrações a
saber: 1) o emprego de elementos performativos: canto, dança e música; 2) a
utilização simultânea ou consecutiva do jogo e do ritual na mesma celebração;
3) o louvor aos ancestrais por meio do culto ou transe; 4) a presença de um mestre
que guarda o conhecimento da tradição e que por meio da iniciação transmite o
legado e que, na maioria dos casos, é também o performer que lidera o ritual e/ou celebração, e a 5) a utilização
do espaço em roda, os performers se
movimentam dentro do círculo enquanto a plateia assiste em volta (LIGIÉRO,
2011b, p. 130).
Mesmo
que no trânsito Candomblé à Afoxé à Laboratório à
Teatro não se mantenham essas cinco dinâmicas, em algum ponto do processo de
trânsito e ressignificação as mesmas estiveram presentes, se mantendo como
matriz daquilo que poderá estar em cena.
Compartilhada
aqui a tríade da observação cênica desse trânsito e ressignificação, vale a
pena familiarizar o leitor com aspectos que considero fundamentais tanto para
observação quanto para prática cênica, que são a corporeidade e a ideia de
en/incorporação.
Poderia
tomar como base várias definições de corporeidade, mas creio que se faz
necessário nesse momento, como pesquisa acadêmica, entender como a
Fenomenologia e o Candomblé compreendem o corpo dentro de suas especificidades,
assim sendo, ao conceituar corpo e sua relação com o espaço, o filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty indica que
O
corpo é nosso meio geral de ser no mundo. Ora ele se limita aos gestos necessários
à conservação da vida e, correlativamente, põe em torno de nós um mundo
biológico; ora, brincando com seus primeiros gestos e passando de seu sentido
próprio a um sentido figurado, ele manifesta através deles um novo núcleo de
significação: é o caso dos hábitos motores da dança. Ora, enfim a significação
visada não pode ser alcançada pelos meios naturais do corpo; é preciso então
que ele construa um instrumento, e ele projeta em torno de si um mundo cultural
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 203)
Obviamente
que temos contextos sócio-histórico-culturais muito diferentes entre a França
do início do século XX após passar por duas grandes guerras e um grupo
artístico situado na periferia da cidade no nordeste brasileiro em pleno século
XXI, por esta especificidade, a corporeidade iorubá foi pensada e discutida sob
a perspectiva apontada pela dançarina, professora e pesquisadora em dança Dra.
Suzana Martins, ao propor que
O termo
corporalidade refere-se ao tratamento dado ao corpo como um conjunto de
elementos simbólicos estruturados para um determinado fim. No Candomblé, a
corporeidade é construída a partir da união espiritual decorrente da
intervenção primordial da divindade. (...) Nesse contexto, a corporeidade é
representada pelo corpo em movimento – o jeito de dançar – que ostenta
vestimenta litúrgica, atributos e adereços simbólicos embalados pela qualidade
específica da música e do Orixá (MARTINS, 2008. p. 81)
Para
além de pensar o corpo do médium em transe como local onde ocorre um
procedimento litúrgico, e, por conseguinte, sagrado, também considero este
corpo dançante responsável pela corporificação de elementos que manifestam as
forças da natureza – seja num aspecto mais etéreo como ar, relâmpago, fogo, no
caso de Iansã ou elementos mais concretos como animais – no caso o Búfalo e a
Borboleta.
Ao lidar com a observação de processos
sagrados que envolvem transe e com processos de criação cênica que visa também
ampliar o repertório corporal de intérpretes-criadores, no desenvolver desta
pesquisa, utilizo o termo en/incorporação[3] ao
que se refere à um momento muito específico de minha investigação, pois antes
de experimentar as práticas que levam à gestualidade ancestral do elenco com
quem venho trabalhando, experimentei a Dança de Iansã com a Ialorixá Nany Moreno e em seguida,
realizei meus experimentos individuais baseados na improvisação com base no que
foi experienciado da codificação corporal da Dança de Iansã.
Quero salientar aqui que escolho esse termo
por compreender que não haveria outra forma de apreender os elementos que quero
trabalhar como base metodológica para processos de criação de terceiros se não
for corporificando essa experiência, pois, como aponta Merleau-Ponty (1999) é
através da experiência corporificada que compreendemos e estamos no mundo. Aqui
traço um paralelo com Richard Schechner (2003) com o conceito de comportamento
restaurado
Comportamento
restaurado é simbólico e reflexivo. Seus significados têm que ser decodificados
por aqueles que possuem conhecimento para tanto (...) Tornar-se consciente do
conhecimento restaurado é reconhecer o processo pelo qual processos sociais, em
todas as suas formas, são transformados em teatro, fora do sentido limitado da
encenação de dramas sobre um palco (SCHECHNER, 2003, p. 35)
Pois
mesmo que eu não esteja dentro do ritual religioso dançando durante o transe,
ainda assim, estarei recuperando no meu repertório corporal elementos da minha
ancestralidade que surgem durante os experimentos, mesmo que o com quem estou
conduzindo os experimentos para o processo de criação não tenha passado pelas
aulas da Dança de Iansã, alguns elementos que fazem parte da corporeidade desta
Iyabá aparecem nas improvisações
quando são dados alguns estímulos em relação à ações e a referência imagética
das forças da natureza que estão ligadas à Iansã.
Yansã e elementos de sua simbologia - imagem dos arquivos pinterest @Behance: "Orixás" |
O caminho entre o sagrado e o
artístico
Compreendendo
como a corporeidade é construída no Candomblé, a Dança de Iansã no âmbito
sagrado trás elementos dramáticos se consideramos como análise a relação
ritual-jogo proposta por Johan Huizinga (2008) ao dizer que
O ritual é um dromenon, isto é, uma coisa que é feita,
uma ação. A matéria desta ação é um drama, isto é, uma vez mais, um ato, uma
representação num palco. Esta ação pode revestir a forma de um espetáculo ou de
uma competição. O rito, ou “ato ritual”, representa um acontecimento cósmico,
um evento dentro do processo natural. Contudo, a palavra “representação” não
exprime o sentido exato da ação, pelo menos na conotação mais vaga que
atualmente predomina; porque aqui “representação” é realmente identificação, a
repetição mística ou a reapresentação do acontecimento. O ritual produz um
efeito que, mais do que figurativamente mostrado, é realmente reproduzido na
ação. Por tanto, a função do rito está longe de ser simplesmente imitativa,
leva a uma verdadeira participação no próprio ato sagrado (HUIZINGA, 2008, p.
18)
Essa
“representação” que ocorre no ritual e, mais especificamente, quando Iansã
dança no Xirê[4]
trará elementos que compõe sua mitologia e que influenciam diretamente a
construção de seu arquétipo. Além disso, pela cultura iorubá ser de tradição
oral, a corporeidade fará parte desse processo de transmissão de conhecimento
já que
Na
sedimentação de sua raiz e identidade, a dança do candomblé age definindo
palavras através do gesto, intervenções físicas, comportamentos, circunstâncias,
fruto de um trabalho coletivo de encenação, para a preservação de suas crenças,
enfim, sua cultura. Os meios de expressão espetaculares desses ritos são a
dança, a mímica e a gestualidade muito codificada, o canto e o batuque. Na
utilização de movimento, cantos e ritmos e na perspectiva de harmonizar-se com
eles, teatralizam seus deuses encarnados e os recontam, através do
desenvolvimento muito bem definido e rígido que inclui ritos de entrada, transe
e ritos de saída, garantindo a volta de todos à vida cotidiana (ZENICOLA, 2014,
p. 71)
Nessa
teatralização, um dos pontos interessantes de ser observado numa saída-de-orixá
é, quando no toque do quebra-louças, os movimentos de Iansã sugerem que ela
esteja lançando pratos pelo espaço, com os braços se movendo de dentro para
fora e esta ação está intimamente relacionada ao itan[5]
do nascimento do ritual do axexê, aqui registrada por Reginaldo Prandi (2001)
Oiá
inventa o rito funerário do axexê
Vivia em
terras de Queto um caçador chamado Odulecê. Era líder de todos os caçadores.
Ele tomou por filha uma menina nascida em Irá, que por seus modos espertos e
ligeiros era conhecida por Oiá. Oiá tornou-se logo a predileta do velho
caçador, conquistando um lugar de destaque naquele povo. Mas um dia a morte levou
Odulecê, deixando Oiá muito triste. A jovem pensou numa forma de homenagear o
seu pai adotivo. Reuniu todos os instrumentos de caça de Odulecê e enrolou-os
num pano. Também preparou todas as iguarias que ele tanto gostava de saborear.
Dançou e cantou por sete dias, espalhando por toda parte, com seu vento, o seu
canto, fazendo com que se reunissem no local todos os caçadores da terra. Na
sétima noite, acompanhada dos caçadores, Oiá embrenhou-se mata adentro e
depositou ao pé de uma árvore sagrada os pertences de Odulecê. Olorum, que tudo
via, emocionou-se com o gesto de Oiá e deu-lhe o poder de ser guia dos mortos
no caminho do Orum. Transformou Odulecê em orixá e Oiá na mãe dos espaços dos
espíritos. Desde então todo aquele que morre tem seu espírito levado ao Orum
por Oiá. (PRANDI,
2001, p. 311)
Sendo
assim, dos elementos presentes tanto na corporeidade quanto na mitologia de
Iansã, alguns em especial me chamaram a atenção no que diz respeito às
características dos movimentos – sejam eles com o médium no estado de transe ou
ressignificados nas coreografias do afoxé – de tal modo que, durante a
pesquisa, busquei categorizá-los num primeiro momento com a finalidade de
estruturar a metodologia de criação cênica levando em consideração aspectos elementos
que associam o movimento às ações corporais, espaço, tempo, peso e fluência,
chegando assim à qualidade de esforço trazidos por Rudolf Van Laban (1978).
No
início da pesquisa, considerei os aspectos básicos da corporeidade de Iansã de
modo simplista e generalizado, sem ainda ter vivenciado sua dança, considerando
então os seguintes elementos:
Quadro 01 - Códigos corporais presentes na Dança de Iansã, elaborado no
início da pesquisa
QUALIDADE DO MOVIMENTO
|
VELOCIDADE
|
FORÇA
|
CARACTERÍSTICA
|
LEVEZA
|
PESO
|
ANIMAL ASSOCIADO
|
BORBOLETA
|
BÚFALO
|
FORÇA DA NATUREZA REPRESENTADA
|
BRISA
|
TEMPESTADE
|
VERBO
|
ESPANAR
|
CORTAR
|
Tentei organizar este quadro pensando nos aspectos
arquetípicos de Iansã, surgidos durante o levantamento de material e nas
características de movimento, relacionando essas características e elementos
significantes. A intenção aqui é proporcionar melhor entendimento de como as
coreografias se estruturam, observando que, nos movimentos codificados de sua
dança estarão presentes os animais aos quais Iansã está relacionada, a força da
natureza onde/como se manifesta e os verbos que designam suas atividades no
plano espiritual. Considerei como Qualidade de Movimento o que tem mais
destaque na execução da dança, associando à “característica” principal descrita
através da palavra que expressa o movimento, sendo os outros itens autoexplicativos.
Porém,
durante a escrita me deparei com estudos de Denise Zenicola (2014), que ao
observar a dança das Iyabás durante o
Xirê, propõe a seguinte categorização
da Dança de Iansã:
Quadro 02 –
Características da Dança de Iansã segundo Denise Mancebo Zenicola (2014, p.
110)
AÇÃO
|
AÇÃO BÁSICA
|
AÇÃO SECUNDÁRIA
|
PESO
|
TEMPO
|
ESPAÇO
|
FLUÊNCIA
|
Talhar
|
Forte
Flexível
Expandida
e/ou recolhida
|
Bater
Ativar
Chicotear
|
Firme
ou suave
Enérgica
|
Súbita
Curta
duração
|
Direta
Imediata
Flexível
e linear
|
Livre
|
Percebe-se que,
mesmo que os aspectos apontados não sejam os mesmos, é possível traçar um
paralelo nas observações feitas nos dois quadros se relacionarmos, por exemplo Verbo (quadro 1) com Ação Secundária (quadro 2), além de
outros elementos que, embora trazidos de maneira subjetiva e com nomenclaturas
diferentes, é possível interpretá-los de modos parecidos, como Característica (quadro 1) e Peso (quadro 2).
Embora
Zenicola aponte a ação básica TALHAR como característica principal da
codificação corporal da Dança de Iansã, ao trabalhar com cada elemento em
separado foi possível elencar outras ações básicas de acordo com a qualidade de
energia que se pretende mobilizar, embora o aspecto fluência se mantenha ao
trabalhar os três elementos – VENTO, BÚFALO E BORBOLETA – escolhidos para essa
pesquisa, como desenvolverei mais adiante.
Convém
salientar que, nos dois quadros anteriores os elementos apontados estão
relacionados diretamente com o arquétipo de Iansã, sendo possível perceber que
a criação/codificação está diretamente relacionada às características de seu
temperamento/comportamento e aos fenômenos da natureza associados à deusa.
Apesar
de ser base da minha investigação, em dado momento da pesquisa, percebi que o
quadro 01 não contempla toda complexidade existente na codificação da Dança de
Iansã, do mesmo modo que se mostra muito superficial para ser apontado como
norteador dos elementos como proposição de um “treinamento” do artista da cena,
o que considero positivo, visto que a pesquisa tem caráter de aprofundamento e
parece estar/ter se desenvolvido de forma progressiva. Sendo assim, proponho
aqui mais uma tabela que se concentra na relação entre FERRAMENTA X AÇÃO X
SUJEITO.
Quadro
03 – Relações entre ferramenta x ação x sujeito, elaborado em 2015
FERRAMENTA DE TRABALHO
|
AÇÃO
|
CONTEXTO DA AÇÃO
|
Alfanje
|
Cortar
|
Luta
|
Eruexim
|
Espanar
|
Movimentar
o vento, abrir e fechar o tempo, afugentar os eguns
|
Chicote
|
Chicotear
|
Afugentar
os eguns
|
Abebê
|
Observar*
|
Observar
a retaguarda com um espelho
|
Abanador
|
Abanar
|
Se
refrescar em dias de calor
|
Chifres
de búfalo
|
Bater
|
Alertar
sua prole para riscos eminentes e/ou ser alertada por eles
|
*
Considero que das ações listadas, OBSERVAR seria uma das ações mais passivas,
digo isso no sentido da sutileza da sua execução, mesmo que não faça parte dos
verbos de movimento listados por Laban, os quais já citei anteriormente.
As
ferramentas de trabalho de fato já são incluídas na Dança de Iansã realizada
nas saídas-de-orixá, consequentemente, suas ações também, uma vez que algumas
das ações aqui categorizadas também são as ações que Laban (1978) considera
como base do gestual humano, pois, mesmo que não tenhamos uma espada em mãos
executamos o movimento de cortar. Aqui incluo a coluna CONTEXTO DA AÇÃO por
considerar que estou lidando com uma dramaturgia que nos é transmitida pela
linguagem não-verbal da dança.
Observando
tanto a prática da Dança de Iansã no campo do ritual sagrado quanto na prática
artística, é possível perceber que existe a codificação básica e variações
dessa partitura. No campo artístico essas variações estão lado a lado com a
ressignificação dos símbolos e da dramaturgia da Dança do Orixá específico.
Para Schechner (2012), isso faz parte do processo de restauração do
comportamento, onde, segundo ele:
Uma
partitura pode ser mudada porque ela não é um “evento natural”, mas um modelo
de escolha individual e coletiva. Uma partitura existe, como diz o antropólogo
americano Victor Turner, “no subjuntivo”, no que Stanislavski chamava de “como
se”. Existindo uma “segunda natureza”, o comportamento restaurado está sempre
sujeito a uma revisão. Essa “secundariedade” é dialética, combinando o que é
negativo com o que é hipotético (o “subjuntivo”) (...) as restaurações não
devem ser explorações. Às vezes são feitas com tanto cuidado que, após um
tempo, o comportamento restaurado se transforma em seu suposto passado, assim
como em seu contexto cultural presente, como se fosse uma segunda pele. Nestes
caos, temos a rápida consolidação de uma “tradição” e é difícil de julgar sua
autenticidade (SCHECHNER, 2012, p. 245)
Essa
fala de Schechner me faz refletir sobre uma questão que considero delicada
quando se trata do trânsito de uma performance
ritual sagrada para o espaço da performance
artística que é a folclorização dos procedimentos religiosos, por isso mesmo
reforço que, nessa investigação não pretendo levar à cena Iansã nem possíveis
estilizações e sim recorrer aos elementos que compõe a corporeidade e a
dramaturgia da sua dança como parte do “treinamento” e/ou processo de criação,
tal qual tenho observado durante a condução dos exercícios junto ao C.C.
Após
essas primeiras observações tanto no Afoxé quanto na saída-de-orixá, foi
chegada a hora da experiência en/incorporada, se deu entre Junho e Julho de
2015, em Maceió, em seis aulas da Dança de Iansã com Nany Moreno, cada uma
delas com duração média de três horas, divididas normalmente entre aquecimento
e execução de coreografia. Digo execução de coreografia porque nesse momento
era necessário que eu aprendesse com Nany Moreno os elementos coreográficos e a
relação deles com a mitologia de Iansã transformando-os em um código, em algo
que conseguisse comunicar por si só.
Nessas
aulas além de mim estavam presentes mais três pessoas: uma atriz e cantora de
coral – católica, um bailarino de formação clássica e artista circense –
católico, e uma outra atriz também cantora de coral mas Umbandista e com a
função de cambona[6].
Optei por convidar estes participantes por serem meus parceiros de trabalho
dentro da Invisível Companhia de Teatro e também para poder observar através de
filmagens como cada corpo-indivíduo reage às orientações dadas por Nany Moreno.
Nem todos estiveram presentes em todos os encontros, mas sempre havia a
presença de pelo menos mais um dos participantes.
Percebo
que metodologicamente as aulas de Nany Moreno seguem os moldes do que pude
observar em campo, onde o processo de ensino-aprendizagem se dá através de
mímese, tendo como sequência o observar, copiar e depois ser corrigido, porém a
principal diferença do processo de transmissão de conhecimento nesse ambiente
criado com um objetivo específico foi o detalhamento de como esses movimentos
acontecem, em qual parte do corpo eles têm origem e a sua relação com os itan. Entendo que isso se deu por
haverem algumas “regras” preestabelecidas para essas aulas como, por exemplo, o
espaço para perguntas, estando a par de que essas aulas faziam parte do
levantamento de dados para minha investigação, Nany Moreno buscou atender as
minhas necessidades como pesquisadora organizando seu material e a condução dos
exercícios em diálogo com as dúvidas que iam surgindo.
Embora
todos nós já tivéssemos algum conhecimento prévio de Dança Afro, pois em algum
momento de nossas carreiras artísticas já tínhamos feito alguma aula ou oficina
com a própria Nany Moreno ou com algum outro/a professor/a, não tínhamos a
memória da dança de nenhum Orixá dentro do parâmetro do transe no Candomblé.
Como,
tanto no Candomblé quanto na própria pesquisa, os itan estão relacionados à corporeidade, foi impossível dissociar
alguns aspectos das “personagens” de Iansã, o que quero dizer é que, para mim,
durante as aulas, algumas representações das formas sobre as quais Iansã se
apresenta já me sugeriam um tipo de energia e, por conseguinte, uma gama de
características para além do que já apresentei como categorização dos elementos
da Dança de Iansã. O que pontuo abaixo está relacionado às observações e
sensações do meu corpo-sujeito e como foram descritas instantes depois das
aulas.
Quadro
04: percepções e características dos movimentos/ações em laboratório individual
PERSONAGEM
[EU-ELEMENTO]
|
TIPO DE ENERGIA
|
SENSAÇÃO DO CORPO
|
NÍVEL DE DIFICULDADE NA EXECUÇÃO
|
POSIÇÃO DOS PÉS
|
MOVIMENTOS DOS BRAÇOS
|
BORBOLETA
|
Anima
|
Leveza
|
Intermediário
|
Meia ponta
|
Soltos
|
BÚFALO
|
Animus
|
Peso
|
Fácil
|
Espalmados
no chão
|
Retos
|
VENTO
|
Anima*
|
Flutuação
|
Difícil
|
Meia ponta
|
Circulares
|
*reagindo no meu corpo-sujeito e sendo variável de acordo com cada
indivíduo.
Assim,
relacionei Iansã sob a forma de Borboleta à feminilidade, sensualidade e
sinuosidade pelos movimentos leves e expansivos como quem se mostra.
Relacionando-a também à energia Anima,
pela suavidade. A forma Búfalo me sugere uma energia mais próxima da masculina,
do campo de batalha, do combate, das decisões e atitudes diretas, focadas. Faço
menção também à energia Animus, pela
vigorosidade. Vale lembrar que essas construções de feminilidades e
masculinidades são subjetivas e essa forma de compreender e nomear os símbolos
diz respeito ao que eu, como indivíduo, possuo como referência. Quanto ao
Vento, não consegui racionalizar muito sobre se seria feminino ou masculino,
considero etéreo ao invés de assexuado porque penso nele como algo que não tem
– nem precisa ter – forma definida, pois, desses três “personagens” – e que
agora opto por nominar de EU-ELEMENTO – é o que possibilita maior variedade de
atuação e intenção já que o Vento compreende desde uma leve brisa até a mais
furiosa das tempestades. O que também abre precedente para considerar essa
qualidade de energia como neutra, mas como nesta tabela trago o que foi
experienciado pelo meu corpo-sujeito, no momento do laboratório consegui
identificar essa qualidade de energia mais aproximada do Anima, apesar de considerar que ela possa ser variável de indivíduo
para indivíduo ou que o mesmo indivíduo possa em momentos diferentes trazes
qualidades de energia distintas e que podem variar por diversos fatores.
Mesmo
se tratando de aspectos da minha subjetividade e da minha construção de
significados, essas sensações me ajudaram/ajudarão a estruturas as conduções a
voluntários/as para como chegar a diferentes estados energéticos.
Ao
me referir à energia-Anima e à
energia-Animus me reporto a Barba
(2009) quando o mesmo aponta que
Energia-Anima
(suave) e energia-Animus (vigorosa) são termos que não tem nada a ver com a
distinção de masculino-feminino, nem com os arquétipos de Jung. Refere-se a uma
polaridade pertinente à anatomia do teatro, difícil de se definir com palavras
e, portanto, difícil de se analisar, desenvolver e transmitir. Entretanto,
dessa polaridade e o modo com que o ator chega a dilatar seu território
dependem as suas possibilidades de não cristalizar-se numa técnica mais forte
que ele (BARBA, 2009, p. 102-103)
Apesar
de seguirmos as orientações de Nany Moreno e buscarmos nesse processo de
aprendizagem da base coreográfica a observação e imitação, evidentemente que
nossa prática na execução não trazia a mesma precisão que Nany Moreno, pois,
além da experiência como dançarina, ela possui o conhecimento da codificação
corporal do Orixá dentro do parâmetro religioso, porém, por se tratar de uma
pesquisa com bases na Fenomenologia compreendo que o aprendizado passa, ou
melhor, se dá no corpo, pois segundo Bocchi e Furlan (2003)
[...]
o corpo visado enquanto fenômeno e não enquanto coisa é portador de uma
capacidade singular de aprender o sentido de outra conduta, seja o sentido do
gesto ou da fala do outro [...] Merleau-Ponty diz que eu só consigo compreender
a intencionalidade do outro – e sua atitude para comigo – porque através do meu
corpo posso torná-la minha. Assim, encontramos em seu pensamento um lugar
especial para o corpo, a ele é atribuído uma potência expressiva que lhe é imanente:
o corpo é intencionalidade que se exprime e que secreta a própria significação.
Melhor dizendo, a análise do corpo põe à mostra o vínculo entre a expressão e
exprimido, cuja indissociabilidade está presente em todas as linguagens,
constituindo mesmo a natureza do fenômeno expressivo (BOCCHI e FURLAN, 2003, p.
447-448)
Partindo
desse pressuposto, reforço a crença de que, para conduzir os experimentos de
ampliação de vocabulário corporal e processo de criação cênica preciso primeiro
compreender os caminhos que esses elementos de Iansã fazem no meu corpo e na
minha subjetividade, para daí sim, propor aos atores/atrizes experimentar
também esses elementos, sempre considerando que, os acessos que faço à minha
gestualidade ancestral não serão necessariamente os mesmos que farão outros
indivíduos, pois, na etapa de Condução da pesquisa, levei em consideração as
práticas corporais prévias de cada participante, não podendo ignorar também a
sua relação com a religiosidade.
O outro corpo, o corpo do outro
Compreendida
a corporeidade e os elementos de Iansã no Candomblé e os possíveis caminhos de
acesso à gestualidade ancestral através da en/incorporação do conhecimento, é
chegado o momento da Condução dos exercícios junto ao Coletivo Cores, porém é
necessário deixar bem claro que a proposta dessa metodologia de trabalho não é
levar para a cena a representação de Iansã ou de seus elementos, não estou
treinando atores/atrizes para apresentar o búfalo ou a borboleta, o que
pretendo é que acessando a qualidade de energia desses elementos o/a ator/atriz
possa ampliar seu vocabulário corporal e também possa conhecer (ou reconhecer)
mais um gatilho para alcançar o estado energético para a cena, saindo do seu
corpo cotidiano para o extracotidiano. Uma vez que a lógica do corpo cotidiano
é a do princípio do mínimo esforço, onde não se gaste tanta energia para obter
o máximo resultado, enquanto o corpo extracotidiano estaria seguindo a lógica
inversa, com o máximo do uso de energia para o mínimo de resultado (BARBA,
2012), porém há de se pensar que é na lógica do uso extracotidiano do corpo que
se quebrará os automatismos das ações cotidianas às quais estamos
condicionados.
Para
a quebra desses automatismos do corpo cotidiano, Barba (2012) sugere uma
deformação e/ou artificialização do corpo de atores/atrizes através de seis
princípios: equilíbrio precário, dança das oposições, incoerência coerente,
equivalência, omissão/absorção das ações e sats.
Embora
esses princípios tenham sido desenvolvidos por Barba, trarei aqui os conceitos
e observações da pesquisadora, atriz e diretora Luciana Saul, que em 2006
apresentou a dissertação “Rituais do Candomblé – uma inspiração para criativo
do ator”, na Universidade de São Paulo/USP sobre o processo de criação do
espetáculo “Itãs Odu Medéia”, opto por este olhar pela aproximação com minha
pesquisa e por ser ela uma das poucas autoras que aproximam as práticas do
Candomblé com o trabalho de preparação de atores/atrizes. Para Saul
O
equilíbrio precário relaciona-se com o controle de uma posição de instabilidade
– isto gera novas tensões e resistência no corpo, produzindo uma nova
tonicidade muscular, propiciando a dilatação da presença cênica em um
corpo-em-vida. Trata-se de deformar, conscientemente, o equilíbrio, gerando uma
permanente instabilidade, mesmo na imobilidade. A imobilidade passa a ser
dinâmica, ou seja, há constantes reajustes de tensões e pressões nos apoios dos
pés (SAUL, 2006, p. 21)
Pensando
nos aspectos que compõe o princípio do equilíbrio
precário, posso traçar um paralelo com a Dança de Iansã em relação ao
contato dos pés com o chão, onde boa parte do tempo os pés permanecem em meia
ponta, subindo o foco de atenção, encontraremos os joelhos flexionados e os
quadris em movimentos circulares ou em oito. Tratando-se da parte inferior do
corpo isso já exige do/a atuante outra organização corporal, não só força e
resistência dos grupos musculares das pernas, mas também do abdômen e atenção
especial à coluna que mantém em harmonia e equilíbrio o corpo, o que faz com
que se observe a dança das oposições.
A
dança das oposições relaciona-se com forças antagônicas percebidas nas
oposições das partes do corpo, na oposição de energias diferentes, na oposição
na efetuação da ação, na oposição entre equilíbrio e assimetria ou ainda entre
repouso e movimento (SAUL, 2006, p. 21)
Oposição
e assimetria podem também caracterizar a Dança de Iansã, justo por ter como
característica a polirritmia e as constantes mudanças de direção é possível
observar que os movimentos da cintura pélvica para baixo obedecem uma direção e
da cintura pélvica pra cima outra, os pés marcam um tempo, enquanto ombros,
cotovelos e punhos rotacionam os membros superiores noutra velocidade e mesmo
que os dois braços executem movimentos que sigam o mesmo princípio, não há o
sentido de simetria, assim sendo, já é possível observar aqui a incoerência coerente que, segundo Saul
(2006, p. 22) “relaciona-se com a incoerência da ação em relação à lógica
cotidiana, tanto em função da economia de energia, como em relação à
artificialidade do comportamento cênico”, pois tantos nas atividades cotidianas
quanto na Dança de Iansã se executa a ação de espanar – por exemplo – mas no
segundo caso, além de ser utilizada mais energia, o movimento tende à
estilização.
Esses
três princípios aqui indicados já existem por si só na Dança de Iansã, seja
como performance artística ou
religiosa, e levando em consideração suas características, cabem muito bem ao
trabalho de criação de ator/atriz do modo que estou propondo, então,
vivenciando os elementos da Dança de Iansã em laboratório, seja na etapa de
en/incorporação ou de Condução, é possível chegar aos outros três princípios ,
sendo assim, para o trabalho do/a ator/atriz a experiência desses elementos faz
com que se busque o princípio da equivalência
que, como aponta Saul (2006, p.22) “relaciona-se com o deslocamento de uma
tensão, ou seja, se na vida cotidiana uma determinada ação implica num jogo de
tensões específicas, o ator deve encontrar em seu próprio corpo um outro
arranjo de forças que recrie, no palco uma ação semelhante”.
Durante
os laboratórios busquei experimentar em mim e com os/as participantes das
Conduções os extremos do uso do espaço e da energia mobilizada com/para esse
gestual extracotidiano e assim chegamos ao princípio da omissão
O
princípio da omissão relaciona-se à absorção da ação. Absorver uma ação
consiste em restringir o espaço da ação, ou seja, conter a ação, como se esta
retornasse ao estado de impulso. A ação pode ser absorvida das extremidades do
corpo até o tronco e, depois ao nível do impulso, numa imobilidade dinâmica,
chegando a um estado de omissão total, externa. Porém a intensidade da tensão
empenhada na ação deve ser mantida ou intensificada em proporção inversa a tal
retenção da amplitude da ação (SAUL, 2006, p. 22-23)
Creio
que neste momento o grande desafio é que o/a ator/atriz não se abandone,
considero também que a consciência alcançada por meio da omissão completa o
princípio da equivalência e culmina
com o acesso e reconhecimento do sats
que
(...)
relaciona-se a uma mudança de tonicidade corporal, impulsos, mudanças de
direção, diferença de potencial. Refere-se a um momento de transição, antes da
efetuação de uma ação, quando o corpo já está decidido a realizar tal ação, ou
seja, a ação está em estado potencial a ser realizada. O sats pode se relacionar, também, à imobilidade dinâmica, ou seja, à
articulação de micromovimentos, numa contenção máxima da ação, que dilatam a
presença, num corpo que está decidido (SAUL, 2006, p. 23)
Quero
salientar que não estou buscando aqui o treinamento físico para atores/atrizes
na pretensão de torna-los resistentes como atletas ou dançarinos de Dança Afro
ou de Orixá, a proposição é buscar outros caminhos que levem o/a atuante a um
estado de consciência sobre o seu próprio corpo utilizando elementos
característicos da corporeidade desta Iyabá.
Como consequência dessa escolha, uma série de aspectos da preparação do/a
ator/atriz para a cena passarão a ser desenvolvidos e observados ao longo da
condução dos exercícios.
A
ruptura com a forma/estado do corpo cotidiano, a meu ver, se dá quando
conseguimos alcançar certos estados de presença, onde observo, por exemplo, um
corpo que se dilata consideravelmente durante às conduções. Claro que não estou
desvencilhando o corpo da mente, considero que ambos SÃO o indivíduo, sendo
assim, quando consigo que este corpo rompa com suas amarras cotidianas para
experimentar gestos e movimentos que não estão presentes nas suas práticas
rotineiras, a mente também se permite novas possibilidades de criação e de
significados, dando ao atuante um território livre de conceitos
pré-estabelecidos e muito fértil para futuras composições.
Para organizar as estruturas das conduções
futuras tomo como ponto de partida aquilo que percebo que pode levar meu
corpo-sujeito a um estado de presença cênica que me possibilite criar. Das
tantas definições de tantos pensadores de/em teatro para esse tipo de
estado/consciência corporal, abro o diálogo com Barba (2012), onde segundo ele
O
nível que se ocupa de como tornar cenicamente viva a energia do ator, ou seja,
de fazer com que ele se torne uma presença que atrai imediatamente a atenção do
espectador, é o nível pré-expressivo (...) é um nível operacional: não é um
nível que pode ser separado da expressão, mas uma categoria pragmática, uma
práxis que, no decorrer do processo de trabalho, visa fortalecer o bios cênico do ator (BARBA, 2012, p.
228)
Sendo
assim, busco em mim o que pode vir a fortalecer meu bios cênico através do que há codificado nos/dos elementos da Dança
de Iansã, já que, ainda sobre o raciocínio de Barba
A
antropologia teatral postula que o nível pré-expressivo esteja na raiz de
várias técnicas atorais e que, independente da cultura tradicional, exista uma
“fisiologia” transcultural. De fato a pré-expressividade utiliza alguns
princípios para que o ator-dançarino conquiste presença e vida. O resultado
desses princípios surge com mais evidência nos gêneros codificados nos quais a
técnica que põe em forma o corpo também é codificada, independente do resultado
significativo (BARBA, 2012, p. 228)
Claro que a codificação
na minha investigação não tem, nem pretende ter, o mesmo peso da tradição do
teatro balinês, por exemplo, nem também tanta disciplina e “rigidez”, digo isso
por dois motivos bem simples. Primeiro porque a Dança de Iansã é codificada,
mas não pertence à uma tradição teatral mesmo que possua elementos dramáticos
na sua execução, já que é executada em sua matriz por dançarinos/as em estado
de transe e segundo porque proponho que a base do trabalho prático seja a
improvisação a partir dos elementos da Dança de Iansã e não a repetição de uma
coreografia ou dos códigos tais quais eles me foram repassados e que eu irei
compartilhar e conduzir – códigos esses que, por mais que eu não os demonstre,
eles aparecem durante o experimento e podem ser lidos de maneira bastante
aproximada ao que de fato representam na dança ritual.
Daniela Beny e Eugenio Barba - V A Arte Secreta do Ator 2012 - Odin Teatret Nordisk Teaterlaboratorium – Brasil. |
Creio que tendo os elementos de Iansã e
não a dança em si como ponto de partida, atores/atrizes ficam livres para a
execução e experimentação desses elementos de outros modos, cada atuante poderá
acessar seu próprio repertório corporal e, inclusive, despertar a gestualidade
ancestral que muitas vezes nem temos consciência que possuímos. Essa gestualidade
ancestral, pelo que percebo em mim, é acessada pelo estímulo musical – o que, a
meu ver, fortalece a ideia do “cantar-dançar-batucar” como sendo uma única ação
– e pela ativação dos quadris, coluna e movimentos circulares de ombros,
cotovelos e punhos; porém, quando aponto os elementos e conduzo uma prática de
improvisação, cada atuante irá experimentar e reconhecer seus próprios acessos
à gestualidade ancestral, já que cada corpo-sujeito possui suas subjetividades
e suas memórias.
Além do corpo-sujeito como local da
subjetividade e da memória, nele também se dá o lugar da percepção e os
movimentos executados como meio de apreensão, pois segundo Nóbrega (2008)
Os
movimentos acompanham nosso acordo perceptivo com o mundo. Situamo-nos nas
coisas dispostas a habitá-los com todo nosso ser. As sensações aparecem
associadas a movimentos e cada objeto convida à realização de um gesto, não
havendo, pois, representação, mas criação, novas possibilidades de
interpretação das diferentes situações existenciais [...] Desaprendemos a
conviver com a realidade corpórea, com a existência dos sentidos, pois
privilegiamos uma razão sem corpo. No entanto, a percepção, compreendida como
acontecimento da existência, pode resgatar este saber corpóreo (NÓBREGA, 2008,
p. 142).
Compreendo que nesse
sentido a corporeidade vai para além do entendimento do corpo em estado de
representação, porém a consciência de suas potencialidades e usos faz com que
o/a artista da cena possa acessar diferentes estados de presença por já ter apreendido
corporalmente acessos e mecanismos de ativação desses estados.
Não
consigo ainda definir exatamente – nem sei se de fato preciso definir de modo
tão delimitado – se acesso esse estado de presença me aproximando da minha
gestualidade ancestral ou se essa ancestralidade é quem me leva ao estado de
presença; creio que sejam duas forças que se retroalimentam e que podem
potencializar o trabalho do/a atuante.
Ao tentar recuperar a memória das
aulas, do transe e do laboratório para estruturar uma metodologia de trabalho,
busco chegar a um aspecto crucial do corpo do médium em transe que é a
dilatação, tomando como base o conceito de Barba (2012) que a define da
seguinte forma no trabalho do/a artista da cena
O
corpo dilatado é um corpo quente, mas não no sentido sentimental ou emotivo.
Sentimento e emoção sempre são uma consequência, tanto para expectador quanto
para o ator. Antes de tudo é um corpo vermelho de tanto calor, no sentido
científico do termo: as partículas que compõem o comportamento cotidiano foram
excitadas e produzem mais energia, sofreram um aumento de movimento, elas se
afastam, se atraem, se opõem com mais força e mais velocidade num espaço mais
amplo (BARBA, 2012, p. 52)
Com
base nesse apontamento de Barba, chamo Zenicola (2014) para o diálogo ao
afirmar que
Acreditamos
(...) que o corpo do fiel, ao dançar com seu orixá, torna-se cênico, não pelo
simples fato de estar inserido, em situação de destaque, no espetáculo, na
espetacularidade do ritual. O corpo torna-se cênico, principalmente pela
amplificação de sua gestualidade; por conseguinte, o aspecto espetacular que
esse corpo assumiu (ZENICOLA, 2014, p. 95)
E ainda acrescenta,
Ao
entrar em estado de transe, a gestualidade cotidiana dilata-se e preenche o
espaço físico com seu orixá, o gestual simplificado do indivíduo transforma-se
na gestualidade de seu orixá depois do transe. Nesse momento presenciamos a
corporeidade espetacular; uma espécie de dança superior, na qual os fiéis seriam,
antes de tudo, atores. Essa espetacularidade é vivenciada ainda, através das
diferentes combinações de movimentos e atitudes, e impulsionada por uma energia
interior e poderosa (ZENICOLA, 2014, p. 95)
Como
na Condução não há o transe, não há um estado de inconsciência no qual o
corpo-sujeito seja tomado e possuído pelo Orixá, mas, ao experimentar os
elementos da Dança de Iansã nesse caso específico, poderá acessar a sua própria
gestualidade ancestral – independente de qual seja seu Orixá e trazendo à tona
seu arquétipo interior. Se pretende chegar a essa dita espetacularidade através
do impulso e das proposições durante o trabalho, já que não havendo transe
também não há uma consciência superior dando os comandos para os/as atuantes.
O
estreitamento dos laços que aproximam o transe da preparação de atores/atrizes,
essa dilatação leva os corpos-sujeitos desses dois contextos a outro estado,
como aponta Zenicola (2014)
No
transe observamos uma mudança de atitude radical, em que o iniciado transcende
a dimensão mimética para revivenciar os acontecimentos (Bastide, 1973, p.
280)”. Essa visível alteração da movimentação corpórea é comparável ao que
Barba chama de “corpo cênico”. O corpo cênico para Eugenio Barba, é a
existência de princípios que permitem gerar a presença teatral; o corpo-em-vida
do ator, capaz de fazer aquilo que é invisível visível: a intenção (ZENICOLA,
2014, p. 95)
Ao longo dessa pesquisa
busquei experimentar alguns roteiros para Condução, sempre considerando três
fases: I – PREPARAÇÃO, II – AÇÃO e III – FINALIZAÇÃO, onde organizo em sete
etapas, sendo elas:
FASE I – PREPARAÇÃO
|
2ª
– Alongamento coletivo
FASE II – AÇÃO
|
FASE III – FINALIZAÇÃO
|
5ª
– Desaquecimento
6ª
– Escrita nos diários
7ª
– Roda de conversa
Vale salientar que, ao
estruturar esse roteiro de Condução, retorno às práticas das sete fases da performance indicadas por Schechner
(2013b) – treinamento, oficina, ensaios, aquecimentos ou preparações
imediatamente antes da performance, a
performance propriamente dita,
esfriamento e balanço – respeitando as devidas proporções por ainda não se
tratar de uma apresentação pública, adequando essas sete fases aos limites de
um trabalho em laboratório. Essa estrutura foi pensada de modo que o trabalho
se desenvolva numa crescente (Fase I), chegue ao seu ápice (Fase II) e decresça
até seu fechamento (Fase III).
Preferencialmente
o primeiro elemento a ser trabalhado será o VENTO por ser o que mais se associa
à Iansã quando se pensa nessa Iyabá, neste
caso o alongamento e o aquecimento terão como foco exercícios de fortalecimento
das panturrilhas – uma vez que nessa qualidade de energia o corpo tende a ficar
apoiado na ponta dos pés – para os braços trabalhando, sobretudo com as
articulações para execução de movimentos circulares e costas para que os
membros superiores e inferiores busquem a sensação de flutuação com maior
conforto e segurança.
O
segundo elemento a ser trabalhado será o BÚFALO pelas características da
qualidade de energia e pelas partes do corpo que mobilizadas – normalmente a
parte inferior e deformação da coluna – de modo diferente ao que ocorre no
VENTO. O terceiro elemento será então a BORBOLETA por mobilizar uma qualidade
de energia bem distinta do BÚFALO.
No
caso de trabalhar com os três elementos no mesmo dia, manterei essa sequência
na tentativa de equalizar o uso da energia do/a artista da cena fazendo
analogia à relação que pode se estabelecer entre fogo e água – dois elementos
muito presentes na mitologia de Iansã – do seguinte modo: ESQUENTAR (Vento) à
FERVER (Búfalo) à ARREFECER (Borboleta).
Essa
estrutura foi base para o trabalho de Condução realizado entre os meses de
Abril e Maio de 2016, junto ao C.C. onde, de acordo com as necessidades
apontadas pela encenadora, a Condução foi servindo como base para o processo de
criação do elenco e potencializante de algumas qualidades de energia que
precisavam ser acessadas pelos atores/atrizes para melhor desenvolvimento da montagem.
Num
primeiro momento, o foco foi a ampliação de repertório corporal, levantando
partituras que poderiam ser usadas em cena, essas partituras, com base nas
ações relacionadas aos elementos de Iansã – como foram apontadas nos quadros
anteriores – já traziam em si o que considero como gestualidade ancestral,
pois, junto com o estímulo sonoro, parte do elenco, mesmo que sem ter
vivenciado anteriormente danças de Orixás, traziam no experimento desenhos
corporais que remetiam ao que pude observar na saída-de-orixá, embora que
ressignificado, já que a relação de alguns movimentos com os itans de Iansã foram apresentados após a
prática finalizada.
Já
havendo essa ampliação do repertório corporal, consciência das partituras que
seriam levadas para cena e como acessar a gestualidade ancestral, cada pessoa
do elenco passou a desenvolver as atividades de laboratório de modo mais
específico, por exemplo, uma das atrizes precisava suavizar seus movimentos,
então, buscou-se que ela executasse sua partitura acessando a qualidade de
energia da Borboleta/Anima, já outra
precisava trazer um pouco mais de peso e de tensão muscular em determinadas
cenas, fazendo com que, a execução de sua partitura fosse estruturada na
qualidade de energia do Búfalo/Animus.
Embora compreenda durante esta etapa de minha investigação, que cada ator/atriz
possua mais “facilidade” em corporeificar determinadas características de
qualidades de energia específicas, essa metodologia de trabalho funciona como
um caminho para levar o/a intérprete-criador/a ao estado energético com o que
menos se identifica e como um catalisador para acessar de mais rápido o estado
onde se sente mais confortável.
Considerações finais
Embora se trate de uma pesquisa em andamento
e compreendendo que investigações que têm como objetivo explorar possibilidades
metodológicas, o que pode ser observado é que as práticas corporais
afro-ameríndias têm uma enorme potência no que diz respeito ao processo de
criação. Pensando nas culturas orientais e nas suas práticas teatrais codificadas,
podemos traçar um paralelo com as inúmeras práticas corporais oriundas do
Candomblé, indo para além do Afoxé, como os Maracatus, os blocos carnavalesco e
demais brinquedos populares que ultrapassam a barreira da religiosidade e
chegam ao público em festas religiosas do sincretismo popular.
Há
de se manter o respeito entre os limites da performance
dentro do espaço religioso e como se dá o trânsito para a prática
artística, levando em consideração os elementos sagrados como base e inspiração
para o desenvolvimento de atividades que não estejam vinculadas necessariamente
à esta ou aquela religião, mas que busque nas práticas corporais e na
transmissão do conhecimento incorporado elementos que possam vir a
potencializar as práticas artísticas.
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Janeiro: Mauad X Editora, 2014.
[1]
“Afoxé é
um cortejo de rua que tradicionalmente sai no carnaval (...) É importante
observar nessa manifestação os aspectos místico, mágico e por conseguinte
religioso. Apesar dos afoxés apresentarem-se aos olhos dos menos entendidos
como um simples bloco carnavalesco, fundamentam-se os praticantes em preceitos
religiosos ligados aos cultos dos orixás, motivo primeiro da existência e
realização dos cortejos. Por isso, afoxé também é conhecido e chamado por
Candomblé de Rua (...) Apesar de todas as modificações e desfigurações, esses
grupos procuram manter valores e características de ‘africanidade’ como:
cânticos em dialetos africanos (...) utilização de cores e símbolos que possuem
significados específicos dentro dos preceitos religiosos dos terreiros de
candomblé (LODY, 1976, p. 3)”
[2] Orixá é compreendido por Pierre
Verger como “(...) uma força pura, asè[2]
imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um
deles (VERGER, 2002, p. 19)”, embora também seja possível considera-los como a
personificação das forças da natureza, tanto elementos etéreos quanto animais,
minerais e vegetais, por se tratar de da humanização do aspecto divino, as
representações dos Orixás trará “pessoas” com sentimentos, pensamentos e
atitudes, tais quais as dos humanos.
[3]
Opto por esta grafia do
termo por encontrar em minhas pesquisas tanto a palavra ENCORPORAÇÃO quanto
INCORPORAÇÃO, não havendo distinção de significado entre as duas, uma vez que
os prefixos latinos EN e IN significam “Movimento para dentro, passagem de um
estado ou forma”, sendo os dois significados aplicáveis a esta investigação.
[4]
“(...) o Xirê é a designação geral usada para
nominar a sequência de danças rituais dos candomblés, que começa com Exu e é
finalizada com Oxalá. Segue-se uma ordem pré-estabelecida, como se fosse um
roteiro teatral, reunindo orixás afins: das águas, da terra, da caça, da
criação do mundo, numa ordem funcional e que atende aos significados prescritos
pelo modelo yorubá (LODY, SABINO, 2011, p. 103)”
[5] Termo em iorubá para o conjunto
de todos os mitos, canções e histórias componentes da cultura iorubá, podendo
vir grafado itã.
[6] Termo da Umbanda para designar o
médium que presta assistência aos atendidos pelas entidades, assim como ajuda
os médium em transe durante as atividades mediúnicas.