sábado, 29 de agosto de 2015

DARIO FO - "NÓS PARAMOS DE RIR E O PODER AGRADECE"

Nesta semana, para homenagear a nossa oficina de Commedia dell'Arte, que encontra-se com as inscrições abertas, publicamos uma entrevista com Dario Fo, grande estudioso dessa arte antiga e maravilhosa.


Dario Fo é um escritor, dramaturgo, ator e diretor italiano que atua também como cenógrafo e compositor para alguns dos seus espetáculos. Nasceu em 1924 e dedicou-se ao trabalho com a comédia, pricncipalmente a Commedia dell'Arte. Na maioria das vezes direciona o seu trabalho para a crítica política, como a grande parte das comédias. Durante a maior parte da sua história contou com a preciosa colaboração de sua esposa, a também atriz, Franca Rame e de sua família.
Dario recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1997. Sua vasta e riquissima produção pode ser encontrada tanto em livros quanto em vídeos, sendo muito conhecido o livro "Manual Mínimo do Ator" e os vídeos didáticos sobre a Commedia dell'Arte "Mistero Buffo"


O Autor/Ator Dario Fo

“Nós paramos de rir e o poder agradece”

De Malcom Pagani
Tradução de Claudia Venturi

Sem nunca ter tido um teto sobre a cabeça, Dario Fo aprendeu a dispensar definições: “Os atores negavam que eu fosse um ator e os autores faziam o mesmo: ‘Você não é nada além de um ator que se veste de autor’. Era ignorado por todas as categorias e, graças a Deus, me saí muito bem!”.  A alguns meses dos 89 anos, este grilo falante que cricrila ao ritmo das grandes e pequenas urgências : “Fechem a janela, não se ouve nada” não se cansou de cantar. Escreve livros, leciona, prepara espetáculos, tem um Prêmio Nobel na gaveta. De vez em quando pensando no amanhã, declina do presente escolhendo o imperfeito. “Tive uma vida estupenda”, diz e ilumina com acadêmica precisão o santuário da memória. Recorda nomes, datas e lugares. Pinta vultos, re-evoca vozes, desdobra zombarias que de modo brincalhão chama “joguetes”. Enquanto conta, se diverte. Interpreta de novo. Ri: “O porteiro, um ex-levantador de pesos, se chamava Otello, falava em rigoroso dialeto milanês e se parecia com Picasso. Com alguns amigos que, na colorida Brera do Bar Jamaica, ensinavam-me a vida decidimos fazer uma brincadeira memorável. Anunciamos aos quatro ventos a visita do pintor, vestimos Otello com um capote branco a la Bogart, o instruímos e o fizemos subir no trem.  Quando chegou na estação central, diante dos fotógrafos enlouquecidos, protegemos a celebridade agitando-nos e dizendo ‘deixem-no passar, espaço, o mestre não quer ser incomodado’. Otello nos seguiu repetindo em francês a frase que havia ensaiado: ‘Vergonha, chacais, vergonha’ e, afastando-se, reaparece na mesma noite no salão do Filodrammatici[1]”. Naquela madrugada dos anos 50: “Entre falsos pintores de parede que se atiravam baldes de tinta, operários que imploravam por ajuda presos em um andaime e guardas municipais de máscaras, montados a cavalo nas suas motocicletas  que roncavam entre as poltronas, transformamos a realidade jogando com o teatro do absurdo. Até a presença do verdadeiro Picasso, de qualquer forma, todos acreditaram. Quando no auge do delírio Otello subiu no palco para o seu discurso e um jato de água atingiu o público que fez compreender até mesmo quem ainda não havia compreendido.”

"As crianças compreendem tudo e o entendem antes dos demais."

Rir foi importante?
Eu tentei sorrir até mesmo nos momentos dramáticos, ver o lado festivo da existência. O lado alegre das coisas. Que satisfação existe em observar, deprimido, a desolação? Sempre preferi dar uma oportunidade para o otimismo.

Era assim desde a sua juventude?
No Lago Maggiore, os pescadores envolviam os garotos nos seus trabalhos. Ajudávamos a limpar as redes das incrustações enquanto os ouvíamos contar histórias mágicas. Eram acontecimentos mínimos transformados em poemas e mitologia. Fofocas de corredores transformadas em fábulas misteriosas. Eram lições inconscientes. Novos sons. Outras línguas. As mesmas que eu havia observado escutando os mestres assopradores provenientes da Europa central, chegados improvisamente na Lombardia para trabalhar com o vidro. O parentesco eslavo, os dialetos da România, as ascendências russas.

"Quem estava no comando tinha compreendido que a ironia e o grotesco eram armas perigosas e que as pessoas, vendo o outro lado da medalha, o poder de calças curtas e o rei nu, normalmente ri. Ri, reflete sobre as razões daquele movimento espontâneo e se pergunta coisas que não deveria."

Como conseguia compreendê-los?
Estudava os gestos, a fonética, as semelhanças com a nossa língua. As crianças se adaptam ao trânsito linguístico e desvendam, antes dos outros, o significado das palavras, sobretudo daquelas escondidas. Os assopradores falavam e com aqueles versos, nós misturávamos dia e cansaço com o desejo de que a narrativa não acabasse mais. Abraçar um mundo que eu não conhecia fazia eu me sentir bem.

Parece uma infância feliz.
E foi. Eu me diverti. E o impulso inicial se revelou fundamental. Permitiu-me ser o que sou hoje. A teoria de Bruno Bettelheim sempre me persuadiu: “De um homem me dê os primeiros sete anos de sua vida, o resto pode ficar para você.”

O Senhor se lembra dos primeiros palcos?
Lembro que para conseguir a atenção bastava um vagão de trem. Quando eu estudava na Academia, os vagões se transformavam em teatro itinerante. Eu entrava em cena sem preparação e as minhas ‘fábulas’ agradavam aos passageiros que iam e vinham entre Milão e a província. Tinha uma bagunça infernal a bordo daquele vagão. Uma alegria. Uma maravilha. Uma dialética de palco improvisado no qual eu tinha um papel e até um sobrenome. Eu me chamava magricela. Era alto e magro. Um vara pau. Entre uma estação e outra, olhando ao além pela janela, os espectadores me pediam rimas e aqueciam a atmosfera se consolando com vinho e com aplausos.

O Senhor também bebia?
Depois de meio copo já estava tonto. Na “caravana dos bêbados”, como chamavam aquele trem, me embebedava pela única necessidade de imitar. Não parava nunca e chegava em casa normalmente afônico. A minha fama se espalhou como rastilho de pólvora. Convidavam-me para almoçar e, por um prato de sopa, como na idade Média com menestréis e trovadores, pediam-me de entreter a família reunida à mesa.


“O mundo está bem assim, sobretudo para os quais se faz cômodo”

Tem saudades daquele tempo?
É difícil dizer. Sinto falta de Franca, é óbvio. Estabelecer um porque é realmente inútil. A nostalgia é um negócio estranho. Têm dias nos quais, sentindo um calafrio, parece-me que revejo as dinâmicas passadas se reapresentarem como se fosse ontem. E outros dias nos quais reflito sobre a hipótese de uma correspondência entre épocas tão distantes.

E na reflexão, o que acha?
Estamos em um drama obsceno, agora como há 50 anos. Mas com menos ironia e menos leveza. Antes falávamos sobre o quanto era importante rir. E hoje rimos pouco. E se inventa ainda menos.

Por quê?
Há uma desesperança generalizada e muito conformismo. Falta a coragem de ir além das medidas.


Maria Callas, sobre a qual escreveu, com Franca Rame[2], uma biografia em forma de espetáculo, havia feito um manifesto existencial a respeito de superar a medida.
Sempre foi uma constante minha. Minha e de Franca. Ela sustentava que à arte servisse a coragem de ir além do máximo. Se faltasse aquele salto, faltava tudo.

Franca havia realmente encontrado Maria Callas.
Conhecendo-a muito mais profundamente do que eu. Com a soprano tinha dividido o tempo no atelier de sua irmã Pia. Um Oasis, relaxada, no qual a epopeia de Onassis e Di Stefano[3] não estava no horizonte e dor, amor e tormento deixavam ainda muito espaço para a alegria.

O encontro se deu na mesma década em que o seu espetáculo começa a criar confusão no Piccolo Teatro de Milão.
Com Franco Parenti e Giustino Durano realizamos ‘Il dito nell’occhio’, um espetáculo de sátira.  Uma peça recitada não apenas com a voz, mas com o canto e, sobretudo, com o corpo. Pela primeira vez na Itália, oferecia-se um ponto de vista anômalo. Duríssimo. Privado de qualquer indulgência. Ainda me recordo o que dizíamos antes que as cortinas se fechassem.

E o que diziam?
“O mundo está bem assim, sobretudo para os quais se faz cômodo”. Após algumas semanas de relativa paz, em atraso, sentimos o acre odor da censura. A presença da polícia na plateia. Uma constante em meus anos com franca.

Interrompiam o espetáculo?
Os agentes chegavam ao auditório, assíduos, prontos para pegar qualquer aceno de desacato à autoridade constituída. Mas o teatro que apresentávamos nunca deixava espaço para a palavra sozinha e não caía na armadilha armada pelos superiores. Poderia se imitar o perfil de Andreotti[4] mesmo sem chamá-lo Giulio e esta imitação escorregadia, esta ambiguidade não sancionável, levava à loucura os agentes da ordem constituída. Quantas vezes os vimos sair do teatro, enfurecidos, jogando os papeis pelos ares, seguros em seus íntimos de ter de retornar no dia seguinte porque assim os foi ordenado.

"Se provocar significa tentar contar a verdade, sim, admito, eu provocava."

E então a censura realmente chegou.
E nos tempos em que existia somente a rádio e a TV era menos que uma hipótese, fomos constrangidos a nos afastarmos dos circuitos do teatro tradicional. Por nós, não teríamos nunca nos afastados dos espaços aos quais éramos habituados. A certo ponto nos encontramos de frente a um muro.  Uma escolha imposta.

Não concediam a vocês os espaços solicitados?
Tinha sempre algum impedimento formal, uma atividade da prefeitura, uma desculpa. Os administradores eram ameaçados e as pressões dos democristãos, onipotentes na época, surtiam efeito. Sobre determinados assuntos a mensagem era: não se devia falar. Quem estava no comando tinha compreendido que a ironia e o grotesco eram armas perigosas e que as pessoas, vendo o outro lado da medalha, o poder de calças curtas e o rei nu, normalmente ri. Ri, reflete sobre as razões daquele movimento espontâneo e se pergunta coisas que não deveria. Quando a censura era brutal, em reação a ela, eu e Franca exagerávamos. Na década em que fomos expulsos dos teatros, escrevemos mais ou menos vinte e cinco comédias. Três ao ano, falando por cima. As ensaiávamos e as montávamos sem sequer pensar.

Em “Canzonissima” de 1962, os problemas com a Rai[5] foram intransponíveis. Em 29 de novembro, lá pelas 21h, é anunciado ao vivo a retirada de vocês da transmissão.
Brigamos do início ao fim do programa. O pretexto para a exclusão foi uma cena de sátira política. Estavam discutindo sobre a divergência sindical dos trabalhadores da construção civil e o nosso esquete sobre esse tema foi hostilizado de qualquer forma.

Ettore Bernabei, o diretor geral da Rai daquela época, quando questionado sobre o tema, sustenta que polícia e construção civil se enfrentaram a pedradas e que o seu objetivo fosse provocar a qualquer custo.
Se provocar significa tentar contar a verdade, sim, admito, eu provocava. O episódio em si foi absolutamente vergonhoso. Bernabei estava a serviço da política, tinha sido colocado sobre aquela poltrona com o preciso objetivo de mascarar uma realidade social que certamente não era aquela idílica, toda resplendor e felicidade proposta pela Rai. Ele nos falou algo tremendo: “Os operários estão fazendo manifestações muito duras, não podem de forma alguma acreditar que são apoiados lá fora. Devem saber que estão sós”. Eu permaneci longe da Rai por quinze anos e, desde então, não tenho dúvida, não mudou nada. As mortes pelo trabalho se sucedem uma após a outra. E o regime, exatamente como ontem, silencia a desaprovação. Observe a postura do toscano em confronto com a classe operária. Uma atitude horrenda, impiedosa, sem pudor. Quer eliminar os operários. Riscá-los do mapa.

O toscano seria Matteo Renzi[6]?
E quem mais? Se eu re-escuto as mnhas canções de 50 anos atrás, me dou conta de que o quadro social é a fotocópia do atual. Os homens comprometidos, mentirosos e fiéis ao sistema, dominam. Os pobretões se debatem.

Eram péssimas também as suas relações com o Pci[7].
Eu os enfurecia, os burocratas do partido. Eu contava dos erros que aconteciam no Leste e o abismo do trabalho irregular. Eu estava sempre fora da linha. Quem está fora da linha, em certos mecanismos estruturados, acaba se tornando um inimigo. Pagetta, um dia, me rogou que parasse: “Dos nossos problemas falemos entre quatro paredes. Levá-los para fora equivale a oferecer a razão aos nossos adversários”. Eu não sabia se ria ou se chorava.

E o Senhor teve problemas também com o Berliner Ensemble[8]. A filha de Brecht contestou publicamente a sua leitura da “Ópera dos três Vintens”.
A filha de Brecht, sinto em dizer, era uma imbecil. Impediu-nos de apresentar. Foi desagradável e pueril. Nada a ver com a sua mãe, uma grande mulher. Se ainda estivesse viva, essa questão sequer teria aparecido.

"... trabalhar sobre as melhorias de uma montagem afastava a chatice e me dava um sentido de paz."

A política os acompanhou sem descanso. Por causa de suas posições, nos anos 70, chegaram a recusar a vocês até o aluguel de simples apartamentos em Milão.
“Não podemos nem vendê-los e nem alugá-los a vocês” nos diziam sentidos: “Arriscamos que nos coloquem uma bomba”. Não era uma alegoria. Aconteceu realmente e de fato, como poderíamos colocar objeção?

Em um lado do prédio Liberty, na noite de 21 de dezembro de 1974, um artefato explodiu de verdade.
Era para nós e com os seus duzentos gramas de TNT, às 3h da manhã, explodiu os vidros de toda a Praça Marinai d’Italia. Não foi um massacre por puro acaso. Na época representávamos ‘Non si Paga, Non si Paga’ e em cena tinha um caixão. Os garotos das forças de ordem, exatamente por causa do caixão, talvez em homenagem a superstição, decidiram ir dormir na ala oposta do prédio. Não repousar perto das caixas de morto representou a salvação deles.

E a sua salvação, onde a encontrou?
Consistia em procurar se melhorar. Jacques Lecoq[9] nos havia ensinado a diferença entre fazer gestos e gesticular. Quando eu não estava satisfeito, montava e remontava o espetáculo, tentava não me contentar, aproximar-me da perfeição. Como em certos ângulos escondidos dos meus trinta anos, quando passar a noite em companhia dos meus mestres dava início a uma ira de deus de invenções e diversão, trabalhar sobre as melhorias de uma montagem afastava a chatice e me dava um sentido de paz. Como dizem em Milão, sempre fui um ‘enlameado[10]’. Trabalhar me deixava sereno.

O Senhor poderia ter se entregado ao cinema como o fez com o palco?
Eu e Franca chegamos adiantados ao cinema. Em ‘Lo Svitato’ de Carlo Lizzani, eu interpretava um entregador que sonha em se tornar jornalista. A comicidade era surpreendente e o público, constrangido a confrontar-se com referimentos derivantes do teatro inglês e americano, descobre-se perdido. Anos depois o filme se tornou um pequeno cult. Às vezes você se encontra enredado nos seus tempos, outras vezes precisa esperar que o público se liberte sozinho.



Com ‘Lo Svitato’ a crítica não foi gentil.
Em cem críticos de formação, cultura pessoal e exploração dos universos, que não se detenham nas fronteiras italianas, aqueles capazes de ler as inovações não são mais do que dez. Compreender o gosto do paradoxo não é uma coisa simples. Sabe quem o consegue? A criança. As crianças compreendem tudo e o entendem antes dos demais. Outro dia eu estava na Alemanha. No silêncio, em uma multidão com mais de quinhentas pessoas, a primeira risada foi dada por um garotinho de oito anos.

Fascina ao Senhor a comicidade contemporânea?
Não me parece nem plana e nem redonda. Provoca risadas que se assemelham às risadas rumorosas de piadas, uma coisa diferente da sátira.

Como o Senhor convive com a velhice?
Cada um tem a sua. Teria sido muito mais agradável se tivesse Franca ao meu lado. Sonho com ela. Às vezes, a última há apenas alguns dias, ela me vem à mente. Ela me aconselha mesmo de longe. Eu era tímido. Ela me conquistou e me manteve por perto mesmo sendo cortejada por homens de todos os tipos. Pessoas com todos os títulos poderiam tê-la levado embora. Mas ela permaneceu.

“Se depois da crítica viesse uma solução, ajudaria a ambos”
Às vezes vocês brigavam?
Questões artísticas. Ela contrariava um texto e eu me irritava: “Se depois da crítica viesse uma solução, ajudaria a ambos”. Tinha sempre aquela justa. As brigas não duravam mais do que um minuto e os sol substituía sempre as nuvens. Sabe o que dizia, Franca, quando um problema nos parecia intransponível?

O que ela dizia?
“Dario, acalme-se, depois de tudo é só teatro. Nada mais do que Teatro.”


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Entrevista publicada originalmente no periódico "Il Fatto Quotidiano" de 23/11/2014, realizada por Malcom Pagani e traduzida do italiano para este blog por Claudia Venturi

Mais sobre a história de Dario Fo: 
http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1997/fo-bio.html
http://francarame.it/




[1] Filodrammatici – Teatro histórico situado no centro de Milão.
[2] Franca Rame – atriz teatral, dramaturga e política italiana. Esposa e companheira de Dario Fo.
[3] Aristoteles Onassis, para Callas foi um amor “terrificante”. Dez anos de paixão e traições, a partir da promessa de casamento que nunca foi realizada. Onassis era a sua razão de viver. Até o momento em que soube de seu matrimônio com Jacqueline Kennedy, quando declarou: “Não me disse nada sobre o seu matrimônio. Depois de nove anos juntos, é cruel. Mas juro que o pagará, todos os dois”
Após se envolver com o cineasta e escritor Pasolini, um amor impossível, buscou reparo e serenidade em uma história de amor com o seu colega Giuseppe Di Stefano, o tenor com o qual dividiu os últimos palcos de sua carreira. Depois o deixou.
[4] Giulio Andreotti foi um político, escritor e jornalista italiano. Um dos principais expoentes da Democracia Cristã, protagonista da vida política italiana por toda a metade do século XX.
[5] Rádio Televisão Italiana
[6] Matteo Renzi é um político italiano. Presidente do Conselho dos Ministros da Republica Italiana desde 22 de fevereiro de 2014 e secretário do Partido Democrático eleito nas eleições primárias de 8 de dezembro de 2013.
[7] Partido Comunista Italiano
[8] Teatro Alemão que ficou conhecido pela qualidade de suas apresentações. Ganhou notoriedade por ter sido administrado por Bertold Brecht
[9] Jacques Lecoq – Ator teatral, mímico e pedagogo francês. Fundador da Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq, é considerado um dos mais significativos pensadores do teatro contemporâneo, conhecido por seus estudos sobre o teatro físico, pela recuperação da máscara e do coro gregos e dos ensinamentos da Commedia dell’Arte.
[10] sfangone


domingo, 23 de agosto de 2015

SEGUNDO SEMESTRE DE 2015 E O CÍRCULO VEM À TODA!

O CÍRCULO ARTÍSTICO TEODORA inicia o segundo semestre de 2015 com força total!

Estamos com as inscrições abertas para duas oficinas muito legais que serão realizadas em nosso espaço no Campeche/Florianópolis. Ambas as oficinas serão ministradas pelos especialistas italianos MASSIMILIANO BULDRINI e PAULA CIANFAGNA, aproveitando mais esta passagem deles pelas nossas terras:

1. OFICINA IMERSIVA AVANÇADA DE COMMEDIA DELL'ARTE


Aproveitando o feriado de 7 de setembro, estamos oferecendo esta proposta de imersão em comédia.

Nesta segunda edição estaremos priorizando a participação de atores que já possuam alguma experiência com comédia.
Os ministrantes recém chegaram de um período de estudos e aperfeiçoamento na Itália e trouxeram novidades fresquinhas sobre este gênero teatral único e estão prontos para compartilhá-las com você!

O espaço oferece hospedagem por um valor muito conveniente para quem decidir permanecer no local durante a oficina, mediante confirmação prévia.

As vagas são limitadas!

Quem se inscrever até o dia 29 de Agosto ganha um seper desconto no valor total do curso.

IMPERDÍVEL!






2. OFICINA DE VOZ



Com duração de três meses, iniciando em 2 de setembro, com aulas todas as quartas-feiras, das 20 às 22h

Direcionada principalmente para atores, cantores, narradores orais, professores e pessoas que trabalham com a voz ou precisam falar em público.
A oficnina proporcionará aos seus participantes as ferramentas necessárias para que eles possam desenvolver uma maior consciência vocal através de um trabalho de escuta e percepção do próprio corpo, a partir da superfície da pele até os ossos. Focando a atenção também sobre a respiração em suas diferentes formas.
Através de músicas de diferentes regiões, faremos uma viagem até os ressonadores e do consonadores do próprio corpo, experienciando técnicas vocais diversificadas.

Vagas limitadas!





Confira a experiência dos ministrantes:


Massimiliano Buldrini - ator, diretor e músico, diplomado em teatro pela Accademia 96 de Bolonha, formado em Antropologia Teatral pelo DAMS (Universidade de Bolonha) com tese sobre o "Canto Harmônico ". Pesquisador vocal com a orientação de Germana Giannini aperfeiçoa o canto harmônico com Tran Quang Hai e Andrea De Luca; aprofunda a pesquisa vocal com Kaya Anderson, Pascale Ben e Linda Wise (Roy Hart Theatre). Desde 2012, segue um caminho individual com Matteo Belli e colabora com Paula Noelia Cianfagna com a qual participou, em 2015, de uma residência de quatro meses no Roy Hart Theatre em Malérargues na França. Estuda Commedia dell'Arte com Michele Modesto Casarin, Michele Monetta, Lina Salvatore, Claudia Contin e Claudio Boso, trabalhou com a Pantakin da Venezia e ministra oficinas de Commedia dell'Arte, teatro e voz na Italia, no Brasil e outros países.


Paula Noelia Cianfagna - atriz e diretora, desde a infância segue caminhos da arte, dança, música e teatro, aprofundando ao longo dos anos diferentes estilos em diferentes países. Encontra-se com o teatro cômico em 2006 e em 2011 começa, com Massimiliano Buldrini, sua pesquisa sobre voz e canto harmônico, enriquecida graças aos encontros com mestres como Andrea De Luca, Luca Fattori e Matteo Belli (Itália), Germana Giannini (Sevilha - Espanha), Angela Finardi e Juliana Rangel Freitas Pereira (Universidade de Joinville e Ceará - Brasil). Em 2015 participa de uma residência de quatro meses no Roy Hart Theatre em Malérargues na França seguindo um caminho pessoal com Kaya Anderson e trabalhando com vários professores, incluindo Linda Wise e Ian Magilton. Estuda Commedia dell'Arte com Marta Dalla Via, Massimiliano Buldrini, Michele Monetta, Lina Salvatore, Claudia Contin e Claudio Boso. Desde 2012, colabora com Massimiliano Buldrini em projetos de Commedia dell'Arte, voz e teatro na Itália, no Brasil e outros países.



Confira a página da PROGRAMAÇÃO, neste blog, para ver todas as atividades que estamos oferecendo para o próximo semestre!

Maiores informações pelo nosso e-mail; circuloartisticoteodora@hotmail.com ou pelo telefone (48) 9113-1002

sábado, 22 de agosto de 2015

O TEATRO SOCIAL

O Teatro Social, como é conhecido na Itália, equivale ao Teatro Educação no Brasil, seria o Teatro utilizado para fins pedagógicos, em escolas, presídios, instituições de saúde, comunidades etc.

Este artigo foi escrito pelo Professor Doutor Claudio Bernardi, pesquisador de Disciplinas Teatrais e do Espetáculo na Università Cattolica di Milano e coordenador da área Teatral e professor de História do Teatro e Antropologia Teatral na Università Cattolica di Brescia. Também ensina Dramaturgia, Ritos, Mitos e Simbolos das Organizações.
A tradução é de Claudia Venturi.

O Teatro Social

Texto de  Claudio Bernardi

Tradução de Claudia Venturi


Na nova teatrologia o Teatro social é a arte dos corpos que aspira ao bem estar das pessoas, dos grupos, das comunidades. Procura unir o cuidado e o bem estar da pessoa, no qual se sobressaem muitos saberes como a medicina, a psicologia, a arte terapia, o tratamento e o bem estar de coletivos, entre os quais se distinguem a política, o mundo do espetáculo, as ciências sociais.

O Teatro Social como meio, “veículo” melhor diria Grotowski, subordina a estética à ética. Revira o processo criativo através do qual não é a vida pela arte, mas a arte pela vida. Diz respeito a todos os seres humanos, não apenas aos profissionais do espetáculo.

O Teatro Social nasceu e se desenvolveu no âmbito do desconforto e do mau estar: não conta e não representa dramas e histórias de deficientes, detentos, doentes mentais, estrangeiros, periferias abandonadas, idosos, refugiados, mulheres com disturbios alimentares, “casos humanos” e tragédias de vários tipos. Nesta modalidade, o teatro da representação e a ficção em geral são insuperáveis, mas infelizmente pouco eficazes no quesito diminuir o mau estar e no retornar, ao menos, um pouco de bem estar para as pessoas em situação de sofrimento¹. O teatro da representação, o teatro de arte, é insuperável do ponto de vista do diagnóstico, mas não funciona como cura, porque se dirige à mente e não ao corpo-mente, ao espectador e não ao ator, ao agente que cada um de nós é.
Por este motivo Marco De Marinis define “O Teatro do outro”, como o Teatro Social, o teatro da ação².
Por isto os protagonistas, os atores do Teatro Social, são diretamente aqueles cujo corpo é negado, cujas relações são falidas, cujo ambiente de vida é um monte de destroços. Consequentemente, o Teatro Social não é ir ao teatro, mas possibilitar o fazer Teatro por todos. E os profissionais do setor não são os atores, o diretor, o dramaturgo, o cenógrafo etc., mas o operador teatral, o condutor, o dramaturgo social, os facilitadores de um processo criativo extraquotidiano para criar ou recriar uma vida menos trágica e mais cômica.
"...o homem é um animal social, político, cultural: sem o outro, sem os outros não pode viver e subsistir, Dependemos dos outros. Mas nós não imitamos todos os outros. Imitamos aqueles que são objeto de nosso desejo, as pessoas que amamos e admiramos, por isso queremos ter e ser aquilo que eles têm e são."
É importante exclarecer, de fato, que no teatro da ação, cuja forma mais alta é a arte performativa, frequentemente o trabalho com pessoas normais ou em situação de desconforto não direciona propriamente para uma cura e para o bem estar dos participantes e dos seus ambientes de vida e, sobretudo, para as suas relações, mas para a qualidade estética, em sentido mais amplo, da performance³. Também neste momento, no passar do mundo da representação ao mundo das situações e das experiências reais processadas pelos artistas performativos, nos encontramos de frente a uma formidável prática social dos mecanismos e dos dispositivos “estéticos” e comportamentais que condicionam, regulam e frequentemente oprimem a nossa existência e a vida social, ou seja, a biopolítica. Permanece excluída, ou ao menos não explicitada e sobretudo concretizada, a cura, a forma de vida quotidiana para empreender, pela emancipação e pela relação positiva para “inventar” com os outros.”
As razões da reviravolta copernicana pela qual todo o mundo faz teatro e o teatro social trata este mundo quando ele está “fora dos eixos”, como escreve Shakespeare em Hamlet (1º ato, cena V), são principalmente dois;
A primeira é que o homem é um animal mimetico, aprende, faz, diz, deseja, procura ser aquilo que os outros fazem, dizem, desejam.
A segunda, que o homem é um animal social, político, cultural: sem o outro, sem os outros não pode viver e subsistir, Dependemos dos outros. Mas nós não imitamos todos os outros. Imitamos aqueles que são objeto de nosso desejo, as pessoas que amamos e admiramos, por isso queremos ter e ser aquilo que eles têm e são. Este é o desejo mimético que é o motor da vida humana e cujo êxito erótico, quando se atinge, é cômico. Quando, ao contrário, esse êxito é negativo pelo qual o desejo de uns entra em conflito com o desejo dos outros, conduz ao eros da destruição.
É este o principal problema da humanidade: como viver junto sem nos fazermos mal, nos fazendo o bem?
O desconforto pessoal e social depende em substancia de um círculo vicioso de más repressentações, de ações ruins e de péssimas relações. Cada sociedade, e desse modo não apenas o teatro social, para atingir o bem-estar das pessoas, dos grupos, da coletividade deve trabalhar em todas as três frentes de representações, das ações e das relações até as pesquisas do círculo vicioso da alimentação simbólica da humanidade. Estas três frentes se associam habitualmente aos três pilares da cultura humana: o teatro, como auge das representações; a performance, como vértice da ação; a festa, como máxima expressão de uma coletividade em estado de graça.
O Teatro Social, em qualquer situação para a qual venha chamado, procura colocar em ação este círculo virtuoso através da combinação articulada de oficinas (para a ação), espectadores (para a representação), eventos (para as relações na ritualidade quotidiana e festiva). Em resumo: O que faremos?, Faremos como quem? Faremos como se...
O processo criativo do Teatro Social é um design de vida, que parte de uma acurada análise dos problemas e dos recursos, das representações, das ações e dos rituais das pessoas, grupos, comunidades para criar representações, ações, relações, capazes, após a intervenção do Teatro Social, em um projeto contínuo de transformação positiva das pessoas e dos ambientes de vida (familia, amigos, trabalho, tempos, espaços, escola, bairro, país, natureza etc).

"...os protagonistas, os atores do Teatro Social, são diretamente aqueles cujo corpo é negado, cujas relações são falidas, cujo ambiente de vida é um monte de destroços. Consequentemente, o Teatro Social não é ir ao teatro, mas possibilitar o fazer Teatro por todos."

¹Piergiorgio Giacché, Censire il teatro: il valore delle eccezioni, in Teatro e disagio. Primo censimento nazionale di gruppi e compagnie che svolgono attività con soggetti svantaggiati/disagiati, Arti Grafiche Stibu, Urbania 2003 (Recensear o Teatro: o valor das excessões, em Teatro e desabilidade. Primeiro recenseamento nacional de grupos e companhias que desenvolvem atividades com sujeitos em desavantajados/deficientes), a p. 15, distingue bem as duas diferentes aproximações do Teatro Artístico e do Teatro Social: existem “mais possibilidades e modos diferentes de entendeer e desenvolver a relação entre Teatro e desabilidade (ou melhor, entre o teatro e o serviço social e terapêutico relativo à desabilidade)”. Vai-se “de grupos ou experiências de teatro que experimentam o encontro com a desabilidade rigorosamente ao interno da própria poética e dos próprios fins de pesquisa artística, a grupos ou iniciativas sempre de teatro (e gestidos e dirigidos por teatrantes) que se colocam a serviço de estruturas, entidades e associações que trabalham com a desabilidade. (quando, em italiano, se faz referência à desabilidade não se trata apenas de deficiência física mas também aquela química, social, educacional ou de outros tipos de situações)
Esta é uma diferença essencial, a que passa entre uma experimentação teatral que persegue fins rigorosamente artísticos (e que chega a conquistar sujeitos ou a realizar projetos que definitivamente dizem respeito ou envolvem sujeitos com deficiência ou particulares), e a proposta de um teatro que nasce com o objetivo declarado de explorar e se tornar útil a sujeitos com desabilidade. Sujeitos que, de certa forma, permanecem como ‘usuários’ até mesmo quando se tornam ‘atores’ do próprio projeto teatral.”
Obviamente para Giacché o Teatro é só aquele de arte e profissional, por isso considera absolutamente in-sensato o Teatro Social, para o qual o teatro é um meio e não um fim. “Ora, se é verdade (como muitas vezes tive a oportunidade de dizer) que a submissão completa à função social reduz ou anula o sentido e a autonomia do teatro enquanto arte, é também verdade que um recenseamento que explore também esse lado último e in-sensato da relação entre Teatro e Desabilidade, seja, por fim, também útil: não é sem interesse, até para quem faz e produz teatro de forma profissional.” (ivi, p. 16).
² Marco De Marinis, Il teatro dell’altro, (O teatro do outro) La Casa Usher, Firenze 2011, p. 177. “O teatro é ação, agir (basicamente) físico”.

³ Shannon Jackson, Social works. Performing Art, Supporting Publics, Routledge, New York-London 2011.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

SAUDADES DO BOAL

Augusto Boal foi diretor de teatrodramaturgo ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Fundador do Teatro do Oprimido, que alia o teatro à ação social, suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, de maneira notável nas três últimas décadas do século XX, sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educaçãosaúde mental e no sistema prisional. Faleceu em 2 de maio de 2009, com 78 anos.



Ler Boal é importante, mas ouví-lo falar era uma experiência realmente gratificante! Curiosamente tive muitas oportunidades para conhecê-lo durante o meu período de estudos na europa, onde as suas teorias são bem reconhecidas e valorizadas, mais do que no Brasil. Ainda tive sorte de ter acesso ao autor logo no início de minha carreira pois minha primeira professora de Teatro e colega até os dias de hoje, a também atriz fundadora do Círculo Artístico Teodora, Margarida Baird, era admiradora de Boal, com quem havia trabalhado no Teatro de Arena do rio de Janeiro.

Chico Buarque, escreveu uma carta em forma de música - uma carta musicada em homenagem a Boal, que vivia no exílio em Lisboa, quando o Brasil estava sob a ditadura militar. A canção Meu Caro Amigo, dirigida a ele, foi gravada originalmente no disco Meus Caros Amigos 1976.

Em 2008 Augusto Boal foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz  em virtude de seu trabalho com o Teatro do Oprimido.

O artigo de hoje foi escrito por Emir Sader e publicado em blogdaboitempo.com.br em 06/11/2013.
Boa leitura!

Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

SAUDADES DO BOAL

O Boal foi das pessoas mais humanas que já conheci. Seus gestos, sua forma de agitar as mãos enquanto falava, sua vontade gigantesca de fazer entender suas verdades – era um pedagogo, um homem-ideias, um pregador, um humanista, no sentido mais amplo da palavra.
Ao longo de toda a minha vida, uma série de coisas importantes que fui assimilando, de repente me pergunto de onde chegaram a mim, e me dou conta que vieram do Boal. Nas peças do Teatro de Arena, nas suas palestras, nos seus cursos, nos seus textos que se mimeografavam naquela época.
Conhecíamos o teatro nas suas convencionais. Minha peça foi Pega Fogo, a que meus pais me levaram, no TBC, com espetacular interpretação da Cacilda Becker. Não foi fácil encarar a pequena arena do Teatro de Arena, suas encenações despojadas, mescladas com musicas do Edu Lobo, do Carlos Lira, e peças como A mandrágora ou as do ciclo Arena conta.
Um grande crítico teatral da época (Décio de Almeida Prado, a quem eu devo meu primeiro emprego como professor porque, se aposentando, me passou o cargo de professor de filosofia do curso noturno do Colégio Alberto Conte, em Santo Amaro, mesmo eu estando ainda no segundo ano do curso e filosofia na USP), fez um texto muito crítico dos estilos do ‘Arena’ e do ‘Oficina’, do Zé Celso. Termina dizendo: “Sound and fury: serão estes os novos ideias do teatro brasileiro.” Era a resistência dos critérios tradicionais – que o próprio Décio flexibilizou depois, para valorizar essas novas expressões teatrais – a tudo de inovador que aparecia.
Não era estranho então que até jovens resistiram no começo àquele novo estilo. Que nos chegava perto, nos arrebatava, junto com a palavra do Boal, um personagem encantador, irresistível, pela simplicidade brechtiana com que nos fazia chegar a verdades transcendentais.
Boal, Paulo Freire e Darcy Ribeiro são provavelmente os melhores pedagogos que o Brasil já teve.
A republicação do Teatro do oprimido e outras poéticas políticas é uma boa oportunidade para reatualizar as teses, a figura e a trajetória de Augusto Boal, um dos maiores homens de cultura que o Brasil já teve.
O livro recolhe alguns dos textos teóricos mais importantes da obra do Boal. Textos teóricos que, para ele, quer dizer recheados de experiências culturais, politicas, sociais. Quer dizer, apelo aos grandes teóricos do teatro ao longo do tempo, desde Aristóteles e do teatro grego, passando por Maquiavel e Sheakespeare, até chegar a Brecht e ao Teatro do oprimido.
No livro encontrei um dos textos que fizeram parte da minha formação, de que eu tinha um exemplar mimeografado, que pude manter até quando o DOI-CODI irrompeu na minha casa e levou toda a minha biblioteca. Mas ficaram na minha cabeça muitas coisas daquele texto, escrito em 1962 – “Maquiavel e a poética da virtú” – que vai do teatro grego, passando pelo medieval, pelo teatro burguês até chegar à contemporaneidade.
Esse texto se complementa, no livro com um outro: “Hegel e Brecht: personagem-sujeito ou personagem-objeto?”. Ambos valem como um apanhado teórico forte, coerente, crítico propositivo, que fundamenta as criações teatrais e políticas do Boal.
Na verdade, mais além da riqueza de tudo o que se lê ou relê no livro, dá uma imensa saudade do Boal, insubstituível, único, querido e admirado. 
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E uma homenagem de artistas a Augusto Boal, "Meu caro amigo"

e homenagem da Funarte


Fontes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_Boal
http://blogdaboitempo.com.br/2013/11/06/saudades-do-boal/

Organizado por Claudia Venturi

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

PARA QUE SERVE O TEATRO?


Thomas Ostermeier nasceu em 1968, é dramaturgo e diretor teatral alemão. Atualmente é diretor artístico da Schaubühne de Berlim. Trabalha principalmente com textos de autores contemporâneos como Nicky Arento, David Harrower, Alexei Chipenko e Enda Walsh.


"Para o diretor do Schaubühne de Berlim, não há teatro sem investimento público e sem ancoradouro na sociedade. No artigo, ele analisa as condições “materiais e espirituais” de uma renovação do teatro, que sofre não só com a austeridade, mas também com sua própria tendência de se deixar levar pela ideologia dominante. "

(artigo extraído do Blog Oficial do Instituto Augusto Boal, publicado em 2013. Link no final da matéria)

PARA QUE SERVE O TEATRO? 
Por Thomas Ostemeier
Nas pretensas democracias ocidentais, a garantia do interesse geral obriga o Estado a aumentar impostos, cujo produto será redestinado a diversas instituições de acordo com o que elas consideram justo ou indispensável. Que me perdoem a banalidade deste preâmbulo, mas parece importante lembrar como a noção de missão pública se inscreve no próprio cerne das nossas sociedades, a fim de permitir aos indivíduos e aos grupos sociais… o quê exatamente? Ser feliz? Fazer sucesso? Aprender? Abrir-se para outras ideias, outras pessoas, outros coletivos?
A marcha triunfal do neoliberalismo, iniciada em Chicago nos anos 1970 e acelerada pela queda do “socialismo real”, traduziu-se na desregulamentação dos mercados financeiros, mas também na privatização de serviços e de instituições que dependiam, até então, da esfera pública. Essa mudança de paradigma não é estranha à perda de legitimidade do teatro durante o mesmo período. Grande parte da esquerda da Europa ocidental, tradicionalmente cética em relação às instituições, para não dizer anti-estadismo, encontra-se, então, na dolorosa obrigação de defender o Estado contra a ofensiva dos novos discípulos do mercado.
Quanto a mim, sonho com uma sociedade livre do jugo da propriedade privada, na qual os bens e as riquezas pertençam igualitariamente a cada um dos seus membros. Infelizmente, estamos muito longe dessa utopia. E o que é pior, a ideologia do mercado faz a suspeita de totalitarismo recair sobre qualquer reflexão a respeito desse assunto. Até mesmo o princípio de uma redistribuição parcial das riquezas, estabelecida pela burguesia conquistadora nos séculos XVIII e XIX, encontra-se doravante em risco.
"Na época, a burguesia considerava o Estado como a expressão de sua força material e espiritual. Atualmente, ela só o vê como obstáculo à sua prosperidade. Os estabelecimentos culturais com financiamentos públicos, que outrora provocavam a arrogância das elites, perderam na mesma ocasião uma boa parte da sua legitimidade."
Pouco tempo após a criação do Reich, em 1870-1871, durante o período conhecido como “dos fundadores”, teve origem – ou pelo menos foi institucionalizado, portanto, delegado à responsabilidade do poder público – tudo o que está hoje gravemente ameaçado: os transportes públicos, as escolas, as universidades, as bibliotecas, os parques etc. Na época, a burguesia considerava o Estado como a expressão de sua força material e espiritual. Atualmente, ela só o vê como obstáculo à sua prosperidade. Os estabelecimentos culturais com financiamentos públicos, que outrora provocavam a arrogância das elites, perderam na mesma ocasião uma boa parte da sua legitimidade.
Na Alemanha, desde 1992, dezoito teatros tiveram de fechar as suas portas ou fundir-se. Diferentemente do que se faz na França, o financiamento da cultura pertence exclusivamente aos Länders [estados]e às municipalidades. Apesar de Berlim se vangloriar de ser um paraíso para jovens artistas, o seu orçamento para a cultura não excede 2% dos gastos públicos. Se considerarmos que a parte do teatro, inclusive a ópera, representa apenas 1,1% do orçamento (deste, 0,7% somente para o teatro), os debates sobre cortes orçamentais suplementares parecem extravagantes. As proporções não são mais gloriosas em Hamburgo, segunda cidade do país: 2,1% para a cultura, 0,9% para o teatro e a ópera. Uma rápida olhada na situação francesa indica que, em 2013, os gastos públicos previstos para a cultura estão a ser reduzidos em 4,3% em relação ao ano anterior.
Por uma outra história da sociedade
A burguesia lançou ao mar a ideia fundadora de uma representação de si mesma orientada para algo diferente da avidez pelo ganho, enquanto o ceticismo visceral – e com frequência justificado – das classes populares contra esses “templos burgueses” encontra-se em uníssono sem recursos. Há um ano e meio, um motorista de táxi de Amsterdam, ao saber que trabalho no teatro, disse-me sarcasticamente: “Now it’s payback time!” (É a hora da revanche!). O novo governo acabava de iniciar uma operação de desertificação inédita na paisagem cultural holandesa.
É esse o clima que se propaga, hoje, na Europa. Percetível em graus variados em todo o continente, o desmantelamento da cultura aumentou também na Itália e, sobretudo, na Hungria, onde o anti-intelectualismo da classe dirigente, misturado a palavras de ordem abertamente antissemitas e homofóbicas, levou à substituição do diretor do Teatro Nacional de Budapeste por um mercenário do Fidesz, partido da direita nacionalista.
A esse fenómeno, soma-se outro, que gangrena o teatro há uns dez anos. Sob o pretexto de estimular as estruturas independentes, os protagonistas desse meio insurgem-se uns contra os outros. Os fomentadores do teatro livre, ou off,clamam de todas as maneiras que fariam um melhor uso das somas devoradas pelas instituições públicas, fazendo, assim, sem dúvida a contragosto, uma apologia do espírito da época: nós lhes oferecemos mais arte por menos dinheiro. Não é de espantar que essa retórica fratricida encontre um eco crescente junto a conselhos municipais e dirigentes culturais. Efetivamente, o “teatro livre” apresenta uma dupla vantagem: o seu nome atraente evoca a juventude, a não submissão e o romantismo, ao mesmo tempo que se presta a financiamentos de uma extraordinária flexibilidade. Na verdade, nada impede os que tomam decisões políticas de anularem as suas subvenções ou de se voltarem para outros artistas.
Essa flexibilidade obriga cada projeto a ter êxito imediato, sem o qual os seus autores correm o risco de se ver novamente na miséria. Ela impede ao mesmo tempo as companhias e os dramaturgos de inscreverem a sua evolução artística durante a temporada. Para equilibrar o seu orçamento, os artistas ditos “livres” devem sempre correr atrás de “bicos”, em detrimento da sua investigação. E as diversas profissões do palco (cenógrafos, coreógrafos, maquilhadores, pintores etc.) estão ameaçadas de desaparecer.
Os artistas devem enfrentar um enorme desafio: dar, ano após ano, geração após geração, um novo sentido ao teatro institucional. Muitos autores não avaliam a sua chance de dispor de lugares subvencionados. Como eu, a maior parte está impregnada de uma cultura de hostilidade às instituições e observa com desconfiança esses grandes palcos de prestígio, nos quais a vaidade burguesa se pavoneou durante tanto tempo. No entanto, eles oferecem-nos possibilidades de trabalho e meios de produção incomparáveis para contar uma outra história da sociedade.
Certamente, continuamos a ser os palhaços modernos de uma elite que aceita que zombemos dela a fim de desfrutar o privilégio de parecer tolerante e capaz de rir de si mesma. Abandonar esses lugares significaria, no entanto, cortarmos as nossas asas e facilitarmos a tarefa daqueles que sonham tirar-nos o pão da boca. Após 2008, um grande número de empresas nos Estados Unidos retirou o patrocínio, muito influente, da cultura norte-americana. Os atores pagaram caro por isso.
Além das condições materiais degradadas, vivemos uma crise estética, assim como uma crise dos conteúdos. Nos últimos anos, a criação teatral aderiu naturalmente às teorias nem sempre luminosas sobre a pós-dramaturgia e a “performance”. Curiosamente, as formas inovadoras que surgiram nos anos 1970 e 1980 continuam a orientar o credo estético de um grande número de teatros públicos e festivais, ainda que nesse assunto os imitadores estejam longe de se igualar aos seus modelos. Os ingredientes dessa vanguarda insonsa compõem uma papa cênica que passa por modelo do teatro moderno.
A poetologia desse teatro baseia-se na ideia de que a ação dramática não é mais da nossa época; que o homem não poderia compreender-se como mestre das suas ações; que existem tantas verdades subjetivas quanto o número de espectadores presentes; que os acontecimentos representados no palco não exprimem nenhuma verdade válida para todos; que a nossa experiência fragmentada do mundo somente encontra a sua tradução num teatro fracionado, em que os gêneros se justaponham: corpo, dança, fotos, vídeos, música, palavra… Essa imbricação sensorial assegura ao espectador que este mundo caótico permanecerá para sempre indecifrável e que não há espaço para procurar ligações de causalidade ou culpados.
Como o seu homólogo socialista, esse “realismo capitalista” estetiza uma ideologia vitoriosa, e não é menos perentório que ela. Num mundo dominado pela doutrina neoliberal, nada poderia dar mais prazer aos seus beneficiários que estes pressupostos: ninguém é responsável por nada, e a complexidade do mundo torna ilusória toda tentativa de circunscrever os seus mecanismos.
Evidentemente, nem todos os representantes do teatro pós-dramático aderem a essa visão. O trabalho de algumas figuras do teatro documentário, como o do coletivo alemão Rimini Protokoll1 ou o do dramaturgo suíço Milo Rau, que muitas vezes beira o jornalismo, parece mais esclarecedor que a maior parte das peças montadas habitualmente. O seu sucesso ilustra, à sua maneira, a crise do teatro tradicional, que, ao se concentrar no repertório clássico, se desconectou da realidade. Pouco preocupado em fornecer ao público um mínimo de reflexo da sua vida cotidiana, o estetismo clássico fixou-se há trinta anos numa piedosa reverência ao passado.
No meio desse círculo fechado, ou dessa espiral descendente, o pacto que liga o teatro às disputas políticas e sociais do seu tempo decompõe-se inexoravelmente. Mesmo que o jogo se ressinta disso, os atores vão buscar as suas emoções nos grandes antigos mais do que na sua própria carne. Consequentemente, especialistas da vida cotidiana mostram-se mais inspirados para testemunhar o estado do mundo do que os atores clássicos, de quem no entanto é a função.
Aí está o nó da crise. Para sair dela, o teatro deveria pensar em fornecer aos seus atores uma formação inicial e contínua. Dramaturgo no Berliner Ensemble, Bertolt Brecht pedia aos seus atores que se confrontassem com o real, que assistissem a audiências judiciárias, que adentrassem nas fábricas para compreender, com conhecimento de causa, o comportamento dos seus contemporâneos. Faço o mesmo com os meus, convidando-os a se inspirar na sua própria biografia e nas suas observações cotidianas.
"Como a obrigação de ter êxito afeta as nossas emoções, os nossos sentimentos, os nossos desejos?"
Que efeitos o temor de ser relegado socialmente produz nos semelhantes? Como a obrigação de ter êxito afeta as nossas emoções, os nossos sentimentos, os nossos desejos? Em que medida a nossa vida privada se submete ao ditame da performance? Quantos futuros se quebram pela condição social do assalariado flexível? Por que dispomos de um vocabulário altamente refinado para analisar as nossas relações conjugais, amorosas ou sexuais, enquanto tão cruelmente nos faltam palavras para descrever o nosso fracasso político (“sistema deteriorado”)? Por que gostamos de alardear uma psicologia de boteco? Por que não tratamos com a mesma paixão desgastes sociais que se espalham há uns vinte anos, apesar de terem graves consequências no nosso corpo e no nosso espírito – horários de trabalho extensíveis, quantificação do cotidiano, obrigação de permanecer disponível para contacto permanentemente, mensagens profissionais recebidas por e-mail até tarde da noite, identificação total com a empresa que me emprega, como se eu fosse casado com ela? Vemos que essas realidades penetram até nos ossos das pessoas com quem cruzamos. Como explicar de outra maneira a recrudescência de artigos da imprensa sobre as doenças do trabalho, o stress, a depressão, a síndrome de esgotamento profissional? A infiltração do pensamento econômico nos mais ínfimos vasos capilares da sociedade moderna deforma o nosso corpo, desfigura os nossos afetos.

Santuário habitado por uma força regeneradora
É disso que o teatro deveria falar. É isso que poderíamos representar no palco, e com talento, por menos que alimentássemos a nossa imaginação com a fonte que se acha bem à nossa volta e que nos nutre. Em minha opinião, o teatro ideal guarda a promessa secreta de abordar todos esses assuntos.
Por seu financiamento público, o teatro institucional escapa ainda da lógica da competitividade, mesmo que seja verdade que as considerações de rentabilidade estejam a ganhar terreno. Talvez a sociedade retomasse um pouco da confiança em si, se ela encontrasse alguns palhaços bem ousados para lhe apresentar um espelho, recolocá-la em questão, rir dela sem parar.
O teatro poderia ser assim: um santuário habitado por uma força regeneradora, quando as indústrias dedicadas à narração do mundo estiverem atormentadas por uma exigência de rentabilidade proporcional à sua falta de liberdade – basta ligar a televisão para se convencer disso. A frustração suscitada por mídias cada vez menos independentes explica, em parte, por que tanta gente, principalmente jovens, corre para o Schaubühne com a convicção de encontrar ali um lugar onde ainda se pode atuar e pensar livremente. Um lugar onde se podem ver no palco as distorções corporais de pessoas especialistas em flexibilidade.
Ao que se soma que, no teatro, tudo se desenvolve no momento: é impossível fazer várias tomadas ou modificar a montagem como no cinema. É aqui e agora que o ator experimenta o seu papel e que o espectador, como especialista de sua própria perceção, decide se quer mesmo envolver-se no jogo. Em nossa existência superdigitalizada, em que o real é mantido a distância por uma tela de duas dimensões, a missão e o desafio do teatro resumem-se a este momento raro em que uma ação virtual reúne toda a realidade do mundo.
Instituto Augusto Boal - http://institutoaugustoboal.org/
http://institutoaugustoboal.org/2013/05/06/para-que-serve-o-teatro/
Edição Claudia Venturi