O Teatro Social, como é conhecido na Itália, equivale ao Teatro Educação no Brasil, seria o Teatro utilizado para fins pedagógicos, em escolas, presídios, instituições de saúde, comunidades etc.
Este artigo foi escrito pelo Professor Doutor Claudio Bernardi, pesquisador de Disciplinas Teatrais e do Espetáculo na Università Cattolica di Milano e coordenador da área Teatral e professor de História do Teatro e Antropologia Teatral na Università Cattolica di Brescia. Também ensina Dramaturgia, Ritos, Mitos e Simbolos das Organizações.
A tradução é de Claudia Venturi.
O Teatro Social
Texto de Claudio Bernardi
Tradução de Claudia Venturi
Na nova teatrologia o Teatro social é a arte dos corpos que aspira ao bem estar das pessoas, dos grupos, das comunidades. Procura unir o cuidado e o bem estar da pessoa, no qual se sobressaem muitos saberes como a medicina, a psicologia, a arte terapia, o tratamento e o bem estar de coletivos, entre os quais se distinguem a política, o mundo do espetáculo, as ciências sociais.
O Teatro Social
como meio, “veículo” melhor diria Grotowski, subordina a estética à ética.
Revira o processo criativo através do qual não é a vida pela arte, mas a arte
pela vida. Diz respeito a todos os seres humanos, não apenas aos profissionais
do espetáculo.
O Teatro Social
nasceu e se desenvolveu no âmbito do desconforto e do mau estar: não conta e não
representa dramas e histórias de deficientes, detentos, doentes mentais,
estrangeiros, periferias abandonadas, idosos, refugiados, mulheres com
disturbios alimentares, “casos humanos” e tragédias de vários tipos. Nesta
modalidade, o teatro da representação e a ficção em geral são insuperáveis, mas
infelizmente pouco eficazes no quesito diminuir o mau estar e no retornar, ao
menos, um pouco de bem estar para as pessoas em situação de sofrimento¹. O
teatro da representação, o teatro de arte, é insuperável do ponto de vista do
diagnóstico, mas não funciona como cura, porque se dirige à mente e não ao
corpo-mente, ao espectador e não ao ator, ao agente que cada um de nós é.
Por este motivo
Marco De Marinis define “O Teatro do outro”, como o Teatro Social, o teatro da
ação².
Por isto os
protagonistas, os atores do Teatro Social, são diretamente aqueles cujo corpo é
negado, cujas relações são falidas, cujo ambiente de vida é um monte de
destroços. Consequentemente, o Teatro Social não é ir ao teatro, mas
possibilitar o fazer Teatro por todos. E os profissionais do setor não são os
atores, o diretor, o dramaturgo, o cenógrafo etc., mas o operador teatral, o
condutor, o dramaturgo social, os facilitadores de um processo criativo
extraquotidiano para criar ou recriar uma vida menos trágica e mais cômica.
"...o homem é um animal social, político, cultural: sem o outro, sem os outros não pode viver e subsistir, Dependemos dos outros. Mas nós não imitamos todos os outros. Imitamos aqueles que são objeto de nosso desejo, as pessoas que amamos e admiramos, por isso queremos ter e ser aquilo que eles têm e são."
É importante exclarecer,
de fato, que no teatro da ação, cuja forma mais alta é a arte performativa,
frequentemente o trabalho com pessoas normais ou em situação de desconforto não
direciona propriamente para uma cura e para o bem estar dos participantes e dos
seus ambientes de vida e, sobretudo, para as suas relações, mas para a
qualidade estética, em sentido mais amplo, da performance³. Também neste
momento, no passar do mundo da representação ao mundo das situações e das
experiências reais processadas pelos artistas performativos, nos encontramos de
frente a uma formidável prática social dos mecanismos e dos dispositivos
“estéticos” e comportamentais que condicionam, regulam e frequentemente oprimem
a nossa existência e a vida social, ou seja, a biopolítica. Permanece excluída,
ou ao menos não explicitada e sobretudo concretizada, a cura, a forma de vida
quotidiana para empreender, pela emancipação e pela relação positiva para
“inventar” com os outros.”
As razões da
reviravolta copernicana pela qual todo o mundo faz teatro e o teatro social
trata este mundo quando ele está “fora dos eixos”, como escreve Shakespeare em
Hamlet (1º ato, cena V), são principalmente dois;
A primeira é que o
homem é um animal mimetico, aprende, faz, diz, deseja, procura ser aquilo que
os outros fazem, dizem, desejam.
A segunda, que o
homem é um animal social, político, cultural: sem o outro, sem os outros não
pode viver e subsistir, Dependemos dos outros. Mas nós não imitamos todos os
outros. Imitamos aqueles que são objeto de nosso desejo, as pessoas que amamos
e admiramos, por isso queremos ter e ser aquilo que eles têm e são. Este é o
desejo mimético que é o motor da vida humana e cujo êxito erótico,
quando se atinge, é cômico. Quando, ao contrário, esse êxito é negativo pelo
qual o desejo de uns entra em conflito com o desejo dos outros, conduz ao eros
da destruição.
É este o principal
problema da humanidade: como viver junto sem nos fazermos mal, nos fazendo o
bem?
O desconforto
pessoal e social depende em substancia de um círculo vicioso de más
repressentações, de ações ruins e de péssimas relações. Cada sociedade, e desse
modo não apenas o teatro social, para atingir o bem-estar das pessoas, dos
grupos, da coletividade deve trabalhar em todas as três frentes de representações,
das ações e das relações até as pesquisas do círculo vicioso da alimentação
simbólica da humanidade. Estas três frentes se associam habitualmente aos três
pilares da cultura humana: o teatro, como auge das representações; a
performance, como vértice da ação; a festa, como máxima expressão de uma
coletividade em estado de graça.
O Teatro Social, em
qualquer situação para a qual venha chamado, procura colocar em ação este
círculo virtuoso através da combinação articulada de oficinas (para a ação),
espectadores (para a representação), eventos (para as relações na ritualidade
quotidiana e festiva). Em resumo: O que faremos?, Faremos como quem? Faremos
como se...
O processo criativo
do Teatro Social é um design de vida, que parte de uma acurada análise dos
problemas e dos recursos, das representações, das ações e dos rituais das
pessoas, grupos, comunidades para criar representações, ações, relações,
capazes, após a intervenção do Teatro Social, em um projeto contínuo de
transformação positiva das pessoas e dos ambientes de vida (familia, amigos,
trabalho, tempos, espaços, escola, bairro, país, natureza etc).
"...os protagonistas, os atores do Teatro Social, são diretamente aqueles cujo corpo é negado, cujas relações são falidas, cujo ambiente de vida é um monte de destroços. Consequentemente, o Teatro Social não é ir ao teatro, mas possibilitar o fazer Teatro por todos."
¹Piergiorgio
Giacché, Censire il teatro: il valore
delle eccezioni, in Teatro e disagio.
Primo censimento nazionale di gruppi e compagnie che svolgono attività con
soggetti svantaggiati/disagiati, Arti Grafiche Stibu, Urbania 2003 (Recensear o Teatro: o valor das excessões,
em Teatro e desabilidade. Primeiro recenseamento nacional de grupos e
companhias que desenvolvem atividades com sujeitos em
desavantajados/deficientes), a p. 15, distingue bem as duas diferentes
aproximações do Teatro Artístico e do Teatro Social: existem “mais
possibilidades e modos diferentes de entendeer e desenvolver a relação entre
Teatro e desabilidade (ou melhor, entre o teatro e o serviço social e
terapêutico relativo à desabilidade)”. Vai-se “de grupos ou experiências de
teatro que experimentam o encontro com a desabilidade rigorosamente ao interno
da própria poética e dos próprios fins de pesquisa artística, a grupos ou
iniciativas sempre de teatro (e gestidos e dirigidos por teatrantes) que se
colocam a serviço de estruturas, entidades e associações que trabalham com a
desabilidade. (quando, em italiano, se faz referência à desabilidade não se
trata apenas de deficiência física mas também aquela química, social,
educacional ou de outros tipos de situações)
Esta é uma
diferença essencial, a que passa entre uma experimentação teatral que persegue
fins rigorosamente artísticos (e que chega a conquistar sujeitos ou a realizar
projetos que definitivamente dizem respeito ou envolvem sujeitos com
deficiência ou particulares), e a proposta de um teatro que nasce com o
objetivo declarado de explorar e se tornar útil a sujeitos com desabilidade.
Sujeitos que, de certa forma, permanecem como ‘usuários’ até mesmo quando se
tornam ‘atores’ do próprio projeto teatral.”
Obviamente
para Giacché o Teatro é só aquele de arte e profissional, por isso considera
absolutamente in-sensato o Teatro Social, para o qual o teatro é um meio e não um
fim. “Ora, se é verdade (como muitas vezes tive a oportunidade de dizer) que a
submissão completa à função social reduz ou anula o sentido e a autonomia do
teatro enquanto arte, é também verdade que um recenseamento que explore também
esse lado último e in-sensato da relação entre Teatro e Desabilidade, seja, por
fim, também útil: não é sem interesse, até para quem faz e produz teatro de
forma profissional.” (ivi, p. 16).
² Marco De Marinis,
Il teatro dell’altro, (O teatro do
outro) La Casa Usher, Firenze 2011, p. 177. “O teatro é ação, agir (basicamente)
físico”.
³ Shannon Jackson, Social works. Performing Art, Supporting
Publics, Routledge, New York-London 2011.
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