Nesta semana o Blog do Círculo
Artístico Teodora traz até vocês uma Entrevista com a atriz TÔNIA CARRERO para
a Revista Época em 2002. Atualmente a atriz tem 94 anos.
Apesar da idade avançada, assume
estar cada vez mais polêmica e irreverente. Concordando ou não com tudo o que
ela aponta, Tônia é uma grande dama do nosso teatro e a sua experiência pode
ajudar a iluminar as perspectivas de jovens artistas!
"Estou velha,
sim"
Aos 80
anos, a atriz confessa sofrer ao se olhar no espelho e adoraria ainda ser
desejada, mas se diz feliz graças ao teatro
Beatriz
Velloso, do Rio
'O teatro
rejuvenesce.'
Tônia
Carrero assume: está velha. Esquece nomes, os movimentos são mais lentos, o
rosto já não é o mesmo - lindíssimo - de antes. Aos 80 anos, completados no dia
23 de agosto, perdeu o pudor de dizer que está menos bonita, menos atraente,
menos esbelta. 'Olhar no espelho é uma tristeza', admite. Confessa também que
se deprime ao pensar que não é mais desejada pelos homens. Demonstra a
consciência da idade avançada até na peça A Visita da Velha Senhora, do
suíço Friedrich Dürrenmatt, que estréia no Rio de Janeiro no dia 25 com ela no
papel da velha do título. Mas, apesar do tom por vezes melancólico com que fala
da velhice, se diz feliz. 'O teatro rejuvenesce.'
A atriz
recebeu ÉPOCA em sua casa no bairro do Jardim Botânico, no Rio, usando uma
moderna sandália cor-de-rosa de salto alto, dessas que as mulheres mais
novinhas (e não as idosas) usam para sair à noite. Contou paixões secretas que
teve e criticou colegas que trabalham na TV por dinheiro. Mas, antes de começar
a conversa, fez um pedido que resgatou sua vaidade: 'Prefiro que não me chamem de senhora'
•
Nome:
Maria Antonieta Portocarrero Thedim
• Família
Tem um filho (o ator Cecil Thiré), quatro netos e dois bisnetos
• Casamentos
Viveu com o artista plástico e diretor Carlos Thiré, o também diretor
Adolfo Celli e o empresário César Thedim
Tônia Carrero - foto do site Extra.globo |
ÉPOCA - Como é,
para você, uma mulher que foi muito bonita na juventude, chegar aos 80 anos?
Tônia Carrero - É
estranho. Quando fiz 70, achava que aos 80 seria frágil, que as pessoas iam me
olhar na rua e dizer (faz uma voz esganiçada): 'Olha aquela velhota tão fraquinha,
coitadinha dela!' Passo longe disso, mas é claro que sinto diferença. Só
tento fazer com que os outros não percebam. Não saio mais com as pernas ou os
braços de fora, escondo as partes que entregam minha idade. Meu ritmo está mais
lento para tudo, sinto mais dificuldade para levantar de uma cadeira, para
lembrar de nomes. E olhar no espelho é uma tristeza. Quando fiz 60 anos, sofria
muito ao lembrar como eu era e ver, em minha imagem refletida, que não estava
mais tão bonita. Era muito sofrimento. Com o tempo, fui me acostumando. A gente
se acostuma a tudo, né?
ÉPOCA - O que
muda no amor?
Tônia - Ah, muda muito. Sinto uma falta danada de me
entusiasmar por um homem, de me apaixonar.
“...o
cinema é do diretor, o teatro é do ator e a TV é do patrocinador.”
ÉPOCA - Tem
namorado?
Tônia - Não, estou sozinha. Não me sinto solitária, mas
acho chato não ser mais desejada pelos homens. Lembro com saudade do tempo em
que me arrumava porque sabia que me achariam bonita. O fato de nenhum homem me
achar atraente a esta altura da vida é muito duro. Tenho a sensação de que, por
causa disso, meu charme diminui loucamente.
ÉPOCA - Essa
sensação se estende ao palco?
Tônia - Não,
no palco é muito diferente. É maravilhoso, a gente consegue rejuvenescer.
Quando estava com 60 anos, Sarah Bernhardt foi interpretar Joana D'Arc no
teatro. A personagem tinha 16 anos, e todos achavam aquilo ridículo. Na cena em
que Joana D'Arc é julgada, um homem pergunta a ela: 'Quantos anos você tem,
minha jovem?' E ela respondeu: 'Dezesseis anos'. Falou aquilo com
tanta convicção que a plateia inteira explodiu em aplausos (fica com a voz
embargada). Ela sabia que podia interpretar uma garota aos 60 anos. Eu, aos 80,
sei que posso fazer uma personagem de 60 anos em A Visita da Velha Senhora.
Passo muito bem por uma mulher 20 anos mais jovem. Mas a melhor coisa de ficar
velha é que hoje estou acima do bem e do mal: digo o que bem entendo, não tenho
medo.
ÉPOCA - O que,
por exemplo, você pode dizer agora que não diria antes?
Tônia - Hoje consigo falar sobre meus amores. Posso dizer
que tive um caso com Rubem Braga (o escritor) e outro com Paulo Autran (o ator),
enquanto era casada com Carlos Thiré. E sei que agora isso não abala em nada
minha respeitabilidade. Coitado, o Thiré foi bem corneadinho... Mas o que ele
fez comigo não foi brincadeira. Às vezes, chegava em casa e dizia: 'Sabe
aquela sua amiga? Ontem saí com ela'. As amantes dele iam lá em casa, eu
sabia de tudo.
ÉPOCA - Como foi
sua paixão por Paulo Autran?
Tônia - Fulminante. Conheci Paulo e me apaixonei
completamente por ele (os dois estrearam juntos no teatro em 1949, na peça Um
Deus Dormiu lá em Casa). Meu filho Cecil (Thiré, hoje ator) era tão
pequenininho... Achava Paulo um talento para o teatro, mas inventei de fazer
uma peça com ele também porque queria uma desculpa para ficar perto. Eu disse: 'Se
não for com ele, não faço'. Paulo era advogado e não queria largar a
profissão. Só para me testar, pediu um salário absurdo. E eu dei. Deixei de
receber meu salário só para ficar perto dele. Eu não ganhava um tostão. Com o
tempo, a paixão foi acabando.
ÉPOCA - Você fala muito das mudanças
vindas com o tempo. Mas, hoje, se sente bem?
Tônia - Muito bem. Melhor do que eu achava que estaria a
esta altura. Eu me sinto mais inteligente, mais calma, lúcida e bem-disposta.
Consigo até encostar as mãos no chão sem dobrar as pernas, olha só (levanta-se
e mostra o corpo alongado). O que me entristece mais é perder amigos, vê-los
partir. Meu truque agora tem sido arrumar amigos mais novos que eu, cercar-me
de pessoas jovens.
ÉPOCA - Você tem
algum problema de saúde?
Tônia - Não é exatamente um problema, mas tenho um dreno na
cabeça. Há quatro anos caí da escada da minha casa e bati a cabeça na parede.
Não aconteceu nada, mas dois anos mais tarde comecei a ficar com dificuldade
para caminhar e descobri que estava com hidrocefalia (excesso de líquido no
cérebro). Fiz uma pequena cirurgia e botei um dreno debaixo do couro cabeludo.
Não vejo e não sinto nada. É como se tivesse um ladrão na minha caixa-d'água.
ÉPOCA - Quantas
plásticas já fez?
Tônia - Fiz três no corpo: uma na barriga, outra na coxa e
uma terceira nos seios. Todas com Pitanguy. Depois fiz mais duas no rosto.
Agora faço só 'manutenções' periódicas, com aplicações de Botox. Aconselho
qualquer mulher que tenha dinheiro a fazer plástica. Sou a favor. Nossa imagem
física tem um efeito enorme sobre a imagem mental. É bom saber que, mesmo
depois de velha, é possível andar um pouquinho para trás no tempo.
ÉPOCA - Gosta de assistir a programas na
TV?
Tônia - Gosto de ver o trabalho dos meus companheiros.
Mas tem uma coisa que me incomoda. José Wilker e Antônio Fagundes, por exemplo,
são atores sensacionais. Aí empurram para eles uns papéis que não estão à
altura do talento. Eles não podem fazer essas porcarias! Mas ganham tanto
dinheiro que vale a pena. E eu também toparia, se ganhasse aqueles R$ 100 mil,
R$ 150 mil. Minha vida seria muito melhor. O problema de trabalhar em televisão
é que as pessoas começam a fazer coisas pelo dinheiro. É um conforto trabalhar
num lugar que paga muito bem. Mas os que estão começando ganham uma vergonha,
quase nada. Trabalham demais e vivem um regime de fome. A televisão hoje é
dirigida pelo dinheiro. Paulo Autran sempre diz que o cinema é do diretor, o
teatro é do ator e a TV é do patrocinador. Quem paga manda.
ÉPOCA - Você acha
que a televisão está apelativa?
Tônia - Ah, essa coisa de pouca roupa, de mulher dançando,
isso não me incomoda nada. Acho até engraçado. Não acredito que seja nocivo
para a mocidade. Falar palavrão, mostrar a bunda... Tudo bem, para mim. Essas
coisas são tão superficiais que não afetam ninguém. Aquilo de dançar na
boquinha da garrafa horrorizou todo mundo, e hoje ninguém lembra. Esse negócio
de pais ficarem proibindo crianças de ver TV não funciona. Deixem ver tudo!
ÉPOCA - Você já declarou sua admiração
por Fernando Henrique Cardoso. No entanto, a classe artística reclamou muito
das duas últimas administrações no que se refere à cultura, principalmente ao
teatro.
Tônia - Acho
essas reclamações uma injustiça. Num país onde não sobra dinheiro para educação
e saúde, é preciso ter prioridades. O governo vai dar dinheiro para a cultura
quando não tem suficiente para fazer escolas e hospitais? Não pode. Fernando
Henrique se preocupou muito com essas duas coisas, e já acho isso um avanço.
Fui ao presidente pedir dinheiro para montar minha peça, mas grande parte das
verbas veio da iniciativa privada.
ÉPOCA - Mas, se o teatro fica na mão das
empresas, não acaba virando uma arte do patrocinador, como você disse que
acontece com a televisão?
Tônia - Não
vira, não. Quem tem de dar dinheiro para a cultura são as empresas
particulares. O dono do supermercado tem de investir em teatro. E isso não
altera nosso trabalho. Ainda somos nós que escolhemos os textos, os elencos, e
depois vamos procurar verbas. Quem não pode ir a Fernando Henrique, como eu
fiz, pode ir à Caixa Econômica, ao Itaú, ao Banco do Brasil... Está cheio de
empresa querendo patrocinar cultura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário