Encontro
internacional discute o papel do Teatro do Oprimido na transformação da
sociedade
O
Encontro, organizado pelo MST, foi proposto há um ano a partir da necessidade
de conhecer e debater as experiências ligadas ao Teatro do Oprimido em todo
mundo.
Matéria Publicado
no site: http://www.mst.org.br/
em 4 de julho de 2016
Por Janelson Ferreira e Maria Silva Da Página do MST |
Durante os dias 27/06 a 02/07, cerca de 100 militantes estiveram
reunidos no Encontro Internacional de Teatro do Oprimido, na Escola Nacional
Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, São Paulo. Grupos de teatro do
Uruguai, Argentina, Portugal, Israel, Índia, além de vários outros do Brasil
buscaram discutir a contribuição do Teatro do Oprimido para a classe
trabalhadora e a importância desta ferramenta na atual conjuntura.
O Encontro, organizado pelo Setor de Cultura do MST, foi proposto há,
aproximadamente, um ano, a partir da necessidade de conhecer e debater as
experiências ligadas ao Teatro do Oprimido em todo mundo.
Durante a atividade, a militância buscou aprofundar as técnicas, além de
compartilhar todo o acúmulo obtido por esta forma teatral que, surgida no
Brasil, está presente em todos os continentes. A proposta é que, a partir desta
atividade, se constitua uma articulação internacional entre os Grupos de Teatro
do Oprimido.
Segundo Júlio Moreti, Dirigente Nacional do Setor de Cultura, o Encontro
foi fruto de um esforço coletivo e representa um momento histórico para o
Teatro do Oprimido (TO).
“Aqui nos permitimos discutir abertamente a função do TO para a classe
trabalhadora e analisamos seus limites para que, assim, possamos avançar com
esta que é uma potente ferramenta para trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou
Moreti.
No decorrer do encontro, os grupos de teatro apresentaram suas peças e,
ao final da apresentação, elas foram analisadas e debatidas, a fim de gerar uma
discussão crítica sobre a técnica utilizada.
De acordo com Moreti, o teatro permite à classe trabalhadora se
confrontar com as contradições existentes dentro do capitalismo. “O Teatro do
Oprimido permite nos colocarmos na posição do oprimido e da oprimida e, não
impor respostas, mas problematizar situações cotidianas que são naturalizadas
na sociabilidade capitalista”, finaliza.
“O Teatro
do Oprimido permite nos colocarmos na posição do oprimido e da oprimida e, não
impor respostas, mas problematizar situações cotidianas que são naturalizadas
na sociabilidade capitalista”
Teatro do oprimido e transformação social
O Teatro do Oprimido é um método teatral elaborado por Augusto Boal,
teatrólogo brasileiro, durante a década de 60 e 70. O método busca democratizar
o acesso à prática teatral e fazer com que, por meio desta linguagem, a
população pobre possa discutir as possibilidades de transformação social.
Por ser um método, o Teatro do Oprimido sistematiza diversos jogos,
técnicas e exercícios teatrais que estão acessíveis a qualquer pessoa,
independentemente de formação específica. Entre suas técnicas estão o
Teatro-Fórum, Teatro-Invisível, Teatro-Imagem, Teatro-Jornal, e outros. Todas
elas são usadas pelos grupos de teatro para discutir, tanto no campo quanto na
cidade, questões como o machismo, lgbtfobia, racismo e exploração do trabalho.
Um dos participantes do encontro foi o Grupo Casoneros de Teatro do
Oprimido, de Buenos Aires. Ele surgiu na capital argentina, em 2001, a partir
da necessidade que alguns militantes, que tinham contato com o TO, verificaram
de fortalecer o método naquele país.
Para o Casoneros, o campo subjetivo e metafórico é um elemento
fundamental dentro da sociedade capitalista e, por isto, tem importância
central para a construção de uma análise crítica anticapitalista da sociedade
atual. É neste ponto que se valida o dispositivo do Teatro do Oprimido, pois ele
permite a abertura de discussões que não estão imediatamente visíveis para a
sociedade.
O Encontro Internacional de Teatro Político Augusto Boal
O encontro de Teatro do Oprimido ocorrido na ENFF foi o que os
coordenadores do mesmo definiram como um desdobramento imediato do I Encontro
Internacional de Teatro Político Augusto Boal, que aconteceu em Maricá durante
o I Festival Internacional da Utopia, entre os dias 22 a 26/06. Diferente do
sediado na Escola Nacional, estiveram presentes grupos e pessoas que trabalham
com técnicas que não apenas as do TO.
O Encontro transformou Maricá num grande palco, por vezes ao ar livre,
como as apresentações que aconteceram nas ruas, no Anfiteatro da Praça Central
da cidade ou na Feira da Reforma Agrária e Economia Solidária. Outras vezes,
aconteciam no tablado da sala do cinema público, ocupado e adaptado para
receber a atividade. Lugares que se tornaram espaços de troca entre
espectadores e atores. Em alguns casos, o público acabou assumindo o papel de
"espect-ator", na definição do dramaturgo e criador das técnicas do
Teatro do Oprimido e o homenageado do encontro, Augusto Boal.
Foram cinco dias de atividades entre intervenções, debates, oficinas e
apresentações. Apenas nas apresentações dos espetáculos estiveram presentes em
torno de quatro mil pessoas, dentre as quais algumas turmas das escolas
públicas de Maricá, que fizeram questão de transferir em alguns dias a sala de
aula para o teatro. Ao todo, 14 grupos apresentaram-se, alguns por mais de uma
vez e em diferentes espaços. Na composição, várias técnicas e modos de se
realizar o fazer teatral e apresentar as discussões.
Segundo Douglas Estevam, do Coletivo de Cultura do MST, tanto um
encontro quanto o outro “tinham preocupações importantes em fazer uma análise
das questões formais e estéticas do teatro político atual”. A maioria dos
grupos participantes dos dois encontros desenvolvem trabalhos ligados aos
movimentos sociais e à luta política nos seus países de origem.
A escolha e convite dos grupos que participaram do Encontro
Internacional de Teatro Político, não foi de maneira nenhuma aleatória. Muitos
destes se destacam pela proximidade com os movimentos sociais, sindicatos,
organizações políticas, ou mesmo organizações de bairro.
É esse o caso de grupos como o Jana Sanskriti, da Índia, e outros grupos
da América Latina, como relata Estevam: “Praticamente todos os que foram
convidados pelo MST tinham essa característica. Talvez um dos mais
interessantes, de maior destaque, foi o grupo da Índia, o Jana Sanskriti, pela
sua história, porque é um grupo que tem mais de 30 anos de existência e que
fazem trabalhos sobre os problemas da organização dos partidos, dos movimentos
sociais, os processos de cooptação da militância dos partidos e também trata de
temas de gênero, das questões culturais do seu país, como por exemplo, a
questão do casamento forçado das mulheres”, tema da apresentação do grupo na
primeira noite do encontro.
Apresentação do grupo Jana Sanskriti, na primeira noite do encontro. |
Nesses 30 anos do Jana Sanskriti, mais de 20 mil pessoas passaram pelos
processos de formação e se organizaram em atividades teatrais em torno do
trabalho do grupo.
“Outro destaque foi o GTO Montevideo, que no seu país se organizou, por
exemplo, com intervenções de teatro-jornal em torno da campanha de redução da
maioridade penal e do plebiscito que houve sobre o tema”, e que por isso, acaba
dialogando muito com movimentos sociais também no Brasil, os quais se
propuseram a fazer discussões e mobilizações sobre essa pauta.
“O grupo da Argentina, o Casonero, é também vinculado a um movimento
social chamado La dignidad, que tem um trabalho de organização das comunidades
nos bairros, organização de restaurantes populares, de serviços sociais, etc. O
grupo chegou a construir uma escola popular de teatro na Argentina. Então, tem
uma experiência pedagógica, que para nós é também muito interessante”, relata
Douglas.
Diversidade regional
Dos grupos do Brasil, o objetivo do encontro em Maricá foi a tentativa
de sair do eixo Rio-São Paulo, muito conhecido pela concentração das mais
variadas atividades e propostas culturais. Por esse motivo, um dos grupos que
participou foi o Alfenin, da Paraíba, que atualmente desenvolve um trabalho
muito importante pela região Nordeste do país.
Mesmo assim, participou de São Paulo o grupo Estudo de Cena, que tem uma
vinculação muito estreita com movimentos sociais, como o MST, apresentando-se
em diversos espaços organizados por este e, em alguns momentos, contribuindo
diretamente na formação dos militantes da organização, em oficinas e debates.
Além dos grupos parceiros, o MST também se fez presente com a Brigada de
Teatro Patativa do Assaré, na apresentação d'A farsa da justiça burguesa,
montada por integrantes da brigada do estado do Pará.
A ideia de se fazer um encontro internacional surgiu a partir da necessidade
de estreitar laços com grupos de teatro político ao redor do mundo. Coisa que o
MST já vinha fazendo ao participar de algumas mostras, de processos de
formação, festivais, etc.
“A gente foi se aproximando de alguns grupos e pautando a necessidade de
ampliar esses vínculos, de chegar num encontro entre grupos de vários países
que desenvolvem trabalhos no teatro político, além de ir consolidando uma
articulação, uma troca de experiências, de debates estéticos, organizativos e
de luta no campo teatral”, explica Estevam.
Numa clara intenção de se diferenciar de outros festivais e encontros de
teatro, que não se reivindicam encontros políticos, a nomeação deste como
Encontro Internacional de Teatro Político enfatiza essa dimensão do fazer
teatral enquanto instrumentos de luta e reforça essa perspectiva no encontro e
no trabalho desses grupos.
Segundo Estevam, a ideia é que esses encontros continuem gerando frutos.
“Daqui já saíram algumas propostas, de continuar esses intercâmbios, de
trabalho em conjunto de formação entre os grupos, de intervenções conjuntas e
de criar cursos latino-americanos de formação em teatro político. Então, essa
articulação entre os grupos tende a continuar e se fortalecer mais a partir
dessas duas atividades”, conclui.
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