quinta-feira, 25 de junho de 2015

A Primeira Ceia - continuação

Então, estão curtindo o Texto do Professor Bernardi? Hoje postaremos mais dois atos para continuar a leitura - o segundo e terceiro. Porém, antes, achamos apropriado fazer mais alguns esclarecimentos sobre o autor a o contexto cultural. 
Lembramos que Claudio Bernardi é especialista em ritos e mitos e a Itália é um país com uma cultura católica extremamente forte, a ponto de influenciar a política do país. Portanto o texto é um questionamento a essa influência católica sobre a vida dos cidadãos, ao mesmo tempo que é quase um ritual religioso com diversos elementos familiares a pessoas que tiveram uma formação católica.
Outra observação importante para a compreensão do texto é o ritual alimentar italiano e o valor que os italianos dão a esse ritual. Lembrando que o movimento "Slow food" nasceu na Itália e é de lá, também, a famosa dieta mediterrânea. 
O ritual alimentar na Itália é um pouco diferente do nosso: Começa a refeição típica com o antepasto, pequenos petiscos como brusquetas, queijos, salames ou vegetais. Logo em seguida são colocados os pratos (fundos) e é servido o "primo", o primeiro prato, que consiste em sopa, massas ou arroz. Após terminar de comer o primeiro, trocam-se os pratos (agora são rasos) e serve-se o "secondo", carnes ou queijos. Nova troca de pratos para servir o "contorno", que são os pratos com vegetais cozidos ou crus. Embora a salada seja considerada contorno, ela é sempre presente na refeição italiana, sempre o último prato salgado, independente de ter ou não outro prato de vegetais. O cestinho de pão está presente em toda boa mesa italiana durante toda a refeição. Após a salada vem o doce, o café, o licor. 
A estrutura do espetáculo sugere esse ritual alimentar que pode ser adaptado a reallidade do país onde é apresentado. 

(Imagem do artista Giuseppe Arcimboldo, sugerida pelo autor como modelo para as máscaras dos estilos alimentares)

A Primeira Ceia
(Continuação do texto de Claudio Bernardi, com tradução de Claudia Venturi)

SEGUNDO PR-ATTO

AVA – Leo, chegaram os 12 representantes dos estilos alimentares.
LEO – Ok, baby, faça-os entrar um de cada vez e os acomodaremos criativamente a mesa.
AVA – Que entre o primeiro! E se apresente.
ONÍVORO – (entra com um chapéu ou máscara pintados ao estilo Arcimboldo com tudo: carne, peixe, fruta, verdura, doces etc.) Boa ceia a todos.
LEO – O Senhor quem é?
ONÍVORO – O homem!
SIMONAL – Ok, isso nós vemos. Mas o que você come?
ONÍVORO – O homem é onívoro. Come de tudo.
ADÃO – Até a me…, a meleca?
ONÍVORO – Querendo…
ADÃO – E não querendo! Basta ver que vida de me…
EVA – (dando um tapa atrás da cebeça de Adão) Ei! Eles estão comendo! Pare com isso!
LEO – Coloque-se aqui ao fundo, a esquerda. Isso, assim. Que venha o segundo.
CARNÍVORO – (máscara só carne, presunto etc.) Eu sou um carnívoro. Odeio o verde! Adoro a carne de qualquer tipo. Ao sangue!
ADÃO – Mas quem é esse? O Drácula?
LEO – Lá, lá, vai lá junto com o onívoro, em pé.
CARNÍVORO - (enquanto se coloca a mesa sussurra os pratos que sonha): “Churrasco, bisteca, alcatra, picanha, filé, costela, assado, acebolado, hamburger, linguiça, sobrecoxa, salsicha, coraçãozinho etc.”
(analogamente todos os estilos vão recitando o próprio menu enquanto são acomodados a mesa, como se quisessem fazer publicidade dos próprios prazeres ou delicias alimentares)
CRUDÍVORO – (máscara de alimentos crus vegetais e animais) Eu sou um crudívoro. Como só coisas cruas, de origem animal ou vegetal. Quando se cozinha o alimento destrói completamente os princípios nutritivos além de ser cance…
LEO – Dispense as explicações, Mister Cru. Não nos interessam…
SIMONAL – De gustibus non est disputandum!
ADÃO – Ui! Mas eu cuspo nele!
EVA – O que você faz?
ADÃO – Cuspo no canibal!
EVA – (dando um tapa atrás da cebeça de Adão) Idiota racista! Talvez ele coma só saladinha…ou sushi.
LEO – Mister Cru, vai ali junto ao carnívoro que se parece com você!
CRUDÍVORO – MAS aquele ali come tudo cozido, na chapa, na grelha, na brasa…
EVA – Mas também come o presunto cru! Vai, vai (empurra-o para a mesa). Desculpe, miss Ava Renta, mas são todos homens? Não têm mulheres?
VEGETARIANA (entrando com máscara de verdura, ovo, leite, laticínios) – Eu, eu sou uma mulher! Vegetariana. Não como nem carne e nem peixe.
VEGANA (entrando com máscara só de vegetais) – Mas, querida, você come ovos, leite e laticínios, produtos de origem animal e você sabe que fazem mal. Nós veganos não comemos.
FRUGÍVORA (entrando com máscara só de frutas) – Mas vocês não são perfeitos! Cultivam os campos e mordiscam as ervas como cabras. Vocês cortam, trituram, rasgam, matam os vegetais! Nós frugívoros somos sensíveis às folhas. Não fazemos mal a nenhum ser vivente. Nós comemos apenas as frutas que caem das árvores…
ADÃO – Que lindo! Basta abrir a boca e cai um figo…seco.
AVA – Senhoras! Senhores! Por favor! Não vamos ficar aqui discutindo quem é melhor e quem é pior.
SIMONAL – Nós estamos em um país livre. Cada um come aquilo que quiser.
EVA – E se fizer mal o problema é de vocês.
LEO – Anda, anda, queridas vegetais, coloquem-se todas as três próximas, mas ali a direita, quase no centro. Assim (ajeita)
MARTA – E agora, de quem é a vez?
AVA – dos estilos alimentares das diversas religiões.
EVA – Ai, ai, vamos ter uma guerra…
LEO – Mas por quê, senhorita?
ADÃO –Eva tem razão! Vamos pegar, sei lá, o toucinho mineiro (mostra sua barriga para Eva) Então, você gosta do meu toucinho? (recebe de Eva um tapa atrás da cabeça) Ai!
ABRAÃO – (entrando com máscara de cordeiro e vinho e alimento kosher) De origem judaica eu sou, e a minha religião me poibibe de comer tudo aquilo que não seja santo: seres impuros, misto de céu, terra e mar…
MARTA – Por exemplo?...
ABRAÃO – Porcos, camarões, crustaceos e cães. Não aos porcos, viva os porcinos! – Os cogumelos!
ISMAEL – (entrando com máscara de kebab e litrão de Coca Cola na mão) E até nós, islamicos, fazemos o mesmo. Todos os animais nós degolamos e o sangue deles nós derramamos e não o comemos.
ABRAÃO – Desde que o alimento seja puro, não contaminado pela vida. Kosher – assim o chamamos.
ADÃO – Mas que lindo! Israelitas e palestinos concordando!
EVA – (dando um tapa atrás da cebeça de Adão) Ignorante! São duas religiões: judeus e islamicos.
ISAMEL – A única diferença entre nós e eles é que o álcool e o vinho nós absolutamente proibimos.
EVA – E assim economizam no bafômetro e com a cirrose hepática.
ADÃO – E fazem a fortuna da Coca Cola…Açúcar a vontade…
LEO – Nada de propaganda, por favor (Ava retira a Coca Cola das mãos de Ismael e o conduz a mesa). Vamos logo, vocês dois, coloquem-se ali…
ESFOMEADO – (entrando com uma bacia vazia, é uma mulher, mas não se compreende o gênero, é unissex) Um momento! Falta eu!
SIMONAL – De que religião você é?
ESFOMEADO – Uma, nenhuma, cem mil.
EVA – Você é o Aleijadinho?
AFFAMATO – Não, um pobrezinho.
MARTA – De Assis?
ESFOMEADO – Não, do mundo. Sou o esfomeado, aquele que não tem nada para comer. Somos 850 milhões. Pintor, no quadro geral eu também devo estar!
ADÃO – Ao menos alguma coisa você vai poder comer. O mais gorducho aqui presente (tabefe de Eva).
GULOSA – (entra rechonchuda, prazeirosa, bem disposta, hliária com máscara de tortas, creme de leite, peru ao forno, trufas etc. pratos de alta gastronomia) Mas Leo, não pode sentar na mesa uma esfomeada! Eu tenho de estar lá! A gourmet, a bon vivant, a slow  food, a alta culinária, a trattoria, tudo aquilo que estimula a minha gordurinha…
EVA – Aqui existe uma distribuição desigual de gordurinha. Se a Senhora, miss Gorda desse um pouquinho ao esqueleto em dieta…
MARTA – Resolveríamos o problema da fome no mundo
SIMONAL – mas também da hipernutrição e da obesidade.
ADÃO – Que mundo! Que mundo! Uma parte morre de fome e a outra de colesterol!
LEO – Mas o mundo é assim, senhores.  Até estes são estilos alimentares.
EVA – Sim, mas um é muito apreciado e o outro não é de jeito nenhum desejado!
CELÍACA – (entrando com máscara escrita Glutem free e Mio Bio ecc.) Com licença senhores, mas não estão ignorando um outro grave problema?
MARTA – Mas a Senhora é quem?
CELÍACA – Represento todas as intolerâncias e alergias alimentares. Tem quem não tolera o leite, quem o glutem, quem as solanaceas, quem o pimentão…
LEO – Stop! Chega! Se “stopem”! Já entendemos! Se a senhora nos diz o elenco completo não voltamos para casa hoje.
SIMONAL – Todos somos alérgicos ou intolerantes a alguma coisa.
ADÃO – Mas eu não sou alérgico a você, não é mesmo Eva? (tabefe de Eva). Talvez um pouquinho…
DOUTOR – (entra com o jaleco branco e o estetoscópio) Por último, mas não o último, venho eu que, ao contrário, sou o primeiro de todos.
EVA – E quem é o senhor? O mais belo do reino?
DOUTOR – Não, o mais sábio.
ADÃO – Ou o mais sabichão? (tabefe de Eva)
DOUTOR – Eu sou a ciência da vida. Eu sou a Saúde. Eu sei qual é o verdadeiro alimento, bom, saudável e nutritivo.
LEO – Bem, vai se posicione com os outros. Vou colocar o esfomeado unissex junto aos dois representantes das religiões do centro para a esquerda, Enquanto todo o grupo da saúde, Miss Gorda e a Celíaca e o senhor Doutor, se posicionem juntos do lado direito.
DOUTOR – Não, não, eu deveria estar no centro, porque entre todo o alimento e de todas as bebidas, eu sou o caminho, a verdade e a vida!
AVA – Certo, certo, doutor, mas por enquanto, por favor, coloque-se lá onde disse Leonardo.
ADÃO – Eu, ao doutor, daria uma bolsinha cheia de dinheiro.
EVA – Como a Judas. E por quê?
ADÃO – Porque só de pão vive a ciência.
EVA – Mas que pão?
ADÃO – Dinheiro, dinheiro, fundos!
EVA – Certo. E então? O que tem a ver o cientista com Judas?
ADÃO – Porque trai o povo, sustentando aquilo que quer quem o paga!
DOUTOR – O senhor é um mal-educado! Mas quem te deu o direito? Dizer estas coisas para mim? Doutor, professor e quase prêmio Nobel!
LEO – Deixa quieto, doutor, é um empregado, não entende nada. Não tem nada a ver com esta obra de arte imortal que eu devo criar. Dou razão ao senhor. Insisto ao Senhor, se posicione exatamente no centro, no lugar do esfomeado que se desloca para o fundo  a direita, um pouco subjugado. Isso, assim!
AVA – Senhores, estão prontos? Parados todos! Cheese (bate a foto). Feito!
SIMONAL – Mas, Leo, não tem ninguém no centro!
LEO – My God, Saimon, tem razão! Miss Ava aonde está Gea? Não deveria estar aqui também? Eh, sim, ao centro, simbolizando a terra, a Mãe Terra.
AVA – Posso chamá-la?
LEO – Claro que sim! Aquela distraída, aquela volúvel, parece uma pomba metida, eu quando a encontrar a esgano…
ADÃO – E faremos um belo assado de pomba.
EVA – Melhor recheda.
MARTA – E podem comer até os judeus e os mussulmanos, sabiam?
SIMONAL – seria um alimento universal!
VEGANA, FRUGÍVORA, VEGETARIANA – Assassinos! Até as pombas têm alma! Nós não comemos cadáveres!
LEO – Parem com isso! Esta è una representação, não uma manifestação! Miss Ava Renta, chame Gea!
TODOS OS ESTILOS – E enquanto isso o que nós fazemos?
DOUTOR – (um pouco furioso) E vamos fazer pose por uma hora?
LEO – Ok, ok! Pausa, stop!  Chega de golpe! Quem deve ir ao banheiro, que vá, por enquanto você, Saimon, serve os comensais. Assim que chegar Gea recomeçamos a Primeira Ceia.
ADÃO – Me dá uma ajudinha para servir!
DOUTOR – Não! Um momento! Me dê uma faca.
TODOS – O que você quer fazer?
DOUTOR-  O garçom... matar (se atira contra Adão que escapa correndo)
ADÃO – Socorro!
SIMONAL – (parando o doutor) Doutor! Acalme-se!
EVA – Ele estava brincando, não falava sério.
MARTA – Venha, doutor, vou preparar um suco para o Senhor…Pobre ciência, como é batida…
(sai Marta com o doutor, enquanto todos os outros servem os primeiros pratos - as massas)

TERCEIRO PR-ATO

AVA – (re-chama todos os estilos alimentares para a cena) Senhoras e senhores, aos seus postos, agora. Chegou Gea.
GEA – (toda apressada e nervosinha) Desculpem pelo atraso.
LEO – Mas por onde você andava?
GEA – Problema meu!
LEO – Como assim? A minha obra de arte foi pelos ares! Só faltava você.
GEA – Ai Leo não me enche o saco. Se não eu vou embora!
AVA – (Atenciosamente leva ramos de trigo um globo terrestre) Miss Gea, segure isto e se posicione ali.
GEA – Trigo e globo…por quê?
LEO – Você representa a terra que da as loiras colheitas…
ADÃO – Esta terra é igual a Leo.  Uma bola inflada.
EVA – Mamma que kitch esse globo!
LEO – (ofendido) Até o  Chaplin o usou em O Grande Ditador.
SIMONAL – Mas era um filme cômico…
LEO – É, sim, tem razão… É realmente uma breguice (pega o globo e o joga fora) Miss Ava, Eu tinha dito para encontrar uma imagem, grande, do nosso belo planeta azul, não um globo…
GEA – Então? Basta o maço de trigo?
LEO – Sim, sim, darling, assim você está perfeitamente perfeita.
GEA – OK. Então eu vou no centro e faço o discurso (rapidamente se coloca no centro do Cenáculo).
LEO – mas que discurso?
GEA – Como aquele que fez o cara da Última Ceia: “Este é o pão, este é o vinho, tomai e comei todos vós”.
LEO – Mas esta não é uma missa. Não tem nada a ver com o cara, que, aliás, é o Cristo. Esta é a Primeira Ceia! Entendeu? Primeira-Ceia-Laica! Que fique claro!
GEA – Eh, entendi! Mas se eu aqui represento a Terra, sou a Terra, finalmente eu posso externar a todos os homens a minha raiva e a minha dor pelo mal que me fazem.
AVA – Mas que mal? Aqui ninguém está te fazendo nada de mal, querida…
GEA – Aqui não, mas la fora sim!
VEGANA – Tem razão! Pensa na poluição industrial!
FRUGÍVORA - O aquecimento global!
VEGETARIANA – O desastre territorial!
VEGA-FRUG-VEGE – Vocês estão matando a Mãe Natureza!
GEA – Mãe Terra! Vocês homens estão me enchendo de venenos. Estão me destruindo e se destruindo!
CARNIVORO–ONÍVORO-CRUDÍVORO – Justo! Ótimo! Bravo! Viva a Terra!
VEGA-FRUG-VEGE – Ei, não, queridos! São vocês - que comem carne, sangue, cadáveres - que a fazem morrer! Assassinos!
CARN-ONÍ-CRUD – Biológicos!
GEA – (abrindo as mãos em cruz) “Bio mio! Bio mio!” Pai, por que me abandonaste? (Carn/Oní/Crud se voltam contra Vega/Vege/Frug para as atacar, mas são parados pelos gritos de Leo)
LEO – Stop! Alt! Parem todos! Senhores, vos rogo, o que vocês estão fazendo?
AVA – Este é um evento, não é um comício!
LEO – Estamo aqui para uma representação, não uma revolução!
AVA – Não estamos fazendo política aqui!
EVA – Justo! Aqui fazemos saúde!
VEG-FRUG-VEGE – Exato! Vocês não se dão conta de que todas as doenças que vocês têm se devem a alimentação que não é mais natural, mas é química, ogm, artificial, industrial?
SIMONAL – Mas, senhoritas, tem alguém que ainda não saiba?
DOUTOR – Eu! É tudo lorota, opiniões, suposições, superstiões, sem nenhum fundamento científico. Quem não sabe que se cale! Deixem que nós, cientistas, digamos aquilo que faz bem ou mal.
EVA – Desculpe, doutor, eu tenho uma pergunta para fazer aos saudáveis, veganos, vegetarianos et caetera. Resumindo, vocês que só comem coisas saudáveis, vos pergunto: a) vocês morrem? b) se sim, do que morrem?
ADÃO – Na minha opinião, explodem de saúde.
SIMONAL – Não brinca. Eles estão falando de coisas sérias. Precisamos de uma mudança, de uma conversão geral…
TODOS OS ESTILOS – (gritando juntos repetidamente cada qual o próprio alimento saudável como se estivessem em um mercado na praça) Às frutas! Ao kosher! Às lasanhas! Ao cru! Ao peixe! Estou com fome! Vegano! Todas as dietas! Basta com os suínos! Viva a salada! (et caetera)
LEO – (desesperado e exasperado) Saimon, maldição! Até tu? Eu digo e repito: Esta Primeira Ceia é só uma ficção, uma representação! Um jogo, um sonho.  Uma utopia!
GEA – Mas exatamente porque a tua é uma imagem ideal não pode colocar junto vítimas e algozes, anorexicos e canibais, barrigudos que estouram de gordura e esqueletos que morrem de fome!
LEO – Olha, Gea.
ESFOMEADO – Estou com fomeeee!
ADÃO – Está com fomeeee!
LEO – Ai, dêem de comer ao pobre coitado! Escuta Gea, mas você acordou hoje do lado errado da lua?
GEA – Eu não sou a Lua. Sou a Terra. Sou a terra cheia…
EVA – Cheia de besteiras.
GEA – Sou a terra torta. Como disse Kant.
LEO – Não, Kant disse que o homem è un ramo torto e certamente não vai ser você a endireitá-lo!
GEA – Ah, eis o grande artista macho que não se importa, folgado! A terra morre e ele ri! A terra, Eu, a terra, morro e você ri! Você não me ama! Você nunca me amou!
LEO – Mas o que você está dizendo?
GEA – Que não me ama.
ADÃO – Sim, sim, se vê que você não a ama.
LEO – Quieto, serviçal. Mas, Gea, você tem mesmo que fazer essa ceninha logo aqui? Agora? Na frente de todos?
VEGE-VEGA-FRUG – Herbívoros de todo o mundo, uni-vos!
VEGANA – Está escrito: “Não matarás!” Eu sou o Senhor teu “Bio”.
FRUG – Não terás nenhum outro “Bio” além de mim.
VEGANA – Vós sanguinarios, onívoros e carnívoros não matareis e não comerei mais nenhum animal!
CARNÍVORO – Este mundo é livre! E cada um pode comer aquilo que bem entender! Viva a tripa!
ESFOMEADO – Estou com fomeeee!
VEGETARIANA – Não! Não! Que horror!  A vossa liberdade termina onde começa a nossa.
ABRAÃO – Irmãos, irmãs, paz, shalom, comam kosher!
ISMAEL – Viva a guerra santa pelo alimento puro!
FRUGÍVORA – Que não é o Kebab!
ESFOMEADO – Estou com fomeeee!
DOUTOR– A saúde, senhores, a saúde antes de tudo!
CARN/ONÍ/GULOSA/CRUD – (pegando garfos e facas) A morte aos biológicos!
VEGE-VEGA-FRUG – (fogem) Socorrooo! Vão nos matar!
LEO – (gritando) Alt! Stop! Parados todos!
SIMONAL – Paz! Paz!
MARTA – Amigaas! Amigos!
(mas de qualquer forma a batalha de todos contra todos foi declarada, voam pedaços de salada, guardanapos, farinha branca etc., alguns combatem entre si com panelas e tampas e colheres de pau; o Crudívoro segue a Vegana gritando: “Vem que eu te como crua!” “Socorro” grita ela “um canibal!”; Gea sobe na mesa e grita como uma possuída: “Não, a indústria agro-alimentar! Nos faz mal! Nos faz mal! Abaixo a cidade! Viva os camponeses!”. A Celiaca: “Viva a terra!”. O esfomeado repete jogando-se sobre os pedaços de comida que caem pelo chão: “Estou com fome!” O doutor: “Façam Dieta! Façam dieta! Dieta dos pontos, Dieta da Proteína, Dieta Dunkan, Dieta da Banana etc.”. Voam insultos de todos os tipos. “Anoréxica! Pançuda! Gorducho! Batateira!” “Vendido” “Porco,  suíno!” etc.
Leo, Simonal, Marta, Adão e Eva tentam se colocar no meio para acalmar os ânimos ou para fazer as pessoas permanecerem em seus lugares, organizar o que conseguem, música apocaliptica em crescente, no máximo do caos, dos gritos, da bagunça, Adão tem  uma ideia e grita)
ADÃO – Parados todos! Vamos fazer uma selfie!
(Todos param como por encanto. Quem consegue pega o celular e todos, sozinhos ou em pequenos grupos tiram a foto, mas Eva empurra uns e outros para posicioná-los ao fundo no refeitório e, quando todos estão organizados, se olham no próprio celular como se fosse espelho. Adão faz a foto coletiva gritando “Cheese”. Então cada qual com o seu ceular na mão está na santa paz, se olhando e respondendo ao próprio celular. Uma série de musiquinhas smart sancionam a paz solitária.
Enquanto Leo e Ava organizam o campo de batalha, Eva, Adão, Simone, Marta e todos os que puderem servem aos espectadores o primeiro prato.)

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Semana que vem tem mais!

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A Primeira Ceia

Nesta semana o Círculo Artístico Teodora inicia a postagem de um texto teatral inédito no Brasil, chamado A Primeira Ceia, de Claudio Bernardi. Postaremos uma parte por semana para que os nossos leitores possam acompanhar a trama e deixar um pouco de curiosidade para a semana seguinte.
 Antes de mais nada, sentimos a necessidade de apresentar o autor: Claudio Bernardi.



O Professor Bernardi, como é conhecido, é professor de Teatro Social na Università Cattolica di Milano, na Italia, onde foi orientador de nossa presidente Claudia Venturi.







É formado em História do Teatro, pela Università Cattolica di Milano, em 1977, com o Professor Sisto Dalla Palma. Dois anos mais tarde recebe o diploma de especialização em Crítica Teatral pela Scuola Superiore in Comunicazioni Sociali di Milano.
É pesquisador de Disciplinas Teatrais e do Espetáculo na Università Cattolica di Milano e coordenador da área Teatral e professor de História do Teatro e Antropologia Teatral na Università Cattolica di Brescia. Também ensina Dramaturgia, Ritos, Mitos e Simbolos das Organizações.
Atualmente é Diretor do Mestrado em Organização de Eventos Culturais e Diretor Artísticos da Seção de Teatro Social e dramaturgia de comunidades; Co-diretor artístico de Crucifixus, Festival de Primavera, Teatro, Música e Tradições do Sagrado. Membro do Comitê Científico da Revista Comunicazioni sociali. Consultor e colaborador de entidades públicas e privadas para projetos de pesquisa, formação, ação de Teatro Social e dramaturgia de comunidades.

Sobre o texto:
La Prima Cena, estreiou em Milão, no Teatro del Pime, em 26 de Maio de 2015. É um texto relevante para o período e a cidade, porque coloca em discussão a preocupação com a alimentação, vinculada a características culturais, religiosas e relacionais. Neste ano acontece a EXPO Milano 2015, no período entre 1º de maio e 31 de Outubro, um grandíssimo evento internacional sobre alimentação e nutrição saudável (http://www.expo2015.org/en/index.html?packedargs=op=changeLang), também em Milão se localiza a famosa pintura de Leonardo da Vinci, a Última Ceia, no Cenacolo Vinciano da Igreja Santa Maria delle Grazie.

Abaixo transcrevemos a primeira parte - Párodo e Primeiro Ato - do texto La Prima Cena, de Claudio Bernardi, com tradução de Claudia Venturi

Claudio Bernardi - Tradução de Claudia Venturi
A Primeira Ceia
convivio teatral em cinco pr-atos sobre alimentação e muito mais

Em uma grande sala (ou em um belo jardim aberto) com 12 mesas, cada uma para 12 convidados, dispostas em forma circular ou retangular com ao centro a mesa do Cenáculo, completamente desmontada, mas com treze cadeiras ou lugares.
Musica de fundo. Todo o grupo de atores recebe os convidadosi (144) e os acompagnam ao lugar reservado para eles. Sobre cada mesa há: a) o nome da mesa, cada um correspondente a um estilo alimentar (onívoros, carnívoros, crudivoros, vegetarianos, veganos, frugívoros, gourmet, famintos, aficcionados em saúde, intolerantes, kosher, mussulmanos); b) os nomes de cada um dos convidados; c) o Menu/programa de sala com o título (cabeçario), a imagem do cenáculo de Leonardo, mas sem os apostolos e Cristo – há o vazio – (p. 1), o menu da ceia (p. 3), uma breve apresentação-provocação da ceia (p. 2), o elenco dos atores, técnicos, colaboradores, entes, instituições etc. que contribuiram com os agradecimentos e, no fundo o lema do evangelho: “Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (João, 6, 27) (p. 4).

PÁRODO

Organizados todos os convidados, se apresentam Marta e Simonal, a primeira chef e o segundo mordomo do cenáculo, com Adão, o garçom, e Eva, a enóloga.

SIMONAL e MARTA – Boa noite!
SIMONAL – Eu sou Simone.
MARTA – E eu Marta.
SIMONAL – Vos convidamos nesta noite para…
MARTA – Espera, têm eles…(indica Adão e Eva)
ADÃO – Adão, um vosso criado!
EVA – E eu sou Eva,
ADÃO – a funcionária do fruto proibido, a uva!
MARTA – Mas não, é a nossa expert em vinhos!
SIMONAL – ...Dizia que vos convidamos aqui nesta noite para um experimento.
MARTA – Queremos abrir um novo restaurante.
EVA – Um verdadeiro revigoramento.
ADÃO – Onde dirás, depois, ou como me sinto revigorado ou como me sinto revigorado!
SIMONAL – Sim, um verdadeiro revigoramento.
MARTA – Do corpo. E da alma.
ADÃO – Com bom alimento material
EVA – e tanto espirito (para Adão) Não diga!
ADÃO – O espirito “di-vino” – de vinho!
EVA – Ele disse.
SIMONAL – Sim, aqui em uma cidade com tantos restaurantes.
ADÃO – Ótimos e abundantes.
MARTA – Mas nenhum nutre a mente.
EVA – Ou amplia o coração.
SIMONAL – Tantos saem de casa para comer.
MARTA – Vão em casal ou com a familia.
EVA – Com as amigas e os amigos.
ADÃO – Até mesmo os azarados saem! Com os parentes. Avarentos.
SIMONAL – Cada grupo, no entanto, fica por sua conta.
MARTA – Fechado no seu círculo.
EVA – Não se abre. Não dialoga.
SIMONAL – Não imagina…
MARTA – …um outro modo de estar à mesa.
SIMONAL – Por isso nós sonhamos…
MARTA – …um restaurante que não existe.
EVA – Um Cenáculo.
ADÃO – Isto é, se o fizermos, assim iremos chamá-lo!
MARTA – Sonhamos um local onde você entra pobre e sai rico. De  encontros e esperanças.
SIMONAL – Sonhamos experiências dentro e fora de nós,
EVA – para degustar o mundo que serà. Um mundo não de conflitos, mas de convívios.
ADÃO – Quem não come acompanhado ou é um ladrão ou é um dedo-duro (os três o fulminam com o olhar).
SIMONAL – Todos vamos comer  no chinês, no indiano, no mexicano, mas eles…
MARTA – …o chinês, o indiano, o mexicano…
SIMONAL – Os conhecemos? Falamos com eles? Interagimos?
ADÃO – Alt! (se dirige ao público) Eu disse a eles. Vocês são loucos.
EVA – Por que a ideia é boa, mas pode ser feito?
MARTA – Não há nada que una como a comida…
SIMONAL – É o ponto de partida mais fácil: comer juntos…
ADÃO – Não, não, não. Não é possível fazer com que os homens concordem. Não vão conseguir.
SIMONAL – Bem, vamos tentar. Tentar não custa
MARTA – Oh Deus, o arroz! Tá queimando! (sai correndo)
ADÃO – E aqui as pessoas têm sede! Ao menos uma cervejinha…
SIMONAL – Senhores, já os serviremos, mas no final, por favor, digam-nos a vossa opinião…Se conseguirmos abrir um, cem, mil cenáculos, serà uma revolução!
EVA – Mas se este experimento serà uma bola de sabão, que desilusão, pobresinhos…
ADÃO – (indicando os convidados) Coitadinhos deles que estão morrendo de fome e não tem nem uma torradinha! Rápido ao trabalho! (correm todos a servir)
(servem pão, torradinhas, biscoitos, água, bebidas

PRIMEIRO PR-ATTO

SIMONAL – A ideia, a ideia deste cenáculo, eu tenho desde quando eu era criança.
MARTA – A mãe dele falava sobre a Última Ceia.
ADÃO – A quinta-feira Santa foi escolhida para lavar os pés deles.
EVA – O nosso Simonal era um tipo e tanto. Não queria: “Mas por que o padre tem que lavar os meus pés? Eu mesmo os lavo!”
MARTA – Sem falar que naquele dia os pés já tinham sido lavados antes bem umas 7 vezes pela mãe dele,
EVA – E perfumado com Chanel n. 5
ADÃO  – Que o padre disse: “Onde está Marilyn Monroe?”
SIMONAL – Não, não. Eu não estava pensando nos pés. Pensava na Última Ceia.
ADÃO – Ah sim, aquela foi exatamente a Última Ceia! A Última Ceia na qual se sentaram a mesa em 13.
EVA – É mesmo, naquela noite o 13 deu azar.
ADÃO – Jesus morreu crucificado, Pedro o renegou, Judas, o traidor se enforcou.
SIMONAL – Pedro então se chamava Simonal como eu, mas ainda assim não, eu não pensava na Última Ceia, mas na Primeira Ceia.
ADÃO E EVA – A primeira ceia?
SIMONAL – Sim, a primeira ceia após a última.
ADÃO E EVA – Como a primeira? De primeira nós não entendemos um ca… carvalho.
SIMONAL – Por toda a vida eu pensei nisso. Após a dele…, me perguntei, o que mudou?
EVA – Tudo!
ADÃO – Nada!
SIMONAL – Não, digo, não penso na alma, mas no corpo. O que mudou? Não sei: o modo de estar à mesa, o que comer, o que fazer, o que dizer…
ADÃO (dirigindo-se a Eva) – Nossa como é ignorante! Você não sabe?
EVA – Claro que sabe, caraca! A última Ceia, a instituição da eucarestia, o pão, “este é o meu corpo”, e então pegou o calice, “este é o meu sangue, façam isto em minha memoria…”
ADÃO – Mas Simonal, não acredito! Logo você? Não sabe? Mas é o centro do cristianismo…
MARTA – Mas não, não, Simo não fala da vida e do alimento espiritual, ele esta falando do alimento material…
SIMONAL – Sim, sim, eu busco a Primeira Ceia a despeito de qualquer credo religioso…
(entra Leonardo D’Untempo, que americaniza as palavras o máximo possível, com a assistente manager especializada em Eventos Materiais: Ava Renta Domeusacco)
LEO – Oi, oi, oi para todos, belos e feios. (vai até Simonal e Marta e os abraça) Martaaa! Mas que elegância! Que look! Te vejo divina, simplesmente di-vi-na!
MARTA – Obrigada, Leo.
LEO – Saimon, my darling! Obrigado por ter me convidado. Você teve uma ideia não digo genial, mas simplesmente ge-ni-al!
ADÃO E EVA – Mas que ideia?
LEO – Esta! Esta! A Primeira Ceia! Aqui em Milão! Aonde está a maior Última Ceia, aquela de Leonardo, que tem o mesmo nome que eu!
ADÃO – Mas o Senhor é quem?
LEO – (a Simonal com desprezo) Mas e ele, quem é?
SIMONAL – O nosso primeiro garçom, Adão!
LEO – Serviçal! Não sabe quem sou eu!
AVA RENTA – Senhoras  e senhores vos apresento Leonardo!
ADÃO – Da Vinci!
AVA RENTA – Não, D’Untempo.
ADÃO – (pergunta a Eva) Mas desde quando ele é Leonardo?
EVA – Faz um tempo.
ADÃO – Ah, me desculpe, mas qual é o seu trabalho?
AVA – Life designer.
EVA e ADÃO – Eh?
LEO – Primitivos e ignorantes! Life designer. Desenho e ensino a arte da vida, for example a tua, darling (se dirige a Adão e sempre mais exaltado), a vida de casal, family, team, community, cidades, estados, nações, e….o mundoooo! The wonderful world!
ADÃO – Bum!
EVA – Modesto o cara…
LEO – Belezas, eu desenho belezas! A grande beleza! E a traduzo in life,  porque só a beleza salva o mundo!
SIMONAL – Mas, Leo, olha que este é um simples jantar entre amigos…
LEO – Exatamente! Esta!  Esta é a ideia das ideias! Tem noção disso Saimon?
TODOS – De que coisa?
LEO – Estamos em Milão?
TODOS – Sim. E daí?
LEO – Tem a EXPO?
TODOS – Sim. E daí?
LEO – Não é um evento mundial?
TODOS – Sim.
LEO – Sobre alimentação?
TODOS – Sim.
LEO – A Expo…não deveria ser a virada do século sobre o que e como comer, como nutrir o homem e salvar o planeta? Mas o que digo, planeta! A Terra! A Mãe Terra Mãe! A nossa mamãe.
TODOS – E daí?
LEO – O que vai restar depois de dois, dez, cem anos deste grande evento, a EXPO?
TODOS – mmm!
LEO – Então! Não restará nada. Nada de nada. Nenhuma história, nenhuna imagem!
ADÃO (imitando-o) – Nem mesmo um souvenir! Um prato como recordação!
LEO – Oh Deus, tirem do meu foot este serviçal!
AVA – O mestre Leonardo imagina uma imagem assim bela e poderosa que permanecerá para sempre impressa na mente, mas também tão sábia a ponto de incentivar a boa prática a todas as pessoas.
LEO – Como  a Última Ceia do meu homônimo Leonardo!
SIMONAL – Bem, Leo, Explique-nos o que quer fazer…
LEO – Bem, a Primeira Ceia! Uma imagem, um quadro vivo, uma instalação, um concept, um logo, um brand, que permaneça for ever, nos sécolos dos sécolos.
ADÃO O E EVA – Amén.
LEO – Uma imagem moderna, mas antiga, global mas universal.
MARTA – E a Última Ceia de Leonardo não serve?
LEO – Não, é muito cristã.
MARTA – Tira o Cristo.
LEO – São todos brancos!
ADÃO – Coloca dois apóstolos chineses, dois negros, um índio…
LEO  – São todos homens!
EVA – Então coloca seis homens e seis mulheres…
LEO – Não, não, não serve! Se faço ou todas as religiões ou todas as raças ou todas as idades ou todos os gêneros sexuais…
TODOS – E então?
LEO – O alimento aonde fica?
TODOS – E então?
LEO – E então a minha ideia é a de colocar os doze estilos alimentares que representam todo mundo.
TODOS – Doze? E quais são?
LEO – Não vos direi! Estão chegando!
TODOS – Quem?
AVA – Os doze estilos alimentares.
SIMONAL – E o que você vai fazer com eles?
LEO – Mas o quadro vivo, símbolo da Expo! Tantos gostos e alimentos, mas no mesmo refeitório. Entenderam? Esta será a imagem nova do mundo. Todos diferentes, mas todos amigos. Unidos!
MARTA – Mas, Leo, no centro…, no lugar de Cristo, quem você vai colocar?
LEO – Uma mulher.
EVA – Quem?
LEO – Gea.
EVA – Gea?
LEO – Gea, sim, a terra, a Mãe Terra, quem nos alimenta e nos mantém.
SIMONAL – Legal, muito legal! Sim, eu a vejo..., esta é a Primeira Ceia!
ADÃO – Não, é a CeiOnu!
TODOS – Ceionu?
ADÃO – A ceia da Onu, cei-Onu, a ceia das nações unidas. Se a cabeça divide, a pança  une!
EVA – Sim! Todos juntos, amigos!
MARTA – Adeus aos ódios, às inimizades…
AVA – Às guerras santas, aos egoísmos…
SIMONAL – Leo, Leo, gênio criador da imagem perfeita da harmonia mundial!
LEO – Miss Ava Renta, chame os estilos e prepare a cena…
MARTA – Você é um gênio, Leonardo!
SIMONAL – Sobre a tua imagem, a Primeira Ceia, eu edificarei o mundo que será…
MARTA – Mas não, já está aqui agora, conosco…
LEO – Senhoras e senhores, proponho um brinde à Primeira Ceia. Primeira porque hoje, amanhã, sempre é e será em Primeiro lugar! Tin Tin
(Simonal deseja bom apetite a todos e ordena a entrada dos antipastos; dada a variedade de gostos e dos estilos alimentares das pessoas é aconselhável servir bandeijas com tantos copos ou cestinhas com varias opções, como se faz nos casamentos, de modo a agradar a todos e a não desperdiçar nada).





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Semana que vem postaremos mais uma parte do texto. Então, esperamos por vocês!

sexta-feira, 12 de junho de 2015

QUE SE CUMPRA A LEI!



Após anos e anos de debate e embate com a esfera pública, a classe artística chega à síntese de tantas idas e vindas com uma frase clara e pontual: QUE SE CUMPRA A LEI. Essa não é meramente a absorção de um discurso legalista que ouvimos por parte dos administradores públicos ao longo de tantos anos como desculpa para não realizar nenhuma das metas para a cultura no Estado de Santa Catarina ao longo dos últimos vinte anos; este argumento faz parte de uma construção política que vem sendo amparada nos últimos anos pelo Sistema Nacional de Cultura, que basicamente ataca o maior problema que temos na administração dos recursos e das ações da cultura por parte da esfera pública: políticas de governo que usam o orçamento da cultura como balcão de favores ou financiamento de campanhas e apadrinhados políticos substituídas por um sistema e uma série de leis que implementam uma política cultural de Estado, com metas, critérios, diretrizes e regulamentação.

QUE SE CUMPRA A LEI e os conselhos estaduais e municipais efetivamente tenham força e influência por conta da interface entre sociedade civil (artistas, produtores, representantes de classe) e poder público (entidades, instituições). QUE SE CUMPRA A LEI e os planos de cultura estaduais e municipais sejam elaborados e aprovados na Assembléia e na câmara de vereadores, traçando as diretrizes, prioridades e os critérios para o investimento do orçamento da cultura. QUE SE CUMPRA A LEI dos fundos estaduais e municipais de cultura, que garantirão não apenas repasse de mais verba por parte do Ministério da Cultura, mas que têm a função de distribuir de forma mais transparente o recurso para aqueles que efetivamente têm a função de produzir cultura: os/as artistas.

Mas cumprir estas leis demanda um esforço que parece estar acima das forças dos administradores atuais: porque a manipulação dos interesses dos políticos usando cada ação na esfera pública como barganha de favores, votos e dinheiro sobrepuja qualquer interesse em realmente fazer nascer sistemas estaduais e municipais que garantam a aplicação correta e limpa dos orçamentos da cultura no campo aos quais eles estão destinados. Cumprir as leis significa acabar com uma grande teta, na qual há décadas políticos e administradores sugam qualquer possibilidade de fazer com que a população seja realmente beneficiada com seu próprio dinheiro e estrutura física (teatros, museus, casas de cultura, etc.) no campo da cultura.

Quem quer que tenha se envolvido minimamente com a luta das políticas culturais nos últimos anos sabe que leis são tão abstratas quanto uma tela de Iberê Camargo: cada um enxerga o que quer, se quiser. O primeiro argumento de qualquer político é a garantia da legalidade das ações, seguido de uma noção bastante clara de que as leis existem, mas muitas vezes não são viáveis ou exeqüíveis porque demandam uma transparência, eficiência e inteligência da máquina pública que não existe. Aliás, a inteligência ou competência também são conceitos abstratos em nossa política cultural em Santa Catarina – mas infinitamente menos interessantes e muito mais nocivos do que um Iberê Camargo. A discussão e a demanda hoje, não é repisar o pisado de que a arte a cultura são lindas e importantes: é que se cumpram as leis para que elas possam subsistir em um Estado que tem se empenhado sistematicamente, seja por omissão ou por ação criminosa, a extinguir a produção cultural catarinense.


Reivindicações da Setorial Permanente de Teatro de Florianópolis para o ESTADO DE SANTA CATARINA:

- Constituição e posse imediata do Conselho Estadual de Cultura (CEC);
- Mudanças na política relativa ao Fundo Estadual de Cultural (FUNCULTURAL);
- Publicação, lançamento e pagamento anual  dos editais previstos: Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo a Cultura, Prêmio Catarinense de Cinema e Prêmio de Literatura (Suplemento Cultural de Santa Catarina - Comissão Catarinense do Livro).


Reivindicações da Setorial Permanente de Teatro de Florianópolis para o MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS:

- Assinatura e homologação do Plano Municipal de Cultura (projeto de lei parado na Câmara desde junho de 2014);
- Repasse do recurso do Fundo Municipal de Cultura (último edital e único ocorrido em 2012) anualmente, com valores corrigidos. Lançamento anual de edital público do Fundo Municipal.
- Estruturação e orçamento para a Secretaria de Cultura de Florianópolis e Fundação Franklin Cascaes.

Num cenário tão desastroso, os/as artistas da cidade pedem:


segunda-feira, 8 de junho de 2015

De Niro discursa em Formatura

O que acontece quando um grande ator como Robert de Niro é chamado para discursar na formatura de uma escola de artes?

"Vocês estão fodidos!"




Transcrevemos abaixo algumas partes do discurso - o modo de ver a profissão de seu coração, feito por Robert de Niro, para os formandos em artes da escola Tisch de Artes da Universidade de Nova Iorque:


"Formandos, vocês conseguiram. E estão fodidos. Pensem nisso. [...]

Razão, lógica, senso comum na Escola Tisch de Artes? Vocês estão curtindo com a minha cara? Metade da escolha que vocês fizeram já veio pronta, baseada em seus talentos, ambições e paixãoQuando se sente isso, não se pode lutar contra, você apenas aceita

Fácil não. Livre.

Vocês precisam continuar trabalhando. Simples assim. Vocês passaram por Tisch, o que já é uma grande coisa. Ou, vamos por de outra maneira: passaram por Tisch,ergh, “grande coisa”?

Bom, mas isso é um começo. A partir de hoje, um dia de formatura triunfante, novas portas se abrirão para vocês. Portas para uma vida de rejeição. É inevitável. Isso é o que os formandos chamam de mundo real. Vocês vão descobrir isso em suas experiências de trabalho para um parceiro ou uma empresa, quando estiverem procurando por pessoas que apoiem seus projetos, quando as portas se fecharem quando vocês estiverem buscando visibilidade para algo que vocês escreveram ou quando estiverem procurando por uma direção de arte. Como vocês lidam com isso? Eu li que diazepam funciona. Se bem que não se pode estar muito relaxado para fazer o que nós fazemos. Você não ia querer bloquear muito a dor. Sem a dor, do que falaríamos, não é verdade? Mas eu faria uma exceção de tomar um ou dois copos de uísque se, hipoteticamente, eu tivesse de vir palestrar para milhares de formandos e seus familiares.

Rejeição pode doer, mas eu sinto que, na maioria das vezes, ela tem muito pouco a ver com vocês. Quando se está em um teste, o diretor ou produtor ou investidor pode, simplesmente, ter algo diferente em mente. É assim que funciona. Isso aconteceu comigo recentemente quando eu fui a uma audição para o papel de Martin Luther King em Selma – Uma Luta Pela Igualdade. O que foi muito ruim, porque eu poderia atuar melhor que ninguém. A impressão que tive é de que o papel foi escrito para mim. Mas a diretora queria algo diferente e ela estava certa. Parece que diretores estão sempre certos. Não me entendam mal, David Oyelowo era fantástico.

Quando se é um novato, as opiniões podem não ser levadas em consideração tanto quanto elas serão mais tarde em suas carreiras. Vocês serão contratados porque o diretor verá algo em vocês em suas audições, apresentações, que se encaixará no conceito. Vocês poderão ter a oportunidade de fazer da forma de vocês, mas a decisão final será dos diretores. Mais tarde em suas carreiras, quando tiverem um trabalho de referência, talvez haja mais confiança dos diretores, mas será a mesma coisa. Vocês podem tentar fazer de suas maneiras e o diretor concordar com a versão (o que será bom), mas, se for um filme, a decisão final será do diretor. É melhor que trabalhem juntos. Como atores, vocês sempre quererão ser verdadeiros com seus personagens, com vocês mesmos, mas nas entrelinhas vocês farão parte de um projeto e isso é muito importante. Como diretores ou produtores, vocês também terão de ser verdadeiros consigo e com o mundo.

Um filme, uma dança, uma peça não são pensados para ser um meio de artistas expressarem suas individualidades. O trabalho de Arte depende de contribuições e colaborações de um grupo de artistas. Isso é tão vasto que inclui produção, figurino, fotografia, maquiagem, cabeleireiro, gerentes de palco, diretores assistentes, coreógrafos, etc. etc. Todos fazem trabalho importante, essencial. Diretores, produtores, coreógrafos, diretores artísticos, essas são posições de poder, mas o poder não vem do título. O poder vem da confiança, respeito, visão e, de novo, colaboração.
Mas haverá momentos em que seu melhor não será o suficiente, pode haver muitas razões para isso. Mas desde que vocês deem seu melhor, estará tudo bem. Vocês tiraram sempre 10 na escola? Se sim, muito bom para vocês, parabéns! Mas no mundo real nunca mais tirarão sempre 10, porque há altos e baixos.

O que quero dizer para vocês hoje é que está tudo bem. Ao invés de chapéus e becas hoje, eu posso ver vocês se graduando com uma camisa onde está escrita a palavra “Rejeição” na parte de trás. Nada pessoal. E na frente está escrito “Próximo!”. Não entenderam essa parte? É isso que quero passar aqui: “Próximo!”. É essa a palavra que deverão gritar quando não pegarem alguma parte, quando não conseguirem aquele papel de garçom no White Oak Tavern. Vocês terão o próximo, o próximo show com o papel bar tenders. Vocês não entraram para Julliard? “Próximo!” Vocês entrarão para a Tisch. Mas, é claro, escolher a Tisch é como escolher a Arte: não é a primeira escolha, é a única.

As amizades, associações, parcerias, e relações de trabalho são tesouro no início de sua carreira. Vocês nunca saberão o que pode surgir delas. Pode ser uma grande ideia criativa ou um pequeno detalhe que fará uma grande impressão.

Amizades, pessoas boas de trabalho, colaborações. Vocês nunca saberão o que pode surgir delas. Portanto, fiquem próximos aos seus amigos criativos.

Martin Scorsese esteve discursando aqui ano passado e agora aqui estou eu (nós estamos) numa sexta feira em um tipo de mega versão de sala de aula. Aqui estão vocês para celebrar sua conquista até agora, bem como sua mudança para um futuro rico e desafiador. E eu? Estou aqui para distribuir meu currículo para vocês, diretores e produtores que acabem de se formar. Estou excitado e honrado de estar numa sala cheia de jovens criadores que me fazem esperançosos sobre o futuro da Arte. Eu sei que conseguirão. Todos vocês.

Merda para vocês!

Próximo!"

Robert De Niro, 2015. Tradução: Herbert Santana
(vídeo e discurso completo em: http://www.papodehomem.com.br/voces-estao-fodidos-o-discurso-de-robert-de-niro-na-universidade-de-nova-iorque)