sexta-feira, 19 de junho de 2015

A Primeira Ceia

Nesta semana o Círculo Artístico Teodora inicia a postagem de um texto teatral inédito no Brasil, chamado A Primeira Ceia, de Claudio Bernardi. Postaremos uma parte por semana para que os nossos leitores possam acompanhar a trama e deixar um pouco de curiosidade para a semana seguinte.
 Antes de mais nada, sentimos a necessidade de apresentar o autor: Claudio Bernardi.



O Professor Bernardi, como é conhecido, é professor de Teatro Social na Università Cattolica di Milano, na Italia, onde foi orientador de nossa presidente Claudia Venturi.







É formado em História do Teatro, pela Università Cattolica di Milano, em 1977, com o Professor Sisto Dalla Palma. Dois anos mais tarde recebe o diploma de especialização em Crítica Teatral pela Scuola Superiore in Comunicazioni Sociali di Milano.
É pesquisador de Disciplinas Teatrais e do Espetáculo na Università Cattolica di Milano e coordenador da área Teatral e professor de História do Teatro e Antropologia Teatral na Università Cattolica di Brescia. Também ensina Dramaturgia, Ritos, Mitos e Simbolos das Organizações.
Atualmente é Diretor do Mestrado em Organização de Eventos Culturais e Diretor Artísticos da Seção de Teatro Social e dramaturgia de comunidades; Co-diretor artístico de Crucifixus, Festival de Primavera, Teatro, Música e Tradições do Sagrado. Membro do Comitê Científico da Revista Comunicazioni sociali. Consultor e colaborador de entidades públicas e privadas para projetos de pesquisa, formação, ação de Teatro Social e dramaturgia de comunidades.

Sobre o texto:
La Prima Cena, estreiou em Milão, no Teatro del Pime, em 26 de Maio de 2015. É um texto relevante para o período e a cidade, porque coloca em discussão a preocupação com a alimentação, vinculada a características culturais, religiosas e relacionais. Neste ano acontece a EXPO Milano 2015, no período entre 1º de maio e 31 de Outubro, um grandíssimo evento internacional sobre alimentação e nutrição saudável (http://www.expo2015.org/en/index.html?packedargs=op=changeLang), também em Milão se localiza a famosa pintura de Leonardo da Vinci, a Última Ceia, no Cenacolo Vinciano da Igreja Santa Maria delle Grazie.

Abaixo transcrevemos a primeira parte - Párodo e Primeiro Ato - do texto La Prima Cena, de Claudio Bernardi, com tradução de Claudia Venturi

Claudio Bernardi - Tradução de Claudia Venturi
A Primeira Ceia
convivio teatral em cinco pr-atos sobre alimentação e muito mais

Em uma grande sala (ou em um belo jardim aberto) com 12 mesas, cada uma para 12 convidados, dispostas em forma circular ou retangular com ao centro a mesa do Cenáculo, completamente desmontada, mas com treze cadeiras ou lugares.
Musica de fundo. Todo o grupo de atores recebe os convidadosi (144) e os acompagnam ao lugar reservado para eles. Sobre cada mesa há: a) o nome da mesa, cada um correspondente a um estilo alimentar (onívoros, carnívoros, crudivoros, vegetarianos, veganos, frugívoros, gourmet, famintos, aficcionados em saúde, intolerantes, kosher, mussulmanos); b) os nomes de cada um dos convidados; c) o Menu/programa de sala com o título (cabeçario), a imagem do cenáculo de Leonardo, mas sem os apostolos e Cristo – há o vazio – (p. 1), o menu da ceia (p. 3), uma breve apresentação-provocação da ceia (p. 2), o elenco dos atores, técnicos, colaboradores, entes, instituições etc. que contribuiram com os agradecimentos e, no fundo o lema do evangelho: “Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (João, 6, 27) (p. 4).

PÁRODO

Organizados todos os convidados, se apresentam Marta e Simonal, a primeira chef e o segundo mordomo do cenáculo, com Adão, o garçom, e Eva, a enóloga.

SIMONAL e MARTA – Boa noite!
SIMONAL – Eu sou Simone.
MARTA – E eu Marta.
SIMONAL – Vos convidamos nesta noite para…
MARTA – Espera, têm eles…(indica Adão e Eva)
ADÃO – Adão, um vosso criado!
EVA – E eu sou Eva,
ADÃO – a funcionária do fruto proibido, a uva!
MARTA – Mas não, é a nossa expert em vinhos!
SIMONAL – ...Dizia que vos convidamos aqui nesta noite para um experimento.
MARTA – Queremos abrir um novo restaurante.
EVA – Um verdadeiro revigoramento.
ADÃO – Onde dirás, depois, ou como me sinto revigorado ou como me sinto revigorado!
SIMONAL – Sim, um verdadeiro revigoramento.
MARTA – Do corpo. E da alma.
ADÃO – Com bom alimento material
EVA – e tanto espirito (para Adão) Não diga!
ADÃO – O espirito “di-vino” – de vinho!
EVA – Ele disse.
SIMONAL – Sim, aqui em uma cidade com tantos restaurantes.
ADÃO – Ótimos e abundantes.
MARTA – Mas nenhum nutre a mente.
EVA – Ou amplia o coração.
SIMONAL – Tantos saem de casa para comer.
MARTA – Vão em casal ou com a familia.
EVA – Com as amigas e os amigos.
ADÃO – Até mesmo os azarados saem! Com os parentes. Avarentos.
SIMONAL – Cada grupo, no entanto, fica por sua conta.
MARTA – Fechado no seu círculo.
EVA – Não se abre. Não dialoga.
SIMONAL – Não imagina…
MARTA – …um outro modo de estar à mesa.
SIMONAL – Por isso nós sonhamos…
MARTA – …um restaurante que não existe.
EVA – Um Cenáculo.
ADÃO – Isto é, se o fizermos, assim iremos chamá-lo!
MARTA – Sonhamos um local onde você entra pobre e sai rico. De  encontros e esperanças.
SIMONAL – Sonhamos experiências dentro e fora de nós,
EVA – para degustar o mundo que serà. Um mundo não de conflitos, mas de convívios.
ADÃO – Quem não come acompanhado ou é um ladrão ou é um dedo-duro (os três o fulminam com o olhar).
SIMONAL – Todos vamos comer  no chinês, no indiano, no mexicano, mas eles…
MARTA – …o chinês, o indiano, o mexicano…
SIMONAL – Os conhecemos? Falamos com eles? Interagimos?
ADÃO – Alt! (se dirige ao público) Eu disse a eles. Vocês são loucos.
EVA – Por que a ideia é boa, mas pode ser feito?
MARTA – Não há nada que una como a comida…
SIMONAL – É o ponto de partida mais fácil: comer juntos…
ADÃO – Não, não, não. Não é possível fazer com que os homens concordem. Não vão conseguir.
SIMONAL – Bem, vamos tentar. Tentar não custa
MARTA – Oh Deus, o arroz! Tá queimando! (sai correndo)
ADÃO – E aqui as pessoas têm sede! Ao menos uma cervejinha…
SIMONAL – Senhores, já os serviremos, mas no final, por favor, digam-nos a vossa opinião…Se conseguirmos abrir um, cem, mil cenáculos, serà uma revolução!
EVA – Mas se este experimento serà uma bola de sabão, que desilusão, pobresinhos…
ADÃO – (indicando os convidados) Coitadinhos deles que estão morrendo de fome e não tem nem uma torradinha! Rápido ao trabalho! (correm todos a servir)
(servem pão, torradinhas, biscoitos, água, bebidas

PRIMEIRO PR-ATTO

SIMONAL – A ideia, a ideia deste cenáculo, eu tenho desde quando eu era criança.
MARTA – A mãe dele falava sobre a Última Ceia.
ADÃO – A quinta-feira Santa foi escolhida para lavar os pés deles.
EVA – O nosso Simonal era um tipo e tanto. Não queria: “Mas por que o padre tem que lavar os meus pés? Eu mesmo os lavo!”
MARTA – Sem falar que naquele dia os pés já tinham sido lavados antes bem umas 7 vezes pela mãe dele,
EVA – E perfumado com Chanel n. 5
ADÃO  – Que o padre disse: “Onde está Marilyn Monroe?”
SIMONAL – Não, não. Eu não estava pensando nos pés. Pensava na Última Ceia.
ADÃO – Ah sim, aquela foi exatamente a Última Ceia! A Última Ceia na qual se sentaram a mesa em 13.
EVA – É mesmo, naquela noite o 13 deu azar.
ADÃO – Jesus morreu crucificado, Pedro o renegou, Judas, o traidor se enforcou.
SIMONAL – Pedro então se chamava Simonal como eu, mas ainda assim não, eu não pensava na Última Ceia, mas na Primeira Ceia.
ADÃO E EVA – A primeira ceia?
SIMONAL – Sim, a primeira ceia após a última.
ADÃO E EVA – Como a primeira? De primeira nós não entendemos um ca… carvalho.
SIMONAL – Por toda a vida eu pensei nisso. Após a dele…, me perguntei, o que mudou?
EVA – Tudo!
ADÃO – Nada!
SIMONAL – Não, digo, não penso na alma, mas no corpo. O que mudou? Não sei: o modo de estar à mesa, o que comer, o que fazer, o que dizer…
ADÃO (dirigindo-se a Eva) – Nossa como é ignorante! Você não sabe?
EVA – Claro que sabe, caraca! A última Ceia, a instituição da eucarestia, o pão, “este é o meu corpo”, e então pegou o calice, “este é o meu sangue, façam isto em minha memoria…”
ADÃO – Mas Simonal, não acredito! Logo você? Não sabe? Mas é o centro do cristianismo…
MARTA – Mas não, não, Simo não fala da vida e do alimento espiritual, ele esta falando do alimento material…
SIMONAL – Sim, sim, eu busco a Primeira Ceia a despeito de qualquer credo religioso…
(entra Leonardo D’Untempo, que americaniza as palavras o máximo possível, com a assistente manager especializada em Eventos Materiais: Ava Renta Domeusacco)
LEO – Oi, oi, oi para todos, belos e feios. (vai até Simonal e Marta e os abraça) Martaaa! Mas que elegância! Que look! Te vejo divina, simplesmente di-vi-na!
MARTA – Obrigada, Leo.
LEO – Saimon, my darling! Obrigado por ter me convidado. Você teve uma ideia não digo genial, mas simplesmente ge-ni-al!
ADÃO E EVA – Mas que ideia?
LEO – Esta! Esta! A Primeira Ceia! Aqui em Milão! Aonde está a maior Última Ceia, aquela de Leonardo, que tem o mesmo nome que eu!
ADÃO – Mas o Senhor é quem?
LEO – (a Simonal com desprezo) Mas e ele, quem é?
SIMONAL – O nosso primeiro garçom, Adão!
LEO – Serviçal! Não sabe quem sou eu!
AVA RENTA – Senhoras  e senhores vos apresento Leonardo!
ADÃO – Da Vinci!
AVA RENTA – Não, D’Untempo.
ADÃO – (pergunta a Eva) Mas desde quando ele é Leonardo?
EVA – Faz um tempo.
ADÃO – Ah, me desculpe, mas qual é o seu trabalho?
AVA – Life designer.
EVA e ADÃO – Eh?
LEO – Primitivos e ignorantes! Life designer. Desenho e ensino a arte da vida, for example a tua, darling (se dirige a Adão e sempre mais exaltado), a vida de casal, family, team, community, cidades, estados, nações, e….o mundoooo! The wonderful world!
ADÃO – Bum!
EVA – Modesto o cara…
LEO – Belezas, eu desenho belezas! A grande beleza! E a traduzo in life,  porque só a beleza salva o mundo!
SIMONAL – Mas, Leo, olha que este é um simples jantar entre amigos…
LEO – Exatamente! Esta!  Esta é a ideia das ideias! Tem noção disso Saimon?
TODOS – De que coisa?
LEO – Estamos em Milão?
TODOS – Sim. E daí?
LEO – Tem a EXPO?
TODOS – Sim. E daí?
LEO – Não é um evento mundial?
TODOS – Sim.
LEO – Sobre alimentação?
TODOS – Sim.
LEO – A Expo…não deveria ser a virada do século sobre o que e como comer, como nutrir o homem e salvar o planeta? Mas o que digo, planeta! A Terra! A Mãe Terra Mãe! A nossa mamãe.
TODOS – E daí?
LEO – O que vai restar depois de dois, dez, cem anos deste grande evento, a EXPO?
TODOS – mmm!
LEO – Então! Não restará nada. Nada de nada. Nenhuma história, nenhuna imagem!
ADÃO (imitando-o) – Nem mesmo um souvenir! Um prato como recordação!
LEO – Oh Deus, tirem do meu foot este serviçal!
AVA – O mestre Leonardo imagina uma imagem assim bela e poderosa que permanecerá para sempre impressa na mente, mas também tão sábia a ponto de incentivar a boa prática a todas as pessoas.
LEO – Como  a Última Ceia do meu homônimo Leonardo!
SIMONAL – Bem, Leo, Explique-nos o que quer fazer…
LEO – Bem, a Primeira Ceia! Uma imagem, um quadro vivo, uma instalação, um concept, um logo, um brand, que permaneça for ever, nos sécolos dos sécolos.
ADÃO O E EVA – Amén.
LEO – Uma imagem moderna, mas antiga, global mas universal.
MARTA – E a Última Ceia de Leonardo não serve?
LEO – Não, é muito cristã.
MARTA – Tira o Cristo.
LEO – São todos brancos!
ADÃO – Coloca dois apóstolos chineses, dois negros, um índio…
LEO  – São todos homens!
EVA – Então coloca seis homens e seis mulheres…
LEO – Não, não, não serve! Se faço ou todas as religiões ou todas as raças ou todas as idades ou todos os gêneros sexuais…
TODOS – E então?
LEO – O alimento aonde fica?
TODOS – E então?
LEO – E então a minha ideia é a de colocar os doze estilos alimentares que representam todo mundo.
TODOS – Doze? E quais são?
LEO – Não vos direi! Estão chegando!
TODOS – Quem?
AVA – Os doze estilos alimentares.
SIMONAL – E o que você vai fazer com eles?
LEO – Mas o quadro vivo, símbolo da Expo! Tantos gostos e alimentos, mas no mesmo refeitório. Entenderam? Esta será a imagem nova do mundo. Todos diferentes, mas todos amigos. Unidos!
MARTA – Mas, Leo, no centro…, no lugar de Cristo, quem você vai colocar?
LEO – Uma mulher.
EVA – Quem?
LEO – Gea.
EVA – Gea?
LEO – Gea, sim, a terra, a Mãe Terra, quem nos alimenta e nos mantém.
SIMONAL – Legal, muito legal! Sim, eu a vejo..., esta é a Primeira Ceia!
ADÃO – Não, é a CeiOnu!
TODOS – Ceionu?
ADÃO – A ceia da Onu, cei-Onu, a ceia das nações unidas. Se a cabeça divide, a pança  une!
EVA – Sim! Todos juntos, amigos!
MARTA – Adeus aos ódios, às inimizades…
AVA – Às guerras santas, aos egoísmos…
SIMONAL – Leo, Leo, gênio criador da imagem perfeita da harmonia mundial!
LEO – Miss Ava Renta, chame os estilos e prepare a cena…
MARTA – Você é um gênio, Leonardo!
SIMONAL – Sobre a tua imagem, a Primeira Ceia, eu edificarei o mundo que será…
MARTA – Mas não, já está aqui agora, conosco…
LEO – Senhoras e senhores, proponho um brinde à Primeira Ceia. Primeira porque hoje, amanhã, sempre é e será em Primeiro lugar! Tin Tin
(Simonal deseja bom apetite a todos e ordena a entrada dos antipastos; dada a variedade de gostos e dos estilos alimentares das pessoas é aconselhável servir bandeijas com tantos copos ou cestinhas com varias opções, como se faz nos casamentos, de modo a agradar a todos e a não desperdiçar nada).





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Semana que vem postaremos mais uma parte do texto. Então, esperamos por vocês!

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