Nesta
semana o Círculo Artístico Teodora inicia a postagem de um texto teatral inédito no Brasil, chamado A Primeira Ceia, de Claudio Bernardi. Postaremos uma parte
por semana para que os nossos leitores possam acompanhar a trama e deixar um
pouco de curiosidade para a semana seguinte.
Antes de mais nada, sentimos a necessidade de apresentar o
autor: Claudio Bernardi.
É
formado em História do Teatro, pela Università
Cattolica di Milano, em 1977, com o Professor Sisto Dalla Palma. Dois anos
mais tarde recebe o diploma de especialização em Crítica Teatral pela Scuola Superiore in Comunicazioni Sociali di
Milano.
É
pesquisador de Disciplinas Teatrais e do Espetáculo na Università Cattolica di Milano e coordenador da área Teatral e professor
de História do Teatro e Antropologia Teatral na Università Cattolica di Brescia. Também ensina Dramaturgia, Ritos,
Mitos e Simbolos das Organizações.
Atualmente
é Diretor do Mestrado em Organização de Eventos Culturais e Diretor Artísticos
da Seção de Teatro Social e dramaturgia de comunidades; Co-diretor artístico de
Crucifixus, Festival de Primavera,
Teatro, Música e Tradições do Sagrado. Membro do Comitê Científico da Revista Comunicazioni sociali. Consultor e
colaborador de entidades públicas e privadas para projetos de pesquisa,
formação, ação de Teatro Social e dramaturgia de comunidades.
Sobre o texto:
La
Prima Cena, estreiou em Milão, no Teatro del Pime, em 26 de Maio de
2015. É um texto relevante para o período e a cidade, porque coloca em
discussão a preocupação com a alimentação, vinculada a características
culturais, religiosas e relacionais. Neste ano acontece a EXPO Milano 2015, no
período entre 1º de maio e 31 de Outubro, um grandíssimo evento internacional
sobre alimentação e nutrição saudável (http://www.expo2015.org/en/index.html?packedargs=op=changeLang),
também em Milão se localiza a famosa pintura de Leonardo da Vinci, a Última Ceia, no Cenacolo Vinciano da Igreja Santa Maria delle Grazie.
Abaixo transcrevemos a primeira parte - Párodo e Primeiro Ato - do texto La Prima Cena, de Claudio Bernardi, com tradução de Claudia Venturi
Claudio
Bernardi - Tradução de Claudia Venturi
A Primeira Ceia
convivio teatral em cinco pr-atos sobre alimentação
e muito mais
Em uma grande sala (ou em um belo jardim aberto) com
12 mesas, cada uma para 12 convidados, dispostas em forma circular ou retangular
com ao centro a mesa do Cenáculo,
completamente desmontada, mas com treze cadeiras ou lugares.
Musica de fundo. Todo o grupo de atores recebe os
convidadosi (144) e os acompagnam ao lugar reservado para eles. Sobre cada mesa
há: a) o nome da mesa, cada um correspondente a um estilo alimentar (onívoros,
carnívoros, crudivoros, vegetarianos, veganos, frugívoros, gourmet, famintos, aficcionados
em saúde, intolerantes, kosher, mussulmanos); b) os nomes de cada um dos
convidados; c) o Menu/programa de sala com o título (cabeçario), a imagem do
cenáculo de Leonardo, mas sem os apostolos e Cristo – há o vazio – (p. 1), o
menu da ceia (p. 3), uma breve apresentação-provocação da ceia (p. 2), o elenco
dos atores, técnicos, colaboradores, entes, instituições etc. que contribuiram
com os agradecimentos e, no fundo o lema do evangelho: “Trabalhai, não pelo
alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (João,
6, 27) (p. 4).
PÁRODO
Organizados todos os convidados, se apresentam Marta
e Simonal, a primeira chef e o segundo mordomo do cenáculo, com Adão, o garçom,
e Eva, a enóloga.
SIMONAL e MARTA
– Boa noite!
SIMONAL – Eu sou
Simone.
MARTA – E eu
Marta.
SIMONAL – Vos convidamos
nesta noite para…
MARTA – Espera,
têm eles…(indica Adão e Eva)
ADÃO – Adão, um
vosso criado!
EVA – E eu sou
Eva,
ADÃO – a
funcionária do fruto proibido, a uva!
MARTA – Mas não,
é a nossa expert em vinhos!
SIMONAL – ...Dizia que
vos convidamos aqui nesta noite para um experimento.
MARTA – Queremos
abrir um novo restaurante.
EVA – Um verdadeiro
revigoramento.
ADÃO – Onde
dirás, depois, ou como me sinto revigorado ou como me sinto revigorado!
SIMONAL – Sim, um
verdadeiro revigoramento.
MARTA – Do
corpo. E da alma.
ADÃO – Com bom alimento
material
EVA – e tanto espirito
(para Adão) Não diga!
ADÃO – O espirito
“di-vino” – de vinho!
EVA – Ele disse.
SIMONAL – Sim, aqui
em uma cidade com tantos restaurantes.
ADÃO – Ótimos e
abundantes.
MARTA – Mas nenhum
nutre a mente.
EVA – Ou amplia
o coração.
SIMONAL – Tantos
saem de casa para comer.
MARTA – Vão em casal ou com a familia.
EVA – Com as
amigas e os amigos.
ADÃO – Até
mesmo os azarados saem! Com os parentes. Avarentos.
SIMONAL – Cada
grupo, no entanto, fica por sua conta.
MARTA – Fechado
no seu círculo.
EVA – Não se abre.
Não dialoga.
SIMONAL – Não
imagina…
MARTA – …um outro
modo de estar à mesa.
SIMONAL – Por isso
nós sonhamos…
MARTA – …um restaurante
que não existe.
EVA – Um Cenáculo.
ADÃO – Isto é,
se o fizermos, assim iremos chamá-lo!
MARTA – Sonhamos
um local onde você entra pobre e sai rico. De
encontros e esperanças.
SIMONAL – Sonhamos
experiências dentro e fora de nós,
EVA – para degustar
o mundo que serà. Um mundo não de conflitos, mas de convívios.
ADÃO – Quem não
come acompanhado ou é um ladrão ou é um dedo-duro (os três o fulminam com o olhar).
SIMONAL – Todos vamos
comer no chinês, no indiano, no mexicano,
mas eles…
MARTA – …o chinês,
o indiano, o mexicano…
SIMONAL – Os conhecemos?
Falamos com eles? Interagimos?
ADÃO – Alt! (se dirige ao público) Eu disse a eles. Vocês
são loucos.
EVA – Por que a
ideia é boa, mas pode ser feito?
MARTA – Não há
nada que una como a comida…
SIMONAL – É o ponto
de partida mais fácil: comer juntos…
ADÃO – Não, não,
não. Não é possível fazer com que os homens concordem. Não vão conseguir.
SIMONAL – Bem, vamos
tentar. Tentar não custa
MARTA – Oh Deus,
o arroz! Tá queimando! (sai correndo)
ADÃO – E aqui as
pessoas têm sede! Ao menos uma cervejinha…
SIMONAL – Senhores,
já os serviremos, mas no final, por favor, digam-nos a vossa opinião…Se conseguirmos
abrir um, cem, mil cenáculos, serà uma revolução!
EVA – Mas se
este experimento serà uma bola de sabão, que desilusão, pobresinhos…
ADÃO – (indicando os convidados) Coitadinhos
deles que estão morrendo de fome e não tem nem uma torradinha! Rápido ao trabalho!
(correm todos a servir)
(servem pão, torradinhas, biscoitos, água, bebidas)
PRIMEIRO PR-ATTO
SIMONAL – A ideia,
a ideia deste cenáculo, eu tenho desde quando eu era criança.
MARTA – A mãe
dele falava sobre a Última Ceia.
ADÃO – A
quinta-feira Santa foi escolhida para lavar os pés deles.
EVA – O nosso
Simonal era um tipo e tanto. Não queria: “Mas por que o padre tem que lavar os
meus pés? Eu mesmo os lavo!”
MARTA – Sem
falar que naquele dia os pés já tinham sido lavados antes bem umas 7 vezes pela
mãe dele,
EVA – E perfumado
com Chanel n. 5
ADÃO – Que o padre disse: “Onde está Marilyn
Monroe?”
SIMONAL – Não,
não. Eu não estava pensando nos pés. Pensava na Última Ceia.
ADÃO – Ah sim, aquela
foi exatamente a Última Ceia! A Última Ceia na qual se sentaram a mesa em 13.
EVA – É mesmo, naquela noite o 13 deu azar.
ADÃO – Jesus
morreu crucificado, Pedro o renegou, Judas, o traidor se enforcou.
SIMONAL – Pedro
então se chamava Simonal como eu, mas ainda assim não, eu não pensava na Última
Ceia, mas na Primeira Ceia.
ADÃO E EVA – A
primeira ceia?
SIMONAL – Sim,
a primeira ceia após a última.
ADÃO E EVA –
Como a primeira? De primeira nós não entendemos um ca… carvalho.
SIMONAL – Por toda
a vida eu pensei nisso. Após a dele…, me perguntei, o que mudou?
EVA – Tudo!
ADÃO – Nada!
SIMONAL – Não,
digo, não penso na alma, mas no corpo. O que mudou? Não sei: o modo de estar à
mesa, o que comer, o que fazer, o que dizer…
ADÃO (dirigindo-se a Eva) – Nossa como é
ignorante! Você não sabe?
EVA – Claro que
sabe, caraca! A última Ceia, a instituição da eucarestia, o pão, “este é o meu corpo”,
e então pegou o calice, “este é o meu sangue, façam isto em minha memoria…”
ADÃO – Mas
Simonal, não acredito! Logo você? Não sabe? Mas é o centro do cristianismo…
MARTA – Mas não,
não, Simo não fala da vida e do alimento espiritual, ele esta falando do alimento
material…
SIMONAL – Sim,
sim, eu busco a Primeira Ceia a despeito de qualquer credo religioso…
(entra Leonardo D’Untempo, que americaniza as
palavras o máximo possível, com a assistente manager especializada em Eventos
Materiais: Ava Renta Domeusacco)
LEO – Oi, oi,
oi para todos, belos e feios. (vai até
Simonal e Marta e os abraça) Martaaa! Mas que elegância! Que look! Te vejo
divina, simplesmente di-vi-na!
MARTA – Obrigada,
Leo.
LEO – Saimon,
my darling! Obrigado por ter me convidado. Você teve uma ideia não digo genial,
mas simplesmente ge-ni-al!
ADÃO E EVA – Mas
que ideia?
LEO – Esta! Esta!
A Primeira Ceia! Aqui em Milão! Aonde está a maior Última Ceia, aquela de
Leonardo, que tem o mesmo nome que eu!
ADÃO – Mas o
Senhor é quem?
LEO – (a Simonal com desprezo) Mas e ele, quem é?
SIMONAL – O nosso
primeiro garçom, Adão!
LEO – Serviçal!
Não sabe quem sou eu!
AVA RENTA – Senhoras e senhores vos apresento Leonardo!
ADÃO – Da
Vinci!
AVA RENTA – Não,
D’Untempo.
ADÃO – (pergunta a Eva) Mas desde quando ele é
Leonardo?
EVA – Faz um
tempo.
ADÃO – Ah, me desculpe,
mas qual é o seu trabalho?
AVA – Life designer.
EVA e ADÃO –
Eh?
LEO – Primitivos
e ignorantes! Life designer. Desenho
e ensino a arte da vida, for example a tua, darling (se dirige a Adão e sempre mais exaltado), a vida
de casal, family, team, community, cidades, estados, nações, e….o mundoooo! The
wonderful world!
ADÃO – Bum!
EVA – Modesto o
cara…
LEO – Belezas, eu
desenho belezas! A grande beleza! E a traduzo in life, porque só a beleza salva o mundo!
SIMONAL – Mas,
Leo, olha que este é um simples jantar entre amigos…
LEO – Exatamente!
Esta! Esta é a ideia das ideias! Tem
noção disso Saimon?
TODOS – De que coisa?
LEO – Estamos
em Milão?
TODOS – Sim. E daí?
LEO – Tem a EXPO?
TODOS – Sim. E daí?
LEO – Não é um
evento mundial?
TODOS – Sim.
LEO – Sobre
alimentação?
TODOS – Sim.
LEO – A Expo…não
deveria ser a virada do século sobre o que e como comer, como nutrir o homem e
salvar o planeta? Mas o que digo, planeta! A Terra! A Mãe Terra Mãe! A nossa mamãe.
TODOS – E daí?
LEO – O que vai
restar depois de dois, dez, cem anos deste grande evento, a EXPO?
TODOS – mmm!
LEO – Então! Não
restará nada. Nada de nada. Nenhuma história, nenhuna imagem!
ADÃO (imitando-o) – Nem mesmo um souvenir! Um
prato como recordação!
LEO – Oh Deus, tirem
do meu foot este serviçal!
AVA – O mestre
Leonardo imagina uma imagem assim bela e poderosa que permanecerá para sempre impressa
na mente, mas também tão sábia a ponto de incentivar a boa prática a todas as
pessoas.
LEO – Como a Última Ceia do meu homônimo Leonardo!
SIMONAL – Bem,
Leo, Explique-nos o que quer fazer…
LEO – Bem, a Primeira
Ceia! Uma imagem, um quadro vivo, uma instalação, um concept, um logo, um brand,
que permaneça for ever, nos sécolos dos sécolos.
ADÃO O E EVA –
Amén.
LEO – Uma imagem
moderna, mas antiga, global mas universal.
MARTA – E a Última
Ceia de Leonardo não serve?
LEO – Não, é muito
cristã.
MARTA – Tira o
Cristo.
LEO – São todos
brancos!
ADÃO – Coloca dois
apóstolos chineses, dois negros, um índio…
LEO – São todos homens!
EVA – Então
coloca seis homens e seis mulheres…
LEO – Não, não,
não serve! Se faço ou todas as religiões ou todas as raças ou todas as idades ou
todos os gêneros sexuais…
TODOS – E então?
LEO – O
alimento aonde fica?
TODOS – E então?
LEO – E então a
minha ideia é a de colocar os doze estilos alimentares que representam todo mundo.
TODOS – Doze? E
quais são?
LEO – Não vos
direi! Estão chegando!
TODOS – Quem?
AVA – Os doze estilos
alimentares.
SIMONAL – E o
que você vai fazer com eles?
LEO – Mas o
quadro vivo, símbolo da Expo! Tantos gostos e alimentos, mas no mesmo refeitório.
Entenderam? Esta será a imagem nova do mundo. Todos diferentes, mas todos amigos.
Unidos!
MARTA – Mas,
Leo, no centro…, no lugar de Cristo, quem você vai colocar?
LEO – Uma mulher.
EVA – Quem?
LEO – Gea.
EVA – Gea?
LEO – Gea, sim,
a terra, a Mãe Terra, quem nos alimenta e nos mantém.
SIMONAL – Legal,
muito legal! Sim, eu a vejo..., esta é a Primeira Ceia!
ADÃO – Não, é a
CeiOnu!
TODOS – Ceionu?
ADÃO – A ceia da
Onu, cei-Onu, a ceia das nações unidas. Se a cabeça divide, a pança une!
EVA – Sim! Todos
juntos, amigos!
MARTA – Adeus
aos ódios, às inimizades…
AVA – Às
guerras santas, aos egoísmos…
SIMONAL – Leo,
Leo, gênio criador da imagem perfeita da harmonia mundial!
LEO – Miss Ava
Renta, chame os estilos e prepare a cena…
MARTA – Você é
um gênio, Leonardo!
SIMONAL – Sobre
a tua imagem, a Primeira Ceia, eu edificarei o mundo que será…
MARTA – Mas não,
já está aqui agora, conosco…
LEO – Senhoras
e senhores, proponho um brinde à Primeira Ceia. Primeira porque hoje, amanhã,
sempre é e será em Primeiro lugar! Tin Tin
(Simonal deseja bom apetite a todos e ordena a
entrada dos antipastos; dada a variedade de gostos e dos estilos alimentares das
pessoas é aconselhável servir bandeijas com tantos copos ou cestinhas com varias
opções, como se faz nos casamentos, de modo a agradar a todos e a não desperdiçar
nada).
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Semana que vem postaremos mais uma parte do texto. Então, esperamos por vocês!
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