SCHECHNER, Richard. “L´émotion qu´on veut éveiller
n´est pas celle de l´acteur, mais celle du spectateur” [A emoção que se quer
despertar não é a do ator, mas a do espectador], p. 295-313, in FÉRAL, Josette. Mise en scène et Jeu de l´acteur. Tome 2: Le corps en
scène
[Encenação e Atuação do Ator. Tomo 2: O
Corpo em Cena]. Montréal (Québec)/ Carnières (Morlanwelz): Jeu/Lansman, 2001. —
Tradução de José Ronaldo Faleiro.
A emoção que se quer despertar não é a do ator, mas a
do espectador
RICHARD SCHECHNER é
encenador e também eminente pedagogo e teórico. Leciona arte dramática na Tisch
School of the Arts da Universidade de Nova Iorque desde 1967, após ter sido
professor associado na Tulane University, onde obteve seu doutorado em 1962. É
também diretor de The Drama Review: A
Jornal of Performance Studies.
Em
1967, Richard Schechner funda o Performance Group, que instala num lugar
batizado de Performing Garage, onde trabalha sobretudo com a noção de espaço no
teatro. Sua primeira produção, Dionysos
in 69, se baseia em As Bacantes,
de Eurípides, e aposta na improvisação e no desenvolvimento do aspecto
cerimonial. Seguem, entre outras, The
Tooth of Crime (1972) e O Balcão,
a partir de Jean Genet (1980). Depois disso, cessa sua atividade dentro do
grupo.
Durante os anos oitenta, dirige muitos
espetáculos em escolas situadas na Europa e na Ásia. É freqüentemente convidado
como professor em Frankfurt e em Giessen, na Alemanha (1996 e 1997), ou no
Instituto Superior de Arte de Havana (1993), bem como na Academia de Teatro de
Xangai (1995).
Em 1991, Richard Schechner funda o East Coast
Artists Group, com quem continua a trabalhar até hoje como diretor artístico.
Com esse grupo, encena Fausto Gastrônomo
(1993), uma adaptação personalizada do Faust
de Goethe, e, mais recentemente, em 1995, As Três Irmãs, de Anton Tchekhov, situando cada ato da peça em
períodos diferentes. Em 1995, vai também a Taiwan para dirigir, em chinês, sua
própria interpretação de A Oréstia,
de Ésquilo, com o Contemporary Legend Theatre of Taipei.
Richard Schechner publicou muitos ensaios
sobre o teatro, que foram traduzidos em oito línguas. Entre essas obras, citemos Environmental
Theatre, Performance Theory, Between Theatre and Anthropology e The Future of Ritual. Em 1997, co-edita,
com Lisa Wolford, The Grotowski
Sourcebook. Ele é também conselheiro junto a vários jornais e teatros, e
editou obras em colaboração com Mary Schuman e Willa Appel.
Recipiendário de múltiplos prêmios, é de
salientar que Richard Schechner recebeu uma bolsa Guggenheim, o National
Endowment for the Humanities Senior Fellowship, e, em 1997, o American
Institute of Indian Studies Senior Research Fellowship.
Você pensa que existe uma teoria da atuação ou teorias
da atuação?
Penso que há teorias da atuação. Isso é ainda mais
verdade se encararmos a questão numa perspectiva mundial. Consideremos primeiro
as teorias de Brecht e as de Stanislavski: embora ligadas uma à outra, elas
são, com toda a certeza, diferentes. E se ultrapassarmos a perspectiva
ocidental, veremos que as teorias de Brecht ou de Stanislavski diferem
claramente das teorias do Natyashastra, de Zeami ou de Kadensho, e que essas
três abordagens, embora parentes, são também muito diferentes uma da outra.
Para além dessas diferenças, detectamos, no entanto, um denominador comum:
todas essas teorias supõem um treinamento.
Em que esse treinamento é fundamental?
Há duas razões para isso. A primeira, é que todos os
atores devem aprender certas técnicas, devem ser capazes de dominar e dirigir o
corpo e o espírito como o fazem os atletas. A segunda razão, mais importante
ainda, é que os atores devem ser capazes de reconhecer certos acontecimentos
que ocorrem à sua volta, acontecimentos que são mais fortes do que eles, e de
responder a isso. Esse jogo com um mundo exterior que nos é superior, com essas
forças objetivas, constitui a vida quotidiana do ator. Paradoxalmente, o
treinamento ajuda o ator a dominar o que, de certa maneira, o domina.
As duas teorias ocidentais a que você
alude são contemporâneas. Diderot, em seu Paradoxo do Ator, também refletiu
sobre o problema da atuação. Você pensa que as questões levantadas por Diderot
são pertinentes?
Não creio que Diderot se detenha
realmente na atuação do ator. Prefiro pensar que ele se interessa pelos problemas
de ordem filosófica vinculados com o “fazer de conta” ligado à atuação. Embora
eu não conheça muito bem essas teorias, penso que Diderot não fala tanto de
teorias sobre a formação do ator quanto de uma filosofia da representação. Na
verdade, ele utiliza os problemas da atuação para discutir questões
filosóficas. Por exemplo: pergunta a si mesmo se alguém pode sinceramente
fingir um sentimento. Creio que, assim posto, o problema é diferente.
Stanislavski e Brecht, assim como Zeami
ou Bharata-muni, o autor do Natyashastra, preferem perguntar a si mesmos como
fazer uma representação eficaz. Como os resultados procurados não são os
mesmos, as respostas deles são diferentes, suas teorias também são diferentes.
Em outras palavras, o que faz com que uma dança-teatro indiana seja bem
sucedida não é o que torna um drama naturalista bem sucedido.
Há vinte anos, as pessoas se referiam a
certas teorias. Você mencionou Brecht, Stanislavski. Podemos também pensar em
Artaud, em Grotowski. Hoje em dia não parece haver teoria verdadeiramente
específica. Além de Stanislavski, cuja marca continua visível, já ninguém diz
fazer um trabalho brechtiano, artaudiano ou grotowskiano. Como explica o fato
de que nos tenhamos afastado dessas teorias?
Penso que com o desmoronamento da vanguarda teatral,
os gurus da vanguarda também desapareceram, até certo ponto. Ou melhor: não
desapareceram completamente, é verdade, mas perderam várias reivindicações. A
ênfase que havia sido dada ao processo de formação, sobretudo, foi deslocada
para o produto acabado, de tal modo que nos detemos hoje na cenografia de
Wilson e em sua encenação, na relação particular de Foreman com o seu público e
com suas encenações, e assim por diante. As pessoas disseram claramente: “Queremos resultados”. Então aqueles
que, como Artaud, não se detinham prioritariamente nos resultados, foram
ignorados. Artaud não foi um grande encenador, mas um grande visionário. Não se
interessava tanto pelos resultados quanto pelo processo. Queria um teatro capaz
de corrigir o declínio da sociedade.
E eis que mais uma vez o teatro se
tornou um divertimento, algo localizado na cena. Consequentemente, a técnica de
aprendizagem da atuação é menos importante do que o fato de poder funcionar nas
encenações. Tomemos ainda como exemplos Foreman e Wilson. Ambos afirmam que não
precisam, de modo algum, de atores formados. Em certo sentido, não querem
trabalhar com os atores. Querem antes que os atores façam o que se pede que
façam. Não querem saber daqueles atores autônomos que exigem as teorias da
atuação de que falamos anteriormente. Diga-se também que as pessoas que haviam
sido liberadas por essas teorias, os próprios performáticos, em determinado momento se retiraram e se livraram
dos encenadores. Não precisavam de um encenador. Faziam as suas próprias performances. É o caso, entre outros, de
Spalding Gray, de Bob Caroll, de Leeny Sack.
Estes últimos se tornaram criadores.
De fato, eles se tornaram criadores. Absorveram neles
mesmos a função do encenador e a do autor. Eles também não precisavam de
atores, já que faziam sozinhos as suas próprias performances. Essas mutações abandonaram, portanto, os campos da
teoria e da prática da atuação baseados nas propostas stanislavskianas. Como a
maior parte da atividade teatral permanecia essencialmente naturalista, a
técnica dos stanislavskianos continuava a ser, portanto, excelente.
Onde estão, pois, hoje em dia, as
alternativas em relação às técnicas de Stanislavski?
Os atores não podem ter em parte alguma
uma formação antistanislavskiana sistemática. Há quem faça isso, é claro, mas
essas pessoas não trabalham de modo regular. Ademais, nunca criaram uma escola
para formar atores. Em compensação, vários encenadores formaram atores, mas
somente no intuito de utilizá-los dentro de suas próprias peças, o que é, creio
eu, bastante desastroso.
Ser
formado num sistema de movimento codificado
Que você proporia como boa formação para
o ator?
Primeiro, levando em conta o tipo de
teatro que me interessa — não é o teatro naturalista enquanto tal —, penso que
os atores precisam ser formados num sistema de movimento codificado, numa outra
maneira de dizer. O objetivo de tal aprendizagem não é fazer com que o ator
domine uma técnica qualquer, mas que saiba o que é o movimento codificado, que
compreenda o que é apelar para o corpo de modo específico.
Você aceitaria o mimo como um desses
sistemas codificados?
Não a pantomima à moda antiga, não o que
Marcel Marceau faz, aliás, muito bem, mas o novo mimo, talvez. Aceitaria
principalmente o balé clássico, o katakali,
o odissi. Eu aceitaria também
técnicas mais livres, desde que se tratasse de técnicas artísticas. Certas
técnicas como o tai-chi ou o taekwondo, embora interessantes, não
preparam o corpo para fazer arte mas para alcançar um bem-estar físico, o que é
muito diferente.
Na verdade, o que você propõe é um
treinamento da energia no corpo.
Sim, de um modo específico e codificado.
Além da aprendizagem de um sistema de movimento codificado, eu proporia também
um treinamento bastante similar da voz. Há um grande número de boas técnicas
vocais a que podemos referir-nos. Entre outras, penso nas técnicas de Kristin
Linkletter, às da música clássica, a uma técnica inglesa também, a do Roy Hart.
A pedra angular da criação da
personagem, base que, aliás, não possuímos em nenhum sistema não naturalista,
seria, na realidade, a resposta para a seguinte pergunta: Como separar a noção
de personagem da noção de mimetismo, de tal modo que a personagem seja a
construção de uma comunicação codificada, de um código, ao invés da imitação do
que é na vida real? Não existe uma técnica ocidental profundamente orgânica
para fazer isso no teatro. O exemplo mais próximo que tenhamos visto continua a
ser o que Pina Bausch faz com o Wuppertal Tanztheater. Os atores de Pina Bausch
são também dançarinos. Interpretam palavras como tocam com seus corpos.
Adoraria fazer um Brecht ou um Tchekhov com essas pessoas. São capazes de
executar movimentos que são quase como na vida comum, mas que de certa maneira
são oblíquos. Algo diferente está impresso em seus gestos. Pode ser a
alienação, a fratura, a abertura.
Consequentemente, podemos imaginar fazer um texto em que os movimentos não
sejam naturalistas. Para trabalhar todos esses grandes textos que até aqui só
foram vistos numa única perspectiva, penso que o que o Wooster Group faz também
poderia ser utilizado, mas menos violentamente.
Em certas oficinas que o vi ministrar,
você exigia que os atores fossem procurar seus próprios gestos pessoais e que
depois os utilizassem no trabalho. A seguir, você os estilizava, cortando,
escolhendo. Uma de suas alunas dizia que você purificava os gestos, que você os
depurava. Todos os gestos em cena devem obedecer a esse princípio e ser
retirado da vida comum?
Não, todos os gestos devem ser extraídos
de nossa própria experiência, mas nossa própria experiência não é apenas a da
vida comum. Por exemplo: num dos exercícios que proponho em oficina, peço aos
atores para pensar num acontecimento muito importante em sua vida. Depois de
terem pensado nisso, digo a eles: “Agora,
lembrem os cinco primeiros minutos, a raiz desse acontecimento, e vamos
reconstruí-lo”. Vários gestos que aparecem nesse exercício são totalmente
extraordinários porque correspondem ao início de cada acontecimento. Portanto,
são muito importantes para cada um. No decorrer desse exercício, quero que as
pessoas sejam capazes de recordar muito precisamente o que o seu corpo fez. O
que me interessa não é o que sentiram, mas o que o corpo delas fez naquele
exato momento. Aliás, digo a eles: Se
sentirem qualquer sentimento que seja, deixem que passe por vocês, assim como o
vento passa através de uma rede. Não peguem segurem o sentimento, deixem que se
vá”.
A
emoção é a parte menos importante da representação
E na dinâmica da representação, que
lugar é assumido pela emoção?
Contrariamente ao naturalismo
convencional, em que a emoção do ator é o que está em jogo, considera-se aqui
essa emoção como a parte menos importante da representação. Nesse sentido,
trata-se do oposto de Stanislavski. Como em certo teatro asiático, a emoção que
se quer despertar não é a do ator, mas a do espectador. Se o espectador recebe
emoções em demasia, só pode responder com emoções similares: vai chorar se você
chorar, vai rir se você rir. Em compensação, se deixarmos em aberto a questão
da emoção, se alguns relatos não carregarem necessariamente consigo a emoção
prevista, poderemos descobrir coisas novas sobre esses relatos. Assim, em vez
de procurar reter a emoção, o ator deixa que ela flua. Por exemplo, Romeu e
Julieta não vão se amar — embora saibamos que se amam de fato —, vão mais
expressar calor um pelo outro.
Você não receia que escolhas como essa
resultem numa representação fria, formalista?
Há uma fase, durante os ensaios, onde
realmente é muito frio. Em compensação, quando olho as representações que faço,
depois de terminadas, nunca são frias.
Como o essencial do seu trabalho se
refere à atuação do ator, em que momento você decide introduzir o texto?
Se eu tivesse escolha, deixaria o
próprio trabalho propor os textos. Já não seria o texto que testaria o grupo,
mas o grupo que testaria[1] o
texto. Habitualmente, primeiro temos um texto, e convidamos pessoas para virem
fazer um teste. Escolhemos as pessoas que possam convir a um texto
preexistente. É um casamento arranjado. Eu gostaria de fazer o contrário.
Gostaria de escolher as pessoas com as quais quero trabalhar e só depois fazer
com que estabeleçam relações com diversos textos, até que o melhor se revele.
Toda pessoa que fez seus estudos em teatro conhece vários textos. Portanto,
poderíamos facilmente dizer: “Esta semana
vamos experimentar Tchekhov ou Brecht ou uma nova peça”. E finalmente
acabaríamos por encontrar um texto que conviesse perfeitamente ao grupo. Então
os atores tentariam dobrar o texto às necessidades deles ao invés de se
conformar a eles. Obviamente, é uma abordagem diferente da que se costuma
fazer, mas, na minha opinião, esta é mais apropriada porque, no momento em que
é escolhido, o texto já foi trabalhado, de certa maneira.
E depois de ser escolhido o texto, este
influencia na atuação dos atores?
O texto influi, é claro, mas não se deve
presumir que o texto sempre esteja correto, e o ator sempre esteja errado.
Suponhamos que uma cena não funcione. Digamos que a cena do quarto, entre Macha
e Verchinin, em As Três Irmãs, não
seja interessante: não se deve pressupor que os atores não sejam capazes de
representar a cena, como também não se deve presumir que o próprio texto deva
ser reescrito, que as palavras devam ser mudadas. Em compensação, a intenção do
texto pode ser mudada. Por exemplo: pode-se rejeitar a ideia de que Verchinin é
atraído por Macha. É o que diz o texto, mas isso pode não ser verdade. Pode-se
determinar que ele diz isso porque tudo é melhor do que a sua mulher, ou porque
ele sente o contrário. Não se deve dizer necessariamente que o texto está
correto. Pode-se também fazer a escolha de não pressupor nada quanto à
significação do texto, supor que a enunciação das palavras dirá a história e
trabalhar mais sobre o corpo. Assim deixamos as palavras acompanhar outro
texto, o da representação.
"Mother Courage" dirigido por Schechner nos anos 1970 |
Utilizar
o texto de diversas maneiras
O texto, portanto, é uma inspiração.
Você não o utiliza em si mesmo.
Às vezes sim, às vezes não. A única
coisa que faço custe o que custar é utilizar o texto de diversas maneiras na
mesma representação. Essa utilização não tem que ser uniforme. Na verdade,
toma-se a decisão de interceptar o texto em certo ponto e, nesse momento,
pode-se representar fielmente o texto ou pode-se deixá-lo de lado. Por exemplo:
no meio da cena, Macha e Verchinin podem parar de dizer o texto, e um orador
pode substituir o texto, dizendo simplesmente: “Então, Macha lhe disse, e em seguida, por sua vez, ele lhe disse”.
Podemos ver apenas aquelas pessoas que se mantêm lá, de pé, como num filme. As
silhuetas ainda estão lá, mas já não as ouvimos. Podemos até inspirar-nos na
publicidade, decidindo por utilizar legendas. Nesse momento, podemos acalmar e
mostrar simples e rapidamente numa tela o que aquelas personagens estão dizendo
uma para a outra, sem que com isso se trate de pantomima. Todas essas
possibilidades são pensáveis. Não devemos simplesmente supor que o texto tenha
que ser dito pelas personagens, por Macha e Verchinin.
O ator não encarna, portanto, uma só personagem.
A personagem se desloca.
A personagem pode se deslocar, mas o ator sempre
interpreta a partitura da representação, e essa partitura começa no momento em
que ele entra e se veste. Ela continua até a saída dele. Em certos momentos, o
ator pode interpretar uma personagem e, em outros momentos, já não interpretar
essa personagem. Por exemplo: o ator pode encarnar uma personagem e dizer o
texto dessa personagem, ou então dizer o texto que corresponde a um papel sem
interpretar este último, ou ainda não dizer o texto de uma personagem e estar
interpretando esta mesma personagem. Não inventei essas teorias, mas tenho a
minha própria concepção sobre elas.
Até que ponto a improvisação é
importante em seu trabalho?
Como dispositivo de treinamento, ela é muito
importante, mas não improvisamos num sentido stanislavskiano. Improvisamos para
encontrar diferentes gestos no ator. Estou interessado em encontrar no ator
modos de ressoar, de mover-se, de olhar, e não necessariamente modos de
tornar-se outra pessoa. Esses modos diferentes de fazer e de ser podem dar ao
espectador a impressão de ver outra pessoa, porque não é o ator assim como
estamos habituados a vê-lo, ao passo que o que o espectador vê, de fato, talvez
seja a pessoa comum, pura e simplesmente. Há tantas facetas possíveis para
nossas personalidades, e todas essas personalidades podem gerar diferentes
gestos e diferentes entonações. Por isso, aliás, quero que os atores sejam bem
treinados física e vocalmente, de tal modo que, se a sua câmara interna vir que
eles são se movendo de certa maneira, sejam capazes de fazê-lo, muito
exatamente.
Você disse anteriormente que a partitura
da representação começava no momento em que o ator chegava ao teatro e se
vestia. Qual a importância do figurino, para você, e a que etapa do processo de
criação ele aparece?
Primeiramente, quando o ator vem à
oficina, considero como importante que vista roupas de trabalho. É uma espécie
de ritual. Essa vestimenta pode ser comum, mas não será aquilo que ele usou no
prédio, para que fique claro para mim que, agora, ele está pronto para
trabalhar.
Mas não é uma roupa: é um figurino.
No início e durante os dias de
aquecimento, é uma roupa. Mais tarde, em compensação, podem-se utilizar certos
elementos dessa roupa no figurino.
E a que momento os figurinos de uma
representação serão determinados?
Em geral peço aos atores para que eles
mesmos selecionem os elementos de figurino. Todos temos coisas que preferimos.
Podemos, por exemplo, usar óculos de várias maneiras diferentes. Portanto, em
certo momento, o ator começa a encontrar as coisas que prefere, quer elas
representem para ele a personagem, quer elas lhe pareçam necessárias. Nesse
momento começa a criação dos figurinos. Na verdade, quero que meus atores
adotem certo fetichismo, necessário à criação de suas personagens. Esses
fetiches não devem, de modo algum, ser vestimentas. Por exemplo: o que
funcionou muito bem para Mãe Coragem foram os rolos que ela usava nos cabelos.
Para encrespar os cabelos, ela usava esses rolinhos característicos de certas
mulheres da periferia. Eles se tornaram uma espécie de símbolo fetiche de Mãe
Coragem. Em certo sentido, isso mostrava que ela não se preocupava com a
aparência, porque se mostrava com rolos no cabelo. Por outro lado, isso deixava
supor também o contrário, porque por trás dos rolos de cabelo havia a intenção
de se pentear. Ela não era como uma alemã do século XVII, mas como uma mulher
americana dona de casa. No entanto, todas as suas palavras, todas as suas
referências pertenciam à Alemanha do século XVII. Os espectadores não podiam
situá-la numa época precisa, mas Mãe Coragem fazia com que refletissem sobre a
própria vida deles, e era o que queríamos. Não é o tipo de coisa que se
pré-invente.
É
o perigo que cria a presença
Duas noções voltam com frequência no
ator: a de “energia” e a de “presença”. Que pensa dessas noções?
Existe realmente algo que se chama a
presença do ator vivo. Penso que essa presença tem a ver com a noção de
eventualidade. Em outras palavras, quando o espectador percebe que o ator pode
não só mudar o que está fazendo, mas que pode também ser o dono dessa mudança,
que não tem que mudar, mas pode eventualmente fazê-lo, nesse momento o ator tem
presença. Em compensação, se o espectador sente que toda e qualquer mudança
apavora o ator e corre o risco de destruir a representação, não há presença. Na
verdade, o ator brinca com o perigo, e o perigo por ele gerado é que cria a
presença.
Pode-se também explicar a presença
apelando para a noção de desequilíbrio de Eugenio Barba. Em termos concretos, o
ator é capaz de produzir um desequilíbrio, de recuperar o equilíbrio e de
produzir, em seguida, outro desequilíbrio. É esse desequilíbrio, esse conflito
intrínseco, no corpo e no espírito do ator, que criará a presença. Assim, se
dou uma conferência e as coisas estão indo bem, posso parar no meio de uma
frase, e os espectadores vão esperar a sequência — não porque estejam
escutando, mas porque sabem o que vou dizer e ao mesmo tempo não sabem o que
vou dizer. Portanto, querem ver o que vai acontecer depois.
E quanto à energia?
Você sabe: os chakras, o movimento
através do corpo..., toda essa formação é capaz de dar a um ator a capacidade
de ter um impulso, de ter consciência dele e de poder escolher se o segue ou
não. Como já disse, a noção de emoção ou de sentimento que passa é uma coisa
muito difícil de controlar. O ator deve ser, até certo ponto, capaz de ser dois
em um, de se manter ao lado de si mesmo e de ver a si próprio. Ele deve saber,
por exemplo, que ao se sentar assim, prostrado, deve ser porque escolheu
sentar-se assim e não porque não pode sentar-se de outra maneira. Ele deve ser
capaz de apoiar-se no fundo do estômago ou na base da coluna vertebral. O ator
deve ser disponível para a energia, e é através do treinamento que acede a essa
disponibilidade.
Portanto, deve-se treinar para ter
energia? Não é algo que se tenha dentro de si?
Não.
Deve-se treinar para ser capaz de receber o que está sendo comunicado,
para ser capaz de se concentrar nisso e, por sua vez, para tornar a dá-lo
E como treinar para isso?
Há vários exercícios bastante clássicos.
Entre outros, penso nos exercícios de espelho: o ator vigia uma pessoa e deve
ser capaz de reproduzir o que essa pessoa faz. Há também os exercícios de
confiança. Por exemplo: consentimos em cair e ser levantados. Gosto também de
utilizar um exercício de confiança que se chama o “guia cego”. Vendamos os
olhos de certas pessoas e pedimos a elas para dirigir as outras. Quem não está
vendado deve seguir tudo, impedindo aqueles que dirigem de bater contra as
paredes e contra os objetos. Isso requer muita sensibilidade dos outros. Na
realidade, todos esses exercícios são um treinamento para ser disponível ao que
os outros fazem.
A estar presente?
Sim. Para mim é muito difícil distinguir
entre a presença e a energia. Penso que o treinamento conduz às duas. Em minha
opinião, as noções de presença e de energia são parentes muito próximas da
vigilância e da responsabilidade, do que Stanislavski chamaria a concentração. Não
creio na energia como num líquido místico que entra e sai.
Quais seriam as qualidades fundamentais
que um ator deve possuir em cena?
Concordo com Stanislavski, que diz que
ninguém sabe realmente aquilo que faz com que alguém seja um grande ator, mas
que sabemos o que é o resultado de um grande ator. É uma pessoa em cuja
presença queremos estar e que nos encanta. Nota-se em certos atores algo
particular que não se vê necessariamente em outros atores, mas que está sempre
presente. Tem-se a impressão de que são mais vivos do que todo o mundo nessa
circunstância precisa. Há na vida certos momentos em que cada pessoa se torna
totalmente viva. Podem-se chamar esses momentos de “presença”, ou grande
alegria, ou gozo. É esse tipo de alegria que faz com que um ator seja grande; é
sua habilidade em experimentar essa alegria diante de outras pessoas numa
situação de representação.
Na representação, invadimos a intimidade
de alguém que quer aceita compartilhá-la conosco. Na vida real, há todos os
tipos de barreira que erguemos em torno desse tipo de intimidade. Essa
intimidade não deve ser uma coisa secreta como a sexualidade ou a violência. Há
como que uma partilha, como que uma reciprocidade positiva entre os
participantes e a pessoa em representação. É o que faz com que representar seja
esse fechamento do círculo de energia positiva e de gozo sem considerar o
propósito do tema. De certo modo, aplaudimos nossa participação, “essa pequena
parte de vida”, essa criatividade primária. Às vezes existem pessoas especiais
que admiramos por causa dessa qualidade, desse modo de ser inteiras e
completas. É ela que constitui essa alegria e que torna essa alegria uma
questão pública.
Há um modo de formar ou de desenvolver
essa presença?
Há maneiras de se formar, mas elas são
especificamente culturais. Não creio que haja um modo universal de se formar.
Isso depende sempre daquilo a que estamos expostos.
Não se trata de um ponto de partida. Um
ponto de partida seria mais certo modo de sentar-se ou de ficar de pé. Sempre começo,
por exemplo, com a ioga para respirar e estar atento ao momento presente. Posso
produzir ressonadores vocalmente com bastante força, por meio de exercícios de
ressonadores bem precisos. Há também modos precisos de caminhar e de saltar. Em
outros termos, tudo se baseia no físico. O ator deve trabalhar de modo
construtivo, a fim de desenvolver certas aptidões. Deve trabalhar também para
se livrar de seus bloqueios. Para se livrar dos bloqueios, assim como para
estimular uma atitude, a energia estará presente, porque temos, todos, uma
força vital. Mas a ideia é que nos servimos de nossa vivacidade expressiva por
duas razões: uma é a inibição; a outra, a aprendizagem. Creio que uma das
razões pelas quais as formas asiáticas são tão boas não é porque a formação dos
atores seja melhor, ou porque as teorias asiáticas sejam superiores às teorias
ocidentais, mas porque os asiáticos não têm medo de fazer com que dure muito
tempo a formação, não têm medo de lhe dizer que você só será bom daqui a dez
anos, enquanto nossos estudantes querem ser bons em dez minutos. Uma jovem
francesa ou uma jovem americana que estudam violino sabe que não será capaz de
tocar violino em dez minutos, num ano ou até em cinco anos; que em cinco ou
seis anos ela poderá tocar para sua satisfação pessoal, e que precisará dez
anos para se tornar profissional. Portanto, esperamos que nossos músicos e
nossos dançarinos de balé saibam isso, mas, de certo modo, não o esperamos de
nossos atores, por causa dessa crença errônea que pretende que a arte de
transpor o comportamento de todos os dias é idêntica à do comportamento de
todos os dias. Mas o realismo já não é um comportamento quotidiano, como não o
é uma tela: é um erro acreditar que todo o mundo pode fazê-lo e que isso não
necessite de nenhuma técnica. Nosso erro vem daí.
Os atores devem adquirir uma formação
técnica aprofundada?
Deveriam passar por um longo período de
formação física e psicológica se quiserem ser verdadeiramente bons. Eles não o
farão enquanto não tivermos um teatro profissional que possa sustentá-los. Na
Ásia, pelo menos no Japão, em Taiwan, e, até certo ponto, na Indonésia, os
atores que se destinam às formas tradicionais têm o apoio dos teatros nacionais
tradicionais. É o caso de nossas orquestras sinfônicas e de nossos balés. Na
Europa e na América do Norte, os artistas adquirem uma formação de longa
duração. Deveríamos ser capazes de dizer que o trabalho dramático efetuado nas
grandes escolas é feito tão seriamente quanto a formação em música, mas não é o
caso.
Quando vai a suas aulas de música, minha
filha diz: “O professor é muito severo”.
Quando, porém, ela vai a suas aulas de arte dramática, é só brincadeira. Não
sou contra isso, mas se ela quiser ser uma boa atriz, deve tornar-se tão séria
nesse curso de arte dramática aos sete anos quanto o é em seus cursos de
música. Ora, essa visão não faz parte da cultura ocidental. É aí que se situa a
causa dos males. Não pensamos a arte dramática da mesma maneira, porque há um
preconceito antiteatral que opera. Vamos corromper nossos filhos procedendo
assim: eles não levarão o teatro a sério, enquanto levam a sério a música e o
esporte. Temos grandes atletas e grandes músicos, mas não temos tantos grandes
atores. Trata-se de uma atitude cultural e não de algo que diga respeito à
natureza das próprias artes.
Com Eugenio Barba, você é um dos homens
de teatro mais marcados pelo Oriente. Por que esse fascínio?
O Oriente teve uma enorme influência
sobre mim com o passar dos anos. Não no início, porque só conheci o Oriente em
1971, data da minha primeira viagem à Ásia. Na época, eu já tinha feito Dionysos in 69. Eu tinha tido um teatro
em Provincetown, tinha tido um teatro em Nova Orleans, e já tinha escrito sobre
as relações entre as peças de teatro, os esportes e os jogos. O que encontrei
na Ásia foi uma confirmação das ideias sobre as quais eu havia trabalhado: uma
codificação dessas coisas. O que eu captei de mais importante na Ásia foi a
ioga, que estudei em Madras em 1971. Era uma formação profunda da vida, que
continuo a utilizar.
Transmiti essa formação aos atores. Isso
teve duas consequências: a primeira é que formo na ioga todos os atores com
quem trabalho. Grotowski também o fazia, mas já não o faz. Ele diz que isso o
torna demasiado calmo. Meu sentimento diante dos atores americanos é que eles
sempre querem se mexer demais; então, um pouco de calma não pode lhes fazer
mal. A segunda consequência é a própria atitude da ioga, que vincula o
movimento e a respiração ao espírito e à alma. A mim parece fundamental que a
mais elevada aspiração que o homem possa alcançar seja baseada em movimentos e
em respirações muito simples. É uma meditação em que a respiração age enquanto
movimento. É muito físico, não precisamos crer para fazer. É uma metafísica
enraizada no real porque contamos as respirações. Essa atitude faz com que tudo
comece com o físico, o psicofísico e o metafísico, que na realidade são a mesma
palavra. Uma leva à outra e vice-versa. O metafísico leva diretamente ao
físico, assim como o físico leva diretamente ao metafísico. Não é que um seja
mais nobre do que o outro. Eles são apenas diferentes, estão em círculos
diferentes. Isso é importante para mim.
Há também a relação com o espectador,
com o auditório, com os participantes — nenhuma dessas palavras é totalmente
justa —, que é especial, no Oriente. Precisamos de um segundo grupo que nos
ampare no mesmo espaço. Embora o tenhamos, no Ocidente, na Ásia eu o vi muito
poderosamente. Isso foi muito importante, não tanto pela simples participação
do público, mas pela integração das coisas, como o simples fato de oferecer
representações em que as pessoas podem ver. Não gosto dos teatros em caixas
pretas. Quero que as paredes sejam pintadas com cores claras para que nós, que
somos colocados do lado de fora,
vejamos, que os espectadores se vejam uns aos outros. É diferente dos cinemas,
que exigem o escuro e onde não vemos os outros. No teatro, precisamos de luz,
deveria haver luz na sala. Esse modo de estar em comunidade ou em coletividade,
que inclui os espectadores, é totalmente fundamental para mim.
Além disso, há coisas bem simples relativas à
hospitalidade. Por exemplo: no início das representações asiáticas, há
normalmente uma espécie de ritual para receber o público. Gosto de praticar
também esse tipo de recepção. Creio que às vezes queremos tornar as coisas
demasiado cômodas para o público. Se não pudermos fazer com que a magia entre
num contexto de sociabilidade, não haverá muita magia. Quero desmistificar o
processo. Faço ensaios públicos. Vemos isso na Ásia, mas também em outros
lugares. Uma ou duas vezes por semana, qualquer pessoa pode vir a nossos
ensaios. Vindo nos ver, as pessoas se tornam nossas parceiras. Brecht fazia
isso. Ele era capaz de levar pessoas da rua. Tudo isso visa a desmistificar o
processo da representação, a aumentar o seu poder, e não a diminuí-lo.
* * *
SCHECHNER, Richard. “L´émotion qu´on veut éveiller n´est pas celle de
l´acteur, mais celle du spectateur” [A emoção que se quer despertar não é a do
ator, mas a do espectador], in FÉRAL,
Josette. Mise en scène et Jeu de
l´acteur. Tome 2: Le corps en scène [Encenação e Atuação do Ator. Tomo 2: O Corpo em
Cena]. Montréal (Québec)/ Carnières (Morlanwelz): Jeu/Lansman, 2001. — Tradução
de José Ronaldo Faleiro.
[1] Traduzi por testar o verbo auditionner,
“fazer uma audição” para conseguir um trabalho, ouvir um artista com a intenção
de contratá-lo. Ouvir (e ver) para avaliar. — JRF.
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