ENTREVISTA - AUGUSTO BOAL
Fonte Carta Maior, 10/11/2006
Foto da internet |
A mundialização do Teatro do Oprimido
Presente em mais de 50
países, o Teatro do Oprimido elevou Augusto Boal ao panteão dos grandes
teatrólogos sociais de todos os tempos, eternizando-o ao lado de nomes como
Brecht e Stanislawsky. Na primeira parte desta entrevista exclusiva, Boal fala
da dissiminação mundial de seu trabalho.
Eduardo
Carvalho - Carta Maior
Carioca de nascença, aos 75
anos, o cidadão do mundo Augusto Boal permanece no Rio de Janeiro irradiando
para todo o planeta os germens e frutos de seu maior projeto: o Teatro do
Oprimido, um conjunto conceitual de técnicas que transformam o espectador em
protagonista do espetáculo, profundamente envolvido com a trama de sua própria
existência, mais intensamente com os condicionantes sócio-econômicos de sua
situação. Um trabalho libertário que se globaliza não por modismo ou estratégia
de bom empreendimento, mas por necessidade de atuar em todos os lugares onde a
arte ainda possa significar libertação de amarras da consciência do ser sobre
si e sobre sua condição no mundo.
A dimensão cosmopolita de seu
teatro já data dos quinze anos, entre 1971 e 1986, em que esteve no exílio
político. Nesta fase, Boal desenvolveu as experiências teatrais que lhe
renderiam o reconhecimento internacional do público, da crítica, dos estudiosos
e do meio teatral. Elevado ao status de recriador do Teatro Político, assumiu
lugar definitivo na galeria de nomes mundialmente reconhecidos na área como
Brecht e Stanislawsky, exatamente por fazer aquilo com que Brecht apenas sonhou
e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Isso de acordo com The Drama Review
e com o The Guardian, ambos citados no verbete a seu respeito na Wikpédia.
Augusto Boal, que acaba de
regressar da Índia, onde esteve criando a Federação Indiana de Teatro do
Oprimido, falou com exclusividade por telefone com Carta Maior. Publicamos hoje
a primeira parte desta conversa que trata da experiência na Índia e da
disseminação do trabalho do Teatro do Oprimido pelo mundo. Na segunda parte,
que publicaremos na segunda-feira, 13 de novembro, Boal avaliou o mandato do
Ministro Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura e falou de suas
expectativas em relação ao segundo mandato do presidente Lula.
"Come closer friends, the house is yours!" - photo: courtesy of ms-nepal, do site internacional do Teatro do Oprimido |
Carta Maior – Como está a saúde?
Augusto Boal - A saúde melhorou,
está ótima, o que está ruim é meu joelho. A doença que tive já está totalmente
controlada, mas o joelho dói. Agora, que estive na Índia, piorou um pouco, pois
participei de uma longa marcha com 12 mil aderentes da Federação Indiana de
Teatro do Oprimido, andando e correndo pelas ruas de Calcutá.
CM – Como foi isso?
AB – Na Índia, há um grupo, o
Jana Sanskriti, que esteve aqui no Brasil, em um festival que realizamos em
1993. Desde então, eles não pararam de crescer e já conseguiram criar centros
semelhantes em 16 estados da Índia, mesmo que, em cada estado, em cada região,
haja uma língua diferente. São 18 línguas mais ou menos oficiais por lá! Mesmo
assim, eles reuniram 12 mil pessoas de 9 estados que caminharam pelas ruas de
Calcutá, ouviram meu discurso em inglês com as traduções em bengali e hindi.
Depois, fizemos o festival propriamente dito e, no encerramento, fundamos a
Federação Indiana de Teatro do Oprimido, que reuniu a assinatura de 37
associações, sindicatos e movimentos operários e de massa. Foi uma coisa muito
grande e forte! Algo maravilhoso. Andamos pelo meio das ruas e não deu para
agüentar: enfiei-me no meio dos participantes, apoiado pela minha bengala e com
uma jovem me ajudando, e tive que andar depressa por mais de meia hora. Foi
isso que arrebentou de vez meu joelho!
CM – Como acontece a
transposição das técnicas do Teatro do Oprimido para um país com uma cultura
tão díspar como a Índia?
AB – As técnicas do Teatro do Oprimido
são aplicadas aos problemas deles. Realmente há diferenças culturais; eles são,
por exemplo, muito mais melódicos nos movimentos do que os africanos que são
mais rítmicos ou os franceses que fazem a coisa mais falada. O método é o
mesmo, mas cada cultura o traduz com suas peculiaridades. Não se pode esperar
que os hindus ginguem como mulatas! A base é o Teatro Fórum, a entrada do
espectador em cena, a forma de desenvolver as entradas até chegar a conclusões
de propostas... tudo feito segundo a regra do Teatro do Oprimido (leia mais).
CM – Além da Índia, com toda
esta adesão, onde mais se desenvolvem atividades de Teatro do Oprimido no
mundo?
AB – No site internacional do
Teatro do Oprimido (link abaixo), podem ser observados, no link yellow pages,
50 países que desenvolvem o trabalho. Mas há mais países que têm Teatro do
Oprimido e que ainda não constam do site.
CM – Vi que você lançou um
livro, A Estética do Oprimido, em
Londres recentemente. Há muitos livros seus, ou sobre o seu trabalho,
traduzidos pelo mundo? E nas Universidades, há estudos sobre o seu trabalho?
AB – Muitos sim. Na Inglaterra,
são 6 ou 7 títulos. Na França, publiquei o primeiro livro há mais de 30 anos e
ele continua vendendo muito. Hoje, já existem pelo menos 29 livros publicados
no mundo inteiro sobre mim ou sobre o Teatro do Oprimido, em línguas que vão
desde o inglês, italiano, alemão, até o hindi indiano e o urdu do Paquistão...
Há muitos anos as proposituras do Teatro do Oprimido são objetos de teses de
mestrado e doutorado e de cursos em diversas universidades pelo mundo, tanto
que, em agosto passado, professores e alunos da universidade de Nova Iorque e
de San Juan Porto Rico vieram passar uns 10 dias estudando comigo.
CM – Você acha correta a
avaliação que o meio artístico e acadêmico internacional faz de seu trabalho?
AB – Quando há um volume muito
grande de escritos, aparecem coisas maravilhosas. A minha interpretação da
tragédia grega segundo Aristóteles, por exemplo, é tema universitário nos EUA,
pois analiso a catarse e outros elementos de uma forma diferente do que propõem
outros autores. Lógico que, em meio a tanta produção, também aparecem coisas
bobas, daquelas que leio e concluo que nada foi entendido direito. Mas não há
nada de catastrófico ou de distorções, exceto quando pretendem usar para fins
diferentes dos que propomos. Por se tratar de um tema mundial, amplamente
difundido, inclusive pela internet, não é possível que todos entendam tudo da
maneira mais adequada. Isso acontece com a psicanálise, com o cristianismo...
há diversas e bizarras interpretações de tudo isso. Uma solução que encontramos
para diminuir tais distorções é propor a criação de federações nacionais de Teatro
do Oprimido, como já fizeram os indianos, para que obtenhamos mais unidade e
interligação.
CM – Como fica o seu ego com
esta celebridade toda?
AB – Olha, eu fico contente,
mas não fico me achando nada de especial. Tem muita gente que faz muita coisa
linda pelo Brasil afora e ninguém fica sabendo. Eu fiz o que queria fazer e
multipliquei-me em milhares de pessoas. O Centro aqui do Rio, por exemplo,
trabalha feito louco. Além dos pontos de Cultura, estamos trabalhando em
prisões de sete estados, nos CAPS (Centros de Atendimento Psicológico e Social)
no Rio e em São Paulo
e, com as escolas no estado do Rio, desenvolvendo a estética do oprimido na
pintura, escultura, poesia, música, dança...
CM – Você está diretamente à
frente de tudo isso?
AB – Não é bem assim. A minha
relação é assim: temos um laboratório de interpretação e um seminário de
dramaturgia que eu dirijo e que são voltados aos 8 curingas do Centro do Teatro
do Oprimido – CTO e a outros que ajudam e participam, mas que não são os
curingas do Centro. Os curingas é que multiplicam o trabalho e o espelham pelo
Brasil e pelo mundo. Eles é que fazem um trabalho intenso e heróico.
CM – Neste sentido, você acha
que já está pronto para sair de cena?
AB – Eu não vou sair de cena nunca! Eu estou vivo! Estou jovem com
75 anos de idade! Estou na juventude da velhice! O trabalho não precisa mais de
mim, mas eu estou aí, realizando-o e estarei sempre!
Foto da internet |
Site internacional Teatro do Oprimido:
http://www.theatreoftheoppressed.org/
Fonte da
entrevista:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/A-mundializacao-do-Teatro-do-Oprimido/12/11770
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