A
verdade teatral em Stanislavski e Peter Brook: uma análise comparativa do
conceito de verdade
Martha
Dias da Cruz Leite[i]
Eusébio
Lobo da Silva[ii]
Publicado em ArteFilosofia, Ouro
Preto, n.2, p. 156 – 169, jan. 2007
Em http://www.raf.ifac.ufop.br/pdf/artefilosofia_02/artefilosofia_02_04_teatro_02_martha_dias_cruz_leite.pdf
Arttaud + Brecht + Stanislavski = Brook / Foto internet |
Introdução:
Stanislavski e PeterBrook - aproximações e diferenças
Peter Brook
freqüentemente se remete ao termo “Centelha da Vida” para se referir a uma
idéia de um teatro de fortes qualidades expressivas, devido a sua alta
capacidade, entre outras, de “prender” a atenção do espectador. Em relação ao
trabalho do ator afirma, constantemente, que o principal elemento determinante
de toda a sua qualidade resvala no fato de existir ou não “vida” no ato de
representar. É neste ponto que Brook propõe, com bastante relevância, as
seguintes questões: qual a diferença entre um homem que, imóvel no palco, consegue
chamar nossa atenção e aquele que não consegue fazê-lo? Por que, muitas vezes,
saímos do teatro com a sensação de ter passado uma noite insípida, apesar de o
espetáculo assistido ser dotado de excelentes recursos técnicos e interpretado
por bons atores? Ou, então, temos a mesma sensação com certos espetáculos tidos
como “culturais” e impregnados de grandes teorias teatrais, ao passo que uma
peça muito menos pretensiosa, com um tema bobo e interpretações simples,
parece-nos muito mais encantadora. A diferença é a presença desta faísca, uma
pequena centelha que acende e dá intensidade a esse momento comprimido,
destilado, pois é a presença da vida que faz com que o que está sendo apresentado
torne-se interessante.[iii]
Um ponto interessante
encontrado em seus relatos de trabalho, nos livros que escreve e em suas
entrevistas é que, freqüentemente, Brook usa o termo verdade para falar desta
qualidade expressiva essencial ao trabalho do ator. Stanislavski tem este mesmo
termo como o alvo central de suas pesquisas e, para ele, é a busca pela verdade
cênica que deve ser o objetivo de seus atores. A partir daí, escreve o seu
Sistema para auxiliar o ator a chegar a um bom resultado em sua representação
através de procedimentos mais seguros do que a simples intuição e inspiração.
Com o objetivo de
apontar algumas considerações e reflexões sobre a verdade cênica, este artigo
propõe a discussão das seguintes questões: o quanto existe de semelhanças e
diferenças entre o sentido dado por Peter Brook e Stanislavski ao termo verdade
teatral? A verdade Stanislavskiana seria a mesma verdade buscada por Peter
Brook em seu teatro? O quanto os procedimentos metodológicos adotados,
concepções de teatro, opções estéticas e até mesmo a escolha da linguagem
utilizada para abordar este conceito revelam diferenças, e o que existe de
comum em suas buscas e aspirações artísticas? Para responder a essas perguntas,
busquemos nas teorias de Stanislavski e de Peter Brook algumas argumentações
que possam vir a esclarecer tais questões.
1.
A verdade cênica no método de Stanislavski
O
termo verdade cênica e Konstantin
Stanislavski são elementos quase automaticamente associados, afinal foi o
diretor russo que introduziu tal termo no vocabulário teatral e, desta maneira,
influenciou e polemizou toda uma série de pesquisas em busca dessa qualidade.
Vivendo em uma época em
que a artificialidade das atuações e o convencionalismo no repertório eram as
práticas mais comuns no panorama teatral russo, Stanislavski operou uma
revolução no modo de se fazer e pensar o teatro no início do século XX.
Guinsburg[iv],
tratando da interpretação dos atores dessa época, descreve um cenário
desolador: o estudo sistematizado e rigoroso sobre a arte de interpretar não
era a prática comum na formação dos atores, pelo contrário, a presença de
atores amadores e sem formação e nem talento predominava nos palcos da época;
para ser ator somente era necessário ter uma voz vibrante, maneiras fáceis e,
no caso de ser uma atriz, o maior requisito era um corpo bem feito e um rosto
bonito; as peças eram montadas com dois ou três ensaios, e os atores não
precisavam fazer nada mais do que repetir os sons que o ponto soprava e
reproduzir as entradas, saídas e marcações de cena fixadas pelo diretor. Enfim,
era uma época de toda a sorte de estereotipia e clichês reproduzidos
mecanicamente em uma prática generalizadamente medíocre, em que muitos atores
consideravam, inclusive, que uma elaboração cuidadosa do papel, através de um
trabalho sistemático, com o uso de técnicas e meios racionais, seria
prejudicial para a obra de arte teatral, que deveria ser fruto da inspiração e
de uma subjetividade calcada no acaso. Roubine[v] compartilha
desta visão, qualificando a interpretação teatral convencional do início do
século XX como “espírito de rotina, amadorismo, irresponsabilidade e falta
absoluta de senso crítico”.
Stanislavski, em sua
revolta contra esse cenário, debruça incessantemente sua atenção sobre a sua
atividade dramática para estudá-la e desenvolvê-la, através de análises e
reflexões rigorosas, em uma busca e experimentação constante com o objetivo de
alcançar meios autênticos de expressão na representação teatral. Foi um
militante de uma batalha contra clichês, estereótipos, automatismos rotineiros
e habilidades exteriores desprovidas de conteúdo emocional.
O Sistema de
Stanislavski é baseado no que ele chama de leis orgânicas da vida e seu
objetivo principal é permitir ao ator alcançar uma boa representação sem
depender exclusivamente da inspiração e da intuição. Stanislavski fala
constantemente em “criar a vida de um espírito humano”, e, com isso, refere-se
a uma atuação que pareça convincente aos olhos do público[vi].
Seu trabalho é comumente divido por estudiosos em duas fases. A primeira é a
fase da memória emotiva, na qual ele conclui que o ator pode se valer de
sentimentos análogos já vividos antes na vida real para viver o papel. Em sua
segunda fase, se apóia no Método das Ações Físicas como uma construção segura
para a criação do personagem.
Fernando Peixoto, no
Prefácio do livro de Eugênio Kusnet Ator
e Método, aborda a questão da verdade
cênica como uma realidade virtual adotada pelo ator na qual ele acredita
piamente, porém sem perder a capacidade de se observar e conduzir a sua
criação. Isto significa ter fé cênica,
isto é, assumir a problemática do personagem e vivê-la com a maior sinceridade possível,
sem deixar de ser ele próprio para ser o personagem. Stanislavski afirma que,
se o ator souber alcançar este estado de verdade em sua atuação, através da
aceitação das circunstâncias propostas e dos objetivos do personagem como se
fossem seus, a transmissão de idéias e emoções ao espectador será tão eficiente
que o ator conseguirá tocar o público, despertar sua emoção e manter o
interesse deste na cena apresentada.
A capacidade do ator de
inserir-se nas circunstâncias propostas e
de atuar de acordo com o objetivo da
personagem forma o trabalho de base da técnica realista de interpretação, pois
evita o equívoco de o ator preocupar-se com elementos não fundamentais. Um
exemplo disto é a indicação dada por Stanislavski ao ator para nunca
interpretar um sentimento em geral,
isto é, não executar uma ação por executar ou querer “sentir” algo por sentir,
pois toda ação em cena deve ter um objetivo[vii].
Kusnet coloca o objetivo da
personagem como sendo o fator chave que levará o ator a conseguir inserir-se
nas circunstâncias dadas, e não
admite que um ator execute uma ação que não seja motivada e orientada por um objetivo definido, pois é este que
desencadeará a vontade criadora do
ator:
Portanto,
convenhamos que em teatro não possamos admitir que ação cênica seja desprovida
de objetivos. Como na vida real, a necessidade estimula a atividade do homem
dentro de uma determinada situação, assim também em teatro o objetivo do personagem
estimula a imaginação do ator e o induz a agir dentro das circunstâncias da
obra dramática.[viii]
A memória emotiva é o
carro-chefe de Stanislavski em sua primeira fase, na qual ele se concentra na
Linha das Forças Motivas Interiores – mente, sentimento e vontade juntos para
desencadear a atividade criadora do ator. Para ele, o ator só pode desfrutar de
uma interpretação verdadeira caso utilize seus próprios sentimentos para
representar. Isto está relacionado às experiências dos seres humanos em
determinadas situações da vida. Mesmo em suas peças simbolistas ou aquelas que
se passam no plano da fantasia, para ele, os personagens experimentam uma gama
de sentimentos que os próprios atores possam ter sentido alguma vez na vida, ou
seja, os sentimentos dos personagens devem ser análogos a sentimentos já
experienciados pelo atores, dos quais estes se utilizariam para representar seu
papel. E é por isso que Stanislavski induz seus atores a começar
concentrando-se nas situações propostas pelo autor e em visualizações ativas
que os auxiliarão a agir como se estivessem naquela situação, sem esquecer, é
claro, de agir de acordo com os objetivos da personagem para, desta forma,
motivar a vontade criadora necessária ao despertar dos sentimentos e da vida
interior da personagem, provocando assim, a tão almejada sensação da verdade.
Uma outra etapa
fundamental no trabalho proposto pelo mestre russo é a encarnação do papel. Preparados os desejos, objetivos e aspirações
da personagem, o próximo passo é colocá-la em ação, usando as palavras e
movimentos físicos para transmitir seus pensamentos e sentimentos. Stanislavski
explica que isto significa simplesmente executar os objetivos determinados de
um modo físico[ix].
O pensamento do ator no processo criativo stanislavskiano foi algo que adquiriu
uma importância fundamental entre os seus seguidores, e é por este motivo que,
freqüentemente, encontramos na história da interpretação teatral relatos de más
interpretações de seu método, como se este se resumisse à memória emotiva. Entretanto, uma importantíssima parte do método de
Stanislavski (e talvez seu maior legado) é o Método das Ações Físicas, em que
ele deixa clara a importância de externalizar em ações concretas a atividade
interior da personagem, procedimento sem o qual todo o trabalho mental de
identificação das circunstâncias dadas, objetivos,
visualizações ativas, entre outros, perde seu sentido.
Se, durante a primeira
fase do seu trabalho, Stanislavski se concentrava na Linha das Forças Motivas
Interiores e na memória emotiva, em
sua segunda fase ele desloca sua atenção para a necessidade de fixação de
elementos trabalhados anteriormente, tais como a memória e os sentimentos. Mas
ele admite a impossibilidade de fixar os sentimentos, então recorre às ações
físicas para operar tal procedimento: “não me falem de sentimentos, não podemos
fixar os sentimentos. Podemos fixar e recordar as ações físicas”[x].
Ao executar tais ações, a necessidade de justificá-las internamente leva o ator
a recorrer a todos os procedimentos, já descritos mais acima. Portanto o Método
das Ações Físicas não representa uma ruptura com o processo das Linhas das
Forças Motivas e da memória emotiva,
e sim um novo procedimento que se inicia a partir de elementos exteriores (as
ações físicas) que funcionarão como uma espécie de catalisador dos sentimentos e emoções.
A ação exterior
alcança seu significado e calor interiores, graças ao sentimento interior, e
este último encontra sua expressão em termos físicos, a encarnação externa[xi].
Para isto ser possível,
o ator deve acreditar sinceramente em cada uma das ações físicas executadas,
pois estas funcionarão como iscas para o sentimento interior. Neste ponto, a
principal preocupação do ator deve ser a de executar estas ações com a maior verdade e fé possível. A verdade agora é abordada por meio de uma
disponibilidade psicofísica do ator em acreditar, em termos orgânicos, na
execução de suas ações.
Basta que o ator
em cena perceba uma quantidade mínima de verdade física orgânica, em suas ações
ou em seu estado em geral, para que instantaneamente suas emoções correspondam
à crença interior na autenticidade daquilo que o corpo está fazendo[xii].
Em resumo, para
Stanislavski “representar verdadeiramente
significa estar certo, ser lógico, coerente, pensar, lutar, sentir e agir em
uníssono com o papel”; viver o papel é “tomar todos esses processos internos e
adaptá-los à vida espiritual e física da pessoa que estamos representando”[xiii],
e isto necessita de uma completa união entre a entidade física e a entidade
espiritual do personagem. Neste ponto, Guinsburg[xiv] assinala
a importância de não confundir verdade e realidade na arte, pois aquilo que é
real não necessariamente atinge a verdade artística. Em termos práticos, isto
significa que Stanislavski não vê o elemento da verdade na arte da
representação como uma simples reposição de estados afetivos reais,
anteriormente vividos pelo ator e recuperados pelos mecanismos da memória
afetiva. Guinsburg argumenta que esta é uma etapa importante do método, mas
representa apenas uma parte do processo, pois a outra parte consiste justamente
em pôr os elementos mobilizados a serviço de uma configuração significativa no
corpo do intérprete. Dar forma artística a este material emocional recolhido na
primeira etapa do processo significa, portanto, exprimi-lo organicamente na
vida física do ator. Trata-se de uma criação em que a esfera emocional, a
imaginativa e a carnal trabalham em conjunção total: “É na efetiva conjugação
orgânica das três (esferas) que reside a autenticidade do representado, isto é,
a sua verdade”[xv].
Constantin Stanislavski - foto internet |
2.
A centelha da vida: uma busca pela
vida da cena
Sem estabelecer um
método de interpretação, ou sistematizar seus estudos sobre o ator de forma a
consolidar procedimentos tão definidos como fez Stanislavski, Peter Brook fala
de maneira quase metafórica – e nem por isso menos importante – sobre a
problemática da atuação, resvalando em questões muitas vezes de caráter
existencial. Em se tratando de verdade
teatral, ele define como a raiz do trabalho do ator “saber se a cada
momento, no ato (...) de atuar, existe uma faísca, uma pequena centelha que
acende e dá intensidade a esse momento comprimido e destilado” que é o evento
teatral, pois “essa centelhazinha de vida tem de estar presente a todo
instante”[xvi].
Para propiciar tal fenômeno, ele acredita ser a única coisa necessária a
presença do elemento humano, argumentando que, embora o resto tenha a sua
importância, isto é o principal. Para existir teatro são necessárias apenas
duas pessoas que se encontram e uma terceira que assiste. A partir dessa
afirmação, Brook conclui que o bom ator é aquele capaz de estabelecer com os
outros atores e com o público uma relação que funcione, sem deixar, ao mesmo
tempo, de manter uma sólida e profunda relação com seu mundo interior. Para ele,
a tríade mundo interior – outros atores –
público é a base do evento teatral, e é no desenvolvimento dessas relações
que se encontra o berço da verdade cênica, ou seja, uma representação em que se
percebe a presença da “Centelha da Vida”.
O teatro talvez
seja uma das artes mais difíceis porque requer três conexões que devem existir
em perfeita harmonia: os vínculos do ator com a sua vida interior, com seus
colegas e com o público.[xvii]
Considerando que Peter
Brook, na maioria das vezes, trabalha com atores experientes e que possuem cada
qual o seu método pessoal de criação, cria-se a hipótese de que esta seja uma
justificativa possível à sua não necessidade de propor um caminho definido, um
sistema de trabalho tal como fez Stanislavski. Principalmente depois da
formação do Centro Internacional de Pesquisas Teatrais, onde, ao trabalhar com
atores de diferentes culturas e tradições, ele estudou o que está por trás
destas técnicas e explorou vários procedimentos de se chegar a uma atuação que
considerasse verdadeira.
Peter Brook não teve
uma formação em escolas de teatro, sua experiência advém da prática, e ele
argumenta que isso fez com que não se apegasse a estilos e classificações
teatrais. Assim, durante sua vida, correu de um gênero a outro no intuito de
investigar as questões que em cada época o instigavam: transitou pelo teatro
convencional inglês no início de sua carreira, época em que priorizava a
geometria do espetáculo, as imagens produzidas através da música e das luzes;
estudou as teorias de Artaud e realizou pesquisas intensas com a linguagem não
verbal; no espetáculo Marat/Sade
investigou onde, como e em que nível a oposição Brecht – Artaud deixa de ser
real; e em U.S. adotou procedimentos brechtianos ao montar uma peça em que a
denúncia à Guerra do Vietnã era o ponto central da dramaturgia; em 1971 fundou
o Centro Internacional de Pesquisas Teatrais, onde reúne atores de várias
nacionalidades, etnias e costumes para investigar a essência da comunicação teatral[xviii];
uma de suas últimas peças - Tierno Bokar,
que viajou pelo Brasil durante o mês de agosto de 2004 - mostrou uma forte
tendência realista na interpretação de seus atores, levando ao extremo a
estética do “simples e essencial” ao minimizar ao máximo a ação exterior na
interpretação.
Peter Brook, em seus
livros e entrevistas, apesar de utilizar bastante o termo verdade e de concordar com Stanislavski em que ela se encontra nas
profundezas da vida, não elabora um conceito de verdade, mas utiliza-se de metáforas para explicitar seu pensamento
a esse respeito: para ele, a verdade
é algo inatingível e não passível de ser trazida à luz da reflexão em termos
tão concretos como “faça isto porque assim será verdadeiro”. Entretanto,
argumenta que, como é possível definir uma mentira - pois esta sim facilmente
se revela -, através do combate e eliminação desta mentira, inevitavelmente o
que sobra é a verdade. Além do que,
Brook diz existir um fator intuitivo que leva todo ser humano a sentir,
independente da cultura e do gosto pessoal ou artístico, se a verdade está presente ou não. Não se
pode explicar o que é essa capacidade e como ela funciona, mas, intuitivamente,
todos sabem quando algo é realmente bom (o que Brook denomina dimensão de qualidade) e quando uma obra
não passa de “qualquer coisa”. Desta forma, o conceito de verdade empregado por Peter Brook refere-se, em suas palavras, a
uma “percepção ampla da realidade”: por um momento, experimentamos a sensação
de que a nossa capacidade de percebê-la é ampliada e funciona como um elo entre
o aspecto mais profundo da vida (o invisível) e a realidade cotidiana (o
visível). Porém este momento é efêmero e, mais uma vez, ficamos com a sensação
de que a verdade esvai-se, sendo
necessário buscá-la novamente. E é esta busca que alimenta e rege o trabalho do
ator.[xix]
Em sua maturidade,
Peter Brook passa a abordar o trabalho do ator como aspecto central de suas
pesquisas, contrariamente aos seus primeiros anos de teatro, quando se voltava
quase que exclusivamente para a questão imagética do espetáculo, deixando a
interpretação dos atores para segundo plano[xx].
O diretor inglês argumenta que a principal responsabilidade do ator é preparar
o terreno e tornar as condições favoráveis para que a “Centelha da Vida” aponte
no momento certo, pois a vida impregna o palco somente se o ator for
convincente.
“Como colher o invisível,
como manter as ‘centelhas da vida’ presentes nas ações executadas pelos
atores?”[xxi]
Bonfitto afirma que é sobre este “como” que a atenção de Peter Brook se
concentra enquanto conduz suas pesquisas, que têm como eixo central o ator.
Também atenta para o fato importante de que este “como” não diz respeito
somente à atuação enquanto conjunto de técnicas e conceitos teatrais, mas
também enquanto experiência existencial, que envolve todos os processos
perceptivos, sensoriais e intelectuais do ator. O trabalho de Peter Brook passa
a ser um “canal de investigação e busca de descobertas que são geradoras de
transformações perceptivas, sensoriais e intelectuais, (...) é permeado por uma
atitude de ‘abertura existencial’, de ‘suspensão de juízo’ que tem como objetivo
perceber o não percebido, descobrir o que está escondido, tornar visível o
invisível.” tornar visível o invisível.”[xxii]
Independente da linha
de pesquisa em que Brook estivesse trabalhando, seu objetivo era o de encontrar
um teatro “onde se pudesse experimentar certas coisas que sabemos corresponder
profundamente à vida”, não importando o estilo ou a opção estética que
representasse[xxiii].
Neste sentido, é importante trabalhar com o que ele chama de formas vivas,
idéia que se contrapõe ao teatro morto,
isto é, enfadonho, sem sentido e significado tanto para quem vê como para quem
faz, cujo produto final é o tédio. E, para trabalhar com formas vivas, Brook
acredita que é necessário não cristalizá-las, pois defende que a verdade é algo inefável e dinâmico, e
conclui que essa é a razão pela qual uma forma perde sua virtude e sua vida se
estanca no momento exato em que se torna fixa. Assim, ele define como teatro morto aquele que já descobriu a
maneira certa de ser feito e não tolera renovações, mesmo quando a “Centelha da
Vida” já abandonou a sua forma exterior e sua realização perdeu o sentido.[xxiv]
O ator que trabalha
dentro desta concepção de teatro tende a estar pronto a se submeter a uma
investigação constante, a “angústia da criação” não deve abandoná-lo após os primeiros
ensaios. Arriscar e descobrir constantemente novos caminhos e possibilidades -
acredita Brook - é a única maneira de não caminhar rumo a uma representação
morta. O ator criativo está sempre em constante mudança, pois explora vários
aspectos da representação até o último momento: “O verdadeiro processo de
construção envolve simultaneamente uma espécie de demolição, que implica
aceitação e medo.”[xxv]
Yoshi Oida, ator que trabalha com Brook desde a década de 70, aborda este ponto
sob um prisma muito interessante. Ele define o ator criativo como aquele que,
mesmo que possua uma técnica tradicional – como, por exemplo, as técnicas
tradicionais orientais –, compreende não somente a forma, mas também a essência
dessa técnica e, além de tudo, sabe aproveitar-se das inovações do mundo
contemporâneo[xxvi].
A postura de trabalho do ator, neste caso, resvala até mesmo numa investigação
de cunho existencial:
Cada pessoa tem
o seu próprio passado, e quando se atua nunca se usa o passado. Ontem e hoje
são diferentes e você deve desenvolver algo para o presente. De fato, eu
estudei o teatro clássico japonês, mas não para usar no meu trabalho. Eu o
estudei talvez porque tivesse uma outra personalidade. Talvez as melhores
coisas até tenham sido tiradas do teatro clássico, mas não é como uma teoria ou
uma técnica. É algo mais. O “como” essa experiência influencia o corpo humano
no seu dia-a-dia e no palco é o mais importante. O que importa é o humano, e
não a técnica. Quando represento um personagem no palco, a pergunta é quem sou eu? Aquele no palco sou eu
mesmo encoberto pela personagem, e não um personagem debaixo da minha técnica.
Sou eu mesmo como eu construí esta personagem, através da minha vida familiar,
das minhas amizades e de meu trabalho com o teatro.[xxvii]
Ao se analisarem alguns
processos de ensaios de montagens de Peter Brook, verifica-se que o diretor
trabalha com uma gama variada de técnicas, indo desde a discussão de um texto a
práticas menos conceituais como improvisações, compreensão intuitiva através do
trabalho corporal, trabalho com abundância de materiais (fotografias, filmes,
relatos, artigos, visitas a locais relacionados ao tema do trabalho, etc.),
pesquisa de sons, estudo e aplicação de técnicas teatrais diferenciadas,
apresentação para crianças e autoexploração dos recursos do ator (corpo, voz,
gestualidade, energia, presença, ritmo, percepção, emoção, relação e
concentração). Desta forma, pode-se dizer que Peter Brook trabalha com uma
abundância de material que vai sendo lapidado, atos de eliminação daquilo que ele
julga não servir ao processo de montagem da peça e, ao mesmo tempo,
incorporações de descobertas que julga úteis a este. Portanto, fases de
criação, cuja última e mais tardia etapa é o processo de formalização da
personagem, que, por fim, acaba por “nascer”, “brotar” destas etapas anteriores[xxviii].
Roose-Evans[xxix]
relata que existem atores que odeiam o método de Peter Brook, pois não
conseguem trabalhar com este nível de insegurança quanto a um resultado final,
já que Brook encoraja o abandono de uma maneira de interpretar, durante etapas
bem tardias do processo, se sentir que esta está se tornando vazia.
Em suma, o conceito de
verdade no teatro de Peter Brook está muito mais ligado a uma busca infindável
por uma forma viva (às vezes até de cunho existencial) do que a um conjunto de
técnicas e procedimentos predefinidos. Oida analisa a diferença entre o que se
faz em uma sala de ensaio e o que se leva para o palco: ele diz que o ator
recolhe material para que possa carregá-lo até a frente do público e, então,
descobrir, a cada noite, como fazer vida usando este material[xxx].
Porém Brook completa dizendo que este é o caminho em termos ideais, mas
reconhece que numa temporada longa, este esforço de recriação diária seria
insuportável, e é nessa hora que o ator deve se apoiar na técnica para
conseguir levar adiante o espetáculo. O ator criativo valoriza tudo o que
descobriu, mas sabe que deve aparecer diante do público disposto a redescobrir
o que fazer naquela situação, para que, deste modo, se conserve o frescor da atuação.
a atuação[xxxi].
Em outras palavras, para que consiga propiciar um terreno fértil para o
surgimento da “Centelha da Vida” em sua representação.
Peter Brook - foto Luc François Georgi |
3.
Fé cênica e centelha da vida: uma análise comparativa do conceito de verdade
Ao considerarmos os
caminhos que Stanislavski e Brook propõem para alcançar o que chamam de verdade, observamos alguns pontos
relevantes para uma comparação. Primeiramente, a própria linguagem utilizada
por cada um deles para abordar a questão da verdade
expressa bem tais diferenças. Stanislavski nos toca pela lógica com que
articula seus pensamentos ao definir técnicas e procedimentos bem concretos que
podem nortear o trabalho do ator - mas sem deixar de considerar a importância
da porção orgânica e inconsciente desse trabalho. Peter Brook nos atinge pelas
imagens e sensações que suas palavras nos trazem; usa de metáforas para falar
de assuntos que ele considera pertencentes ao campo do indefinível, como a sua
concepção de verdade; neste caso, é
possível notar uma grande influência da filosofia existencial de Gurdjieff[xxxii],
seu guia espiritual[xxxiii].
Em relação aos
procedimentos metodológicos propostos por ambos ao ator, Stanislavski tinha uma
escola de atores e estabeleceu um sistema de cunho didático, com passos e
procedimentos bem definidos. Peter Brook, em grande parte das vezes, trabalhava
com atores experientes e de diferentes tradições culturais e artísticas,
experimentando diversas vias para se chegar a uma atuação que ele considerasse
verdadeira. Peter Brook argumenta:
Se eu tivesse
uma escola de teatro, o trabalho não começaria de jeito algum por caráter,
situação, pensamento ou comportamento. Não procuraríamos conjurar anedotas de
nossas vidas passadas para chegarmos a incidentes, por mais que fossem verdadeiros.
Não buscaríamos o episódio, mas sua qualidade: a essência dessa emoção, além de
palavras, aquém do incidente.[xxxiv]
Do ponto de vista
estético, Stanislavski teve como carro forte o Realismo e, apesar de ter
encenado peças simbolistas e expressionistas, a base de atuação de seus atores
era a interpretação realista. Peter Brook, em um dado momento da sua vida,
expressa certa desconfiança em relação à estrutura de trabalho dentro de uma
proposta realista de interpretação:
Interesso-me
pela possibilidade de alcançar, no teatro, uma expressão ritual das verdadeiras
forças motrizes de nosso tempo, nenhuma das quais, acredito, é revelada nas
peripécias ou caracterização dos personagens e situações das chamadas peças
realistas.[xxxv]
Em O Teatro e seu Espaço[xxxvi],
Brook ataca o título dado por Stanislavski a seu livro A Construção de um Personagem, por achar que “o personagem não é
uma coisa estática que pode ser construído como uma parede”. Desta maneira,
conclui que o processo de criar um personagem não é uma “construção”, e sim um
ato de eliminação. Uma má compreensão do Sistema de Stanislavski pode levar o
ator a pensar que é possível definir racionalmente todos os objetivos de uma
cena, o que acaba por induzi-lo a uma postura friamente analítica, pois “o
objetivo de uma cena, a natureza de uma cena, só pode ser descoberto no processo
de ensaio.”[xxxvii]
Como já foi dito, é um erro pensar que Stanislavski propõe um processo puramente
racional de trabalho - o Método das Ações Físicas e a Análise Ativa
(procedimento que iremos comentar logo à frente) derrubam esta possibilidade -,
de modo que o que Brook parece criticar, neste caso, é a terminologia adotada,
a palavra “construção”, que pode direcionar a uma postura equivocada por parte
do ator.
Uma das principais
preocupações de Peter Brook é a de como manter interiormente vivas as ações
executadas pelos atores, isto é, como garantir que a “Centelha da Vida” não
abandone tais ações. Colocada de outra forma, Stanislavski também parece ter a
mesma preocupação ao frisar a necessidade da ação interior da personagem durante a execução da ação exterior (“O
principal nas ações físicas não está propriamente nelas, mas naquilo que elas
evocam: condições, circunstâncias propostas, sentimentos”[xxxviii]).
Por isso, cria o Método das Ações Físicas para garantir uma porta de acesso
mais segura ao reino das emoções e sentimentos, como forma de “acionar” tais
elementos (memórias, sensações, etc).
Peter Brook, por sua
vez, para resolver a questão de como manter presente a “Centelha da Vida”, se
concentra em não cristalizar uma forma externa das ações executadas pelo ator,
já que, para ele, a verdade não pode
ser encontrada em formas fixas e desgastadas. Não sugere procedimentos tão
específicos quanto Stanislavski, mas sublinha a necessidade de uma abertura por
parte do ator para lidar com uma incessante busca interior de redescoberta, e
de uma consciência plena e absoluta de que a ação teatral se passa no tempo
presente. Stanislavski expressa essa mesma preocupação de outra forma. Existem
dois pontos importantes em seu trabalho neste sentido: os impulsos interiores e
a improvisação. O diretor russo aponta para a existência de impulsos
interiores, semelhantes a desejos, que levam à ação. O impulso não é a ação,
mas sim um ímpeto interior ainda não satisfeito, e a ação é uma satisfação
interior ou exterior deste desejo. É o impulso que pede pela ação interior, e a
ação interior necessita, conseqüentemente, da ação exterior. Se o ator é capaz
de motivar seu desejo pela ação, isto é, criar o impulso originário da ação
interior, sua ação exterior será rica em verdade.[xxxix]
Eugênio Kusnet em "Toda Donzela tem um pai que é uma fera" - 1964 - Arquivo UNICAMP - Edgard Levenroth |
Kusnet[xl]
esclarece maravilhosamente a improvisação no trabalho de Stanislavski, ao
comentar o método da Análise Ativa. A Análise Ativa é uma maneira dos atores
analisarem o material dramatúrgico em ação, pois procura compreender os papéis
não através de análises intelectuais, e sim através da ação executada com base
em um conhecimento superficial da peça, ou seja, o conhecimento que se pode
apreender do instante imediato ao primeiro contato com esta. Aqui, os atores só
precisam saber contar o conteúdo da peça para partir para a improvisação.
Kusnet argumenta que a improvisação é a base da arte, pois isso garante a
espontaneidade da criação, e não deve estar presente somente nos primeiros
ensaios, e sim até a última apresentação do espetáculo. “Mas como improvisar
aquilo que já foi decorado e repetido mil vezes nos ensaios e nos espetáculos?
Como poderia funcionar a espontaneidade do ator nessas condições?”[xli]
Kusnet propõe e responde tais perguntas, esclarecendo que, neste caso, não se
trata de uma improvisação livre, e sim da “presença do espírito” da
improvisação durante todas as etapas da peça. E isso acontece quando o ator é
capaz de, a cada vez que tiver de executar a mesma ação, realizá-la “como se
fosse a primeira vez”, isto é, manter a sensação de frescor da primeira
execução. Como fazer isto? Apesar de os objetivos
físicos e psicológicos e as circunstâncias propostas serem fixos a cada
execução, existe uma série de fatores que podem variar de uma apresentação a
outra, como, por exemplo, o estado psicofísico dos atores, a reação da platéia
e o contato dos atores em cena (que também nunca representarão da mesma
maneira). Estes dois últimos são de fundamental importância, pois o ator tem de
desenvolver a sua receptividade à ação dos outros, ou seja, ser capaz de
perceber a ação do outro, compreendê-la, comentá-la e só depois reagir a ela.
(...) é através
da ação dos outros que nós concebemos o início de nossa própria ação. (...)
Graças ao seu poder de receber, o ator consegue captar, em seu espetáculo,
novos detalhes da ação cênica, aos quais, por serem novos para ele, reage com
autêntica surpresa.[xlii]
Voltando às teorias de
Peter Brook: em relação ao que ele fala de não cristalizar uma forma, pois a verdade não habita formas fixas, não
estaria ele dizendo algo semelhante ao que Kusnet chamou de “manter a presença
de espírito da improvisação até o último espetáculo”? E sobre os três vínculos
humanos (o vínculo do ator com ele mesmo, com os outros atores e com o público)
que Brook aponta como os responsáveis pelo acontecimento teatral, e que o ator
deve ser capaz de manter para que a “Centelha da Vida” aponte na representação?
Neste caso, haveria uma grande diferença entre essa capacidade do ator de
estabelecer tais vínculos e o que Kusnet chama de desenvolver a receptividade
do ator à ação dos outros? O que Kusnet chama de espontaneidade não seria algo próximo à “Centelha de Vida” de Brook? Ao que tudo indica, essas diferenças
são mais nominais e metodológicas do que essenciais. Stanislavski elaborou um
sistema contendo procedimentos e técnicas pontuais. Brook debruçou-se numa
pesquisa mais aberta no que se refere a tais procedimentos, mas com certeza ele
não se importará se algum de seus atores utilizar-se intuitivamente de
elementos do Sistema de Stanislavski para alcançar aquela qualidade expressiva
em que se percebe a tal verdade. Um
exemplo disto é o relato de Yoshi Oida a respeito de como criou o seu
personagem na peça The Man Who,
dirigida por Brook:
(...) estava
trabalhando em vários papéis da peça, não me preocupava em retratar personagens
específicos. Problemas neurológicos e energia humana básica não estão
conectados a nenhuma situação pessoal. Simplesmente me concentrei em construir
cena detalhe por detalhe, ação por ação. Achei esse processo interessante. Ao
mesmo tempo, tentei usar um número mínimo de ações necessárias para comunicar a
realidade da situação do personagem.[xliii]
Na peça The Man Who, eu fazia o papel de um
paciente que tinha perdido a percepção do lado esquerdo do corpo. Numa cena os
médicos lhe pediram que se barbeasse inteiramente, de modo cuidadoso, em frente
ao espelho. Então ele o fez. Mas como não tinha percepção do lado esquerdo, se
barbeou apenas do lado direito do rosto. Estava absolutamente convencido de que
tinha se barbeado inteiramente. Durante o teste ele tinha sido filmado em
vídeo. Os médicos então pediram que se virasse e se olhasse no monitor do
vídeo. Enquanto no reflexo do espelho o lado esquerdo do paciente aparecia à
sua esquerda, na tela do vídeo ele aparecia à sua direita, e então ele pôde ver
que metade de seu rosto ainda estava coberto de espuma. Naquele momento ele
compreendeu que seu cérebro estava danificado. Em termos de palco, eu tinha de
olhar para a tela do vídeo e de volta para o espelho três vezes, para comparar
as duas imagens no meu rosto. Cada virada repetida de cabeça tinha de
desenvolver a situação. A primeira vez que o homem se virou foi quando o médico
pediu que olhasse para a tela do vídeo. Então eu simplesmente girava minha
cabeça. A segunda vez, como o homem não compreendia o que tinha visto, era
preciso verificar a imagem na tela. Para criar o desenvolvimento apropriado,
mudei o andamento cada vez que mudava a posição da cabeça. Parece mecânico,
mas, na verdade, cada vez que interpretei isso, percebi que sentia uma genuína
tristeza. Não sei por quê. Eu não estava procurando pela emoção. Mas por causa
do ritmo e da conexão interna, percebi que algumas lágrimas escorriam no meu
rosto. De fato, o todo da minha interpretação fora construído através de
detalhes físicos minúsculos: virar para a tela num “certo” andamento; depois
parar um pouquinho no meio; inclinar a cabeça muito ligeiramente para a
direita... e a emoção surgiu. Como ator, se eu procurar primeiro pela emoção,
tenderei ao pânico. Posso pensar: “Ontem, senti uma tristeza genuína. Então,
hoje, eu tenho de achar a mesma tristeza novamente.” Mas quando tento pensar
“estou me sentindo triste”, a tristeza nunca vem. É extremamente difícil
repetir a mesma emoção uma atrás da outra. Corre-se um grande risco quando se
depende das próprias emoções como base para reproduzir uma cena num espetáculo
que deve ficar muito tempo em cartaz. Por outro lado, podem-se repetir os
detalhes do corpo exatamente do mesmo jeito todos os dias. Trabalhar com as
formas físicas é muito útil aos atores.[xliv]
Podemos inferir que
Oida, por ser um ator de grande experiência, conhece o Sistema de Stanislavski,
mas não é um seguidor de tal. Entretanto, pode-se dizer que este depoimento é
uma clara aplicação intuitiva e pessoal de elementos do Método das Ações
Físicas e da Análise Ativa de Stanislavski.
Yoshi Oida - foto internet |
4.
Considerações finais
Feitas as análises
necessárias, pode-se inferir agora que, do ponto de vista da metodologia de
criação, da linguagem adotada em seus relatos de estudo e da estética teatral,
as buscas de Stanislavski e Brook caminham para alvos distintos. Entretanto,
apesar destas abordagens diferenciadas, existe um ponto que ambos sublinham
talvez como a principal preocupação do trabalho do ator: a representação tem
que ter “vida” e se comunicar verdadeiramente com o espectador. Independente da
ação cênica passar ao nível do realismo ou não, tanto o diretor russo quanto o
inglês concordam que a principal obrigação do ator é tornar-se interessante ao
espectador, isto é, convencê-lo da realidade ficcional apresentada – realista
ou baseada em convenções – e manter seu interesse na representação. Do ponto de
vista da representação, ambos, provavelmente, estavam referindo-se ao mesmo
nível de qualidade de expressão cênica
quando falavam de uma representação sincera e verdadeira. Portanto a diferença
entre a concepção de verdade teatral de cada um está mais nos procedimentos
metodológicos adotados, na opção estética e na linguagem utilizada para
expressar-se sobre um determinado tema, do que na qualidade de expressão cênica
exigida de seus atores. Stanislavski propõe um sistema para isto, já Brook não
acredita em métodos fixos e verdades absolutas, mas o elemento humano que
emerge da interpretação é o alvo central da busca dos dois encenadores.
Stanislavski tentou trazer de volta a humanidade ao teatro e Brook “reafirmou o
humano como força maior do ato teatral”, mesmo que cada qual a sua maneira
maneira[xlv].
__________________________________
Referências
Bibliográficas
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TOPORKOV, V. Stanislávsky alle prove. Gli ultimi anni.
Milano: Ubulibri, 1991.
[i]
Mestre em Artes pela
Universidade Estadual de Campinas (martha@gmail.com)
[ii] Professor Dr. Livre-Docente do
Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas
(elobosilva@yahoo.com.br)
[iii] BROOK, A porta aberta.
[v] ROUBINE, A linguagem da encenação
teatral, p. 173.
[vi] STANISLAVSKY, A preparação do
ator.
[vii] STANISLAVSKY, op. cit., p. 64.
[viii] KUSNET, Ator e método, p.29.
[ix] STANISLAVSKY. A criação de um
papel.
[x] TOPORKOV, Stanislávsky alle
prove. Gli ultimi anni. Apud
BONFITTO, M. O ator compositor: as ações físicas como eixo: de Stanislavsky a
Barba, p. 25.
[xi] STANISLAVSKY, A criação de um
papel, p. 163.
[xii] STANISLAVSKY, loc. cit.
[xiii] STANISLAVSKY, A preparação do
ator, p. 39
[xiv]
GUINSBURG, Stanislavski, Meierhold & cia., p.4
[xv] Ibid., p.6
[xvi] BROOK, A porta aberta, p. 10.
[xvii] Ibid., p.26.
[xviii] LEITE, Estudo das considerações
de Peter Brook sobre o trabalho do ator.
[xix]
Em Fios do Tempo fi ca
clara a infl uência das idéias espirituais de George Ivanovitch Gurdjieff na
vida e, conseqüentemente, no trabalho de Peter Brook. Portanto todas essas
questões estão ligadas ao conceito de verdade relacionado à ciência-esotérica
de Gurdjieff. (BROOK, Fios do Tempo.).
[xx] LEITE, Estudo das considerações
de Peter Brook sobre o trabalho do ator.
[xxi] BONFITTO, O ator compositor: as
ações físicas como eixo: de Stanislavsky a Barba, p. 121.
[xxii] Ibid., p.122.
[xxiii] BROOK, Em Busca de uma Fome.
[xxiv] LEITE, Estudo das considerações
de Peter Brook sobre o trabalho do ator.
[xxv] BROOK, A porta aberta, p.20.
[xxvi] OIDA, Um ator errante.
[xxvii]
Entrevista com o ator Yoshi
Oida concedida à pesquisa de Iniciação Científica Estudo das Considerações de
Peter Brook sobre o Trabalho do Ator (LEITE, 2002). Entrevistadores: Martha
Leite e Matteo Bonfitto.
[xxviii] LEITE, Estudo das considerações
de Peter Brook sobre o trabalho do ator.
[xxix]
ROOSE-EVANS, Peter Brook and Marat/Sade: Workshop e Production.
[xxx] Cf. Entrevista (LEITE, 2002).
[xxxi] BROOK, O teatro e seu espaço.
[xxxii] Para saber mais sobre o trabalho
de Gurdjieff e sobre a sua concepção de verdade, consulte seu livro Views from
the world, capítulo “Glimpses of Truth”.
[xxxiii] BROOK, Fios do tempo.
[xxxiv] BROOK, O ponto de mutação
[xxxv] BROOK, O ponto de mutação.
[xxxvi] BROOK, O teatro e seu espaço
[xxxvii] BROOK, O ponto de mutação, p.68.
[xxxviii] STANISLAVSKY, A criação de um
papel, p. 219.
[xxxix] Ibid.
[xl] KUSNET, Ator e método.
[xli] Ibid., p. 98
[xlii] Ibid., p. 100
[xliii] OIDA, O ator invisível, p. 85
[xliv] Ibid., p. 98
[xlv] EICHENBERG, O espaço vazio:
entrevista com Peter Brook, p. 71-80.
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