Nesta
semana trazemos até vocês mais um artigo sobre Improvisação Teatral no Brasil!
Artigo publicado em 2009, nos Cadernos Virtuais de Artes Cênicas, site:
http://www.seer.unirio.br/index.php/pesqcenicas/article/view/750/686
Artigo publicado em 2009, nos Cadernos Virtuais de Artes Cênicas, site:
http://www.seer.unirio.br/index.php/pesqcenicas/article/view/750/686
Aproveitem!
IMPROVISAÇÃO
TEATRAL – CONCEITOS E EXPERIÊNCIAS NO BRASIL
Autor: Sandro de Cássio Dutra
Orientadora: Maria de Lourdes
Rabetti
Resumo:
O
improviso é um elemento cuja investigação pode contribuir para o exame da
constituição de um espetáculo teatral. O que se pode perceber, à primeira
vista, é a existência de diferentes posicionamentos com relação à importância
de seu estudo. Assim, para alguns estudiosos do teatro, ele é elemento inerente
a qualquer espetáculo teatral e merecedor, portanto, de escrutínio. Por outro
lado, o tema da improvisação não aparece em muitos estudos teóricos importantes
sobre o teatro. Entre aqueles que sobre ele se debruçam, são encontradas
diferentes concepções e enfoques nem sempre convergentes. Apresentamos, neste
trabalho, algumas considerações e questões relacionadas a esse tema, mote de
nosso projeto de pesquisa no doutorado, ainda em fase inicial.
Commedia dell'Arte - Imagem da internet |
Palavras-chave:
improvisação, commedia dell’arte,
processo criativo.
Qual
a importância da improvisação para o teatro? Tomada assim, de um modo geral, a
resposta a esta questão requer, antes de tudo, o exame do que consiste
“improviso”. E, de início, já nos deparamos com uma problemática: o conflito
entre a significação usual deste termo, encontrada, por exemplo, em um
dicionário da língua portuguesa e aquela fornecida por um dicionário específico
de teatro. No Aurélio (1988, p. 353),
encontramos: “s.m. 2. Produto intelectual inspirado na própria ocasião e feito
de repente, sem preparo”. Patrice Pavis afirma em Dicionário de teatro, que “improviso” é
[...]
uma peça improvisada (a l’improvviso),
pelo menos que se dá como tal, isto é, que simula a improvisação a propósito de
uma criação teatral, como o músico improvisa sobre determinado tema. Os atores
agem como se tivessem que inventar uma história e representar personagens, como
se realmente estivessem improvisando (PAVIS, 1999: 206).
Patrice Pavis - imagem da internet |
Observa-se
que o improviso, no âmbito teatral, segundo Pavis, corresponde a um falso
improviso, a uma simulação de cenas em que atores parecem criar algo novo em
situações em que já têm réplica e tréplica prontas. Para o público, pode
parecer que o diálogo cênico fora improvisado. Pavis se refere a L’Impromptu de Versailles (O improviso de
Versalhes), de Molière, como um dos primeiros e mais célebres improvisos.
Molière, como o próprio Pavis (1999: 62) indica, sofreu uma profunda influência
da Commedia dell’arte. Essa
referência ao improviso importa na averiguação do que consiste o ato de
improvisar já que, conforme Pavis (1999: 61), a Commedia dell’arte era antigamente conhecida como commedia all improviso e se
caracterizava por seguir apenas um roteiro, um esqueleto de história a ser
recheado com o improviso dos atores, por meio das falas, malabarismos, truques,
gestuais, etc. O improviso realizado pelos atores da commedia dell’arte era, muitas vezes, ensaiado, simulado, resultado
de repetidas e mais repetidas situações cênicas, pois, como sabemos, os atores
da dell’arte desempenhavam o mesmo
personagem durante toda a sua vida. A definição de improviso, fornecida por
Pavis, remete-nos, pois, às origens do referente desse conceito.
Por
outro lado, retomando a definição de improviso do dicionário Aurélio, podemos
afirmar que, no decorrer de um espetáculo, há certa margem para a improvisação
feita de repente, sem preparo, brotada da experiência acumulada do artista, de
um instante de inspiração e que é, em última instância, fruto da espontaneidade
do ator.
Sandra Chacra - imagem do jornal Folha da Região - on line |
Essas
duas possibilidades de se conceber o improviso torna discutível uma resposta à
questão colocada acima, bem como a outras relativas ao tema da improvisação,
tais como: o que marca o improviso no teatro? O improviso é trabalhado e aceito
igualmente por todos os gêneros teatrais? Como se dá o improviso nas peças
dramáticas? E nas comédias? O improviso tem uma relação mais estreita com os
espetáculos interativos? Sandra Chacra, em seu livro Natureza e sentido da improvisação, dá uma dimensão ampla à
discussão acerca da importância do improviso no teatro, ao afirmar:
A
natureza momentânea do teatro já prefigura, por si só, um caráter improvisacional
na obra acabada. Por mais preparado, ensaiado e pronto, o teatro no seu grau
máximo de cristalização – embora passível de reprodução – ainda assim ele não é
capaz de se repetir exata e identicamente do mesmo jeito, por causa do seu
fenômeno, cujo modo de ser é a comunicação momentânea, “quente”, ao vivo, e
cuja efemeridade leva a um efeito estético também transitório (CHACRA, 2005:
15).
Desse
modo, segundo a autora, o improviso está presente em qualquer apresentação
cênica, com maior ou menor grau de intensidade, dependendo da proposta inserida
na montagem teatral. E mais, o improviso é reconhecido e utilizado por muitos
estudiosos e teatrólogos como ferramenta oportuna para a preparação do ator,
construção das personagens, elaboração de textos, criação de cenas. Há ainda
aqueles que concebem o improviso nos momentos emergenciais, quando, durante uma
encenação, surge um imprevisto.
Se
o improviso possui várias finalidades e se pode ser considerado um elemento
inerente ao espetáculo teatral, por que é estudado superficialmente? Lembramos
que, num rápido levantamento bibliográfico, identificamos, na literatura
nacional, apenas a obra de Sandra Chacra, citada acima, como um trabalho
dedicado exclusivamente ao improviso. O motivo dessa carência pode ser
constatado na própria história do teatro que, desde a antiguidade, situa o
improviso como algo relacionado à diversão, ao popular e à informalidade. No
livro de Chacra verificamos a atribuição de valores, quando a autora relata que
“Aristófanes tira sua matéria-prima das diversões populares informes
(improvisação) e a eleva à categoria de arte” (CHACRA, 2005: 26). Na Idade
Média, o improviso continua presente em espetáculos derivados dos mimos e da
farsa mimada, também marginalizados, até que, no período dos séculos XVI e
XVII, o improviso alcançará sua maior expressão com o aparecimento da Commedia dell’Arte. Este tipo de
espetáculo teatral foi registrado pela história do teatro mais por construir
personagens específicos e máscaras e pela improvisação, compreendida nos termos
colocados por Patrice Pavis.
Na
contemporaneidade, estudos como os de Viola Spolin (2005) destacam o improviso
por estimular o conhecimento intuitivo. Assim ressalta:
O
intuitivo só pode responder no imediato – no aqui e agora. Ele gera suas
dádivas no momento de espontaneidade, no momento quando estamos livres para
atuar e inter-relacionar, envolvendo-nos com o mundo à nossa volta que está em
constante transformação (SPOLIN, 2005: 4).
Antonio
Januzelli também chama a atenção para a espontaneidade como aspecto inerente à
improvisação:
Durante
um curso orientado de improvisação dramática, o temor e a timidez vão sendo
superados pela crescente concentração e absorção na ação deflagrada pelo
estímulo inicial e, na medida em que as respostas devam necessariamente
acontecer durante o avanço da situação, assegura-se a espontaneidade,
possibilitando aos participantes empregar sentimentos que em outros espaços
acabariam frustrados em sua expressão (JANUZELLI, 2006: 64).
O
termo espontaneidade aparece também entre os artistas de teatro de rua. Para a
maioria destes, o improviso é intuitivo e a espontaneidade está vinculada à
experiência pessoal. Exemplo desta concepção é manifestada na fala do ator
Carlos Biaggioli, do Grupo manifesta de Arte Cômica, em entrevista por nós
realizada durante a I Mostra Lino Rojas de Teatro de Rua, em setembro de 2006,
na praça do Patriarca – São Paulo, capital. Aí o ator afirmou:
Carlos Biaggioli -foto do blog do ator |
[...]
o público da rua quer se comunicar. Se você criou uma comunicação com o “cara”
da rua, se você estabeleceu entre o personagem e ele essa onda, o seu
espetáculo é criado ali na hora, é escrito a quatro mãos, no momento. E isso
demanda o quê? Demanda uma bagagem pessoal de cada artista no poder da
improvisação. Porque a improvisação, segundo o que o Dario Fo fala, e eu
acredito, a improvisação está intrinsecamente ligada com a bagagem pessoal do
artista (BIAGGIOLI, 2006).
A
referência ao nome de Dario Fo nos remete ao seu método de improvisação que se
resume em três pontos: 1) revelar o argumento que se quer desenvolver; 2)
identificar o espaço cênico onde irá se desenvolver o fato dramático ou cômico;
3) deixar evidente a situação e os motivos. Em sua obra Manual Mínimo do Ator,
o teatrólogo descreve como conduz um exercício de improvisação. Cabe apontar
que, no exercício com atores voluntários, Dario Fo participa ativa e
diretamente, interrogando, sugerindo, explicando e ordenando a retomada das
cenas. A proposta do autor italiano aponta para uma prática freqüente de
criação espontânea. No entanto, observamos um aspecto singular: os exercícios
desenvolvidos pelos artistas se deram com um guia, ou melhor, com uma direção
que orientava, instruía e indicava os passos no desbravamento da criação
cênica. Assim, se para alguns, o improviso encontra terreno fértil na
espontaneidade, Dario Fo parece sugerir que há a necessidade do acompanhamento
de um diretor ou de uma direção no momento da preparação improvisacional dos
atores.
Dario Fo - foto do periódico succede oggi |
“Experiência”
e “espontaneidade” são termos também empregados por J. Guinsburb. Ao relatar a
opinião de Stanislavski sobre a improvisação, ele afirma que o teatrólogo russo
valorizou o improviso no processo de elaboração de um espetáculo teatral e
defendeu que
[...]
desligado do texto e das falas previstas na peça, o ator poderá voar na mesma
direção com forças próprias, emoções e objetivos nascidos de suas experiências
e projeções pessoais, infundindo ao seu desempenho uma qualidade interpretativa
mais convincente, junto da técnica improvisacional (GUINSBURG, 1992: 219-220).
Outro
pensador que contribui para a controvérsia entre espontaneidade e técnica
colaborativa é R. Keith Sawyer, em seu artigo, “Improvisation and the creative
process: Dewey, Collingwood, and the aesthetics of spontaneity”. Apresentando
uma distinção entre produto criativo e processo criativo, este autor ressalta
que “[...] na performance improvisacional, o processo criativo é o
produto[...]” (SAWYER, 2000: 149), que é no processo criativo que se encontra a
improvisação. Esta teria como característica a colaboração: “...na improvisação
teatral, a essência do processo criativo é social e interativo, e não pode ser
reduzido na inspiração ou processo mental de um único ator” (SAWYER, 2000: 153).
Keith Sawayer - foto do informativo dailytarheel |
Como
vimos, a espontaneidade é um quesito aceito por vários pensadores e teatrólogos
quando se trata da improvisação. Não podemos nos esquecer, no entanto, conforme
indica Gilberto Icle, da contextualização da concepção de espontaneidade,
utilizando as palavras de Taviani:
[...]
a idéia de que a improvisação seja resultado da espontaneidade é moderna [...]
Até o século XVIII, a improvisação era um exercício que se praticava nas
escolas, academias, cortes e também nas praças das cidades [...] Era uma
maneira de demonstrar o domínio de um amplo patrimônio literário: para poder
improvisar alguns versos, era necessário saber muitos poemas de memória
(TAVIANI, apud ICLE, 2002: 83).
A
ressalva feita por Taviani proporciona uma análise comparativa entre as duas
concepções de “improviso” apresentadas acima, que são distintas. Grosso modo,
podemos dizer que há, entre elas, uma certa distância, já que, originalmente,
improvisação não estava apoiada na idéia de espontaneidade.
Outro
aspecto merecedor de atenção na pesquisa é a existência de diferentes
posicionamentos com relação à importância da improvisação para o teatro. Se
para alguns teóricos, esta é elemento inerente a qualquer espetáculo teatral e
digna, portanto, de investigações; para outros, o tema tampouco se mostra
presente em suas reflexões. Apresentamos acima exemplos do primeiro grupo.
Exemplos de importantes obras, nas quais o tema do improviso aparentemente não
se mostra presente, são encontrados nos estudos teatrais que enfocam
sobremaneira a questão dramatúrgica, como as obras Ler o teatro contemporâneo, de Jean-Pierre Ryngaert, de 1998 e Teoria do drama moderno (1880-1950), de
Peter Szondi, de 2001. No caso brasileiro, Sábato Magaldi, com O texto no teatro, de 2008 e Teatro sempre, de 2006 e mais, Décio de
Almeida Prado, com História concisa do
teatro brasileiro, de 2003.
De
modo mais detalhado, apresentamos a seguir algumas considerações sobre duas
obras que tratam das teorias teatrais. Tais estudos contemporâneos são
referências para qualquer pessoa ligada às artes cênicas. A primeira delas é de
Marvin Carlson, Teorias do teatro –
estudo histórico-crítico dos gregos à atualidade, publicada pela editora
UNESP, em 1997. Nesta obra, o autor faz um apanhado das teorias teatrais nas
diversas fases histórico-culturais ocidentais: “1. Aristóteles e os gregos; 2.
Teoria romana e do classicismo tardio; 3. O período medieval; 4. O renascimento
italiano; 5. O renascimento espanhol; 6. O renascimento Francês...” (CARLSON,
1997: 7). É possível verificar que não há nenhum registro sobre a commedia dell’arte. No prefácio, Carlson
admite que não há consenso sobre o que deve integrar o corpo de uma teoria de
teatro. Diz o autor:
Ao
considerar a teoria da representação, procurei limitar minhas observações
àquelas áreas em que tal teoria se imbrica significativamente com as questões
do teatro. Considerar a representação em pormenor – ainda que nos campos
estreitamente associados da dança e da ópera, para não falar em espetáculos
improvisados, circo, rituais, festivais e até nos elementos de representação da
vida cotidiana – avolumaria este livro tanto quanto a tentativa de incluir
material social e cultural geralmente relacionado (CARLSON, 1997: 10).
Quanto
a Jacques Copeau, o livro de Marvin Carlson dedica uma página e meia para o
diretor teatral e, cabe lembrar, que a palavra improvisação sequer é
mencionada. Carlson assim resume as idéias de Copeau:
O
meio que Copeau sugere afasta-o tanto dos teatros comerciais como dos de
vanguarda de sua época. Ele segue os simbolistas ao colocar o poeta e o texto
num papel fundamental e sublinha que a obra do diretor sempre deve permanecer
subserviente àqueles. Similarmente, ele preconiza uma simplicidade extrema no
cenário físico, o famoso tréteau nu
(palco nu), que permitiria ao ator e ao autor apresentar o texto sem intrusão
“teatral” (CARLSON, 1997: 329-330).
Assim,
a obra de Carlson poder-nos-ia induzir a crer que não há improvisação no teatro
ou que o improviso foi um elemento utilizado no passado e lá mesmo tenha
perdido seu vigor ou ainda que, se existe, é um elemento “supérfluo”.
A
segunda obra que selecionamos é Introdução
às grandes teorias do teatro, de JeanJacques Roubine. Na Introdução,
Roubine declara:
Mantivemos
as doutrinas que fizeram escola, que mobilizaram, mesmo através da polêmica,
uma ou várias gerações de autores e de práticos. Foram excluídas, além disso, é
claro, aquelas fugazes teorias implícitas, todas as que diziam respeito
exclusivamente a seus autores. [...]
O
campo explorado é prioritariamente o francês. Mas essa delimitação de tipo
ideológico-geográfico perde quase toda a pertinência no século XX: o teatro
viaja, circula. Torna-se menos europeu, isso quando não se abre às influências
do Extremo Oriente. As grandes teorias do teatro de nosso século são francesas
(Copeau, Artaud...), mas também russas (Stanislavski, Meyerhold...), inglesas
(Craig...), alemãs (Brecht...), polonesas (Grotowski, Kantor...) etc (ROUBINE,
2003: 11).
Roubine
opta por analisar o drama. O primeiro capítulo do livro é uma revisão de
Aristóteles e o segundo denomina-se “Da tragédia ao drama”. Daí para frente o
estudo concentra-se no drama. A omissão da commedia
dell’arte, neste sentido, é compreensível. Entretanto, acerca de Jacques
Copeau, que recebe destaque do próprio Roubine, quando este, na Introdução do
seu livro, aponta para aquele como um dos grandes teóricos franceses, não
encontramos muita informação, já que Copeau só aparece superficialmente para
dar respaldo à idéia comum, dentre vários pensadores teatrais, em extinguir o
cenário. Roubine destaca:
Por
exemplo, Copeau retoma por sua conta a visão mallarmaica transmitida por Gide,
com quem entretém vínculos estreitos. Paradoxo de um homem de teatro que acaba
de recusar a própria materialidade da representação!
[...]
Assim
concebida, a direção deve ser um confronto direto e depurado entre as três
instâncias cardeais da representação: o texto, o diretor e os atores. O palco é
sempre o espaço disposto para esse confronto... (ROUBINE, 2003: 143).
Jacques Copeau - foto do site
officiel du tourisme en Côte-d'Or
|
Também
no livro de Roubine quase não se encontra a palavra improvisação ou improviso,
pelo menos, com maior certeza, quando o autor está falando sobre Copeau. A
exceção se dá quando o autor comenta de Vitez, o qual se inspirou em Meyerhold:
“Vitez prefere o esboço, o exercício de oficina, a improvisação e a
experimentação” (ROUBINE, 2003: 186).
Podemos
suspeitar, partindo das duas obras investigadas, que o improviso é considerado
um elemento informal, que sua utilização não é suficiente para se compor um
espetáculo teatral ou que é considerado um elemento acessório. Numa análise
mais severa, poderíamos entender que, nas teorias teatrais de Carlson e
Roubine, o diretor que se utiliza da improvisação realiza um teatro menor e que
o improviso, como ferramenta de formação do ator ou construção de espetáculo,
não é um recurso satisfatório nas artes cênicas.
Diante
desse cenário geral, a questão que guia essa pesquisa é: como conceber o
improviso na historiografia e na crítica teatral brasileira? Haveria uma
supervalorização da espontaneidade e da intuição em detrimento da técnica? Ou
seria esta possibilitadora de um maior desenvolvimento daquelas? Como é
entendido o mecanismo e as estratégias utilizadas para se atingir o momento
ideal, que faz aflorar o espontâneo do artista? São os mesmos recursos
utilizados por pesquisadores como Dario Fo, Stanislavski ou Grotowski?
Poderíamos detectar uma terceira caracterização que incorpore ambas as
definições dos dicionários apresentadas acima e que poderia ser compreendida
como fruto do desenvolvimento da concepção teatral na história?
Estas
são questões que motivam e orientam a presente pesquisa no sentido de buscar
uma concepção original do termo “improviso” na historiografia teatral,
investigando sua origem e desenvolvimento. Da mesma forma, é pertinente
examinar a crítica e historiografia clássica nacionais, buscando uma
caracterização do estatuto que o mesmo nelas usufrui. Numa análise mais
avançada, será possível reunir dados referentes à caracterização do improviso,
de modo a estabelecer um quadro geral, a partir do qual poderemos falar de
improvisação no cenário brasileiro; do modo como é concebido, praticado e
avaliado.
O
improviso, como um componente cênico entre tantos outros, é também merecedor de
uma investigação, como já fez jus, de certo modo, a iluminação, a cenografia, o
figurino, a interpretação, a expressão corporal, a voz, etc. De modo geral,
percebemos a escassez de estudos acerca do improviso na literatura teatral
brasileira. Conforme indicado acima, o livro de Sandra Chacra, Natureza e sentido da improvisação teatral,
aparece como uma exceção na medida em que é um trabalho dedicado exclusivamente
ao tema.
No
mais, deparamo-nos com o tema em artigos de revistas, em abordagens rápidas ou
circunstanciais. O próprio livro de Sandra Chacra atesta a necessidade de uma
maior investigação e discussão acerca do nosso tema, na medida que a autora
declara: “na verdade, a improvisação tem sido incompreendida, às vezes, até
mesmo por aqueles que trabalham no campo artístico”. Tal afirmação coincide com
nossa proposta de pensar sobre o improviso nos trabalhos dos teóricos
brasileiros, bem como nos trabalhos práticos de alguns diretores nacionais.
Se,
por um lado, não dispomos de muitas reflexões acerca da improvisação, podemos,
de outro lado, observar a crescente importância atribuída ao tema, seja por sua
presença nas grades curriculares dos cursos de artes cênicas, seja pela aproximação
entre improvisação e teatro escolar; seja pela manifestação dos grupos de
teatro acerca da utilização de técnicas improvisacionais para a formação do
ator. Presenciamos a manifestação dessa importância, sem parâmetros claros do
que designar e como conceber “improviso”. Ao compartilhar da idéia de Chacra
acerca da incompreensão desse termo, pretendemos, em nossa pesquisa, verificar
como o improviso é entendido e fundamentado pelos teóricos e alguns fazedores
de teatro brasileiros.
Se
a necessidade de realizar um levantamento sobre a produção teórica do objeto
escolhido para pesquisa colocou-nos, por um lado, diante de uma aparente
escassez de estudos com abordagem direta acerca do assunto, por outro lado,
indicou vias possíveis e pertinentes para a investigação ora proposta.
O
ponto de partida da pesquisa se constituirá no trabalho de ampliarmos a
investigação bibliográfica sobre o improviso no teatro. A partir do momento em
que as obras forem sendo localizadas, as suas respectivas leituras e análises
deverão se dar imediatamente, para que a pesquisa teórica ganhe forma, direção
e conteúdo.
Do
ponto de vista formal, e atendendo ao objetivo da pesquisa, buscaremos
desenvolver a investigação por partes no que concerne à concepção original do
que se costuma denominar improviso, suas variantes históricas e sua abordagem
na literatura brasileira. Após estabelecermos um quadro geral desses aspectos,
propomos apresentar uma reflexão pautada na bibliografia pesquisada e,
eventualmente, em entrevistas realizadas entre grupos e diretores teatrais, de
modo a apresentar uma caracterização de como o improviso é concebido e
praticado no Brasil.
Referências
bibliográficas
CARLSON, Marvin.
Teorias do teatro. São Paulo. Editora da Unesp, 1997.
CHACRA, Sandra.
Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Editora Perspectiva,
2005.
GUINSBURG, Jacob;
SILVA, Armando
(Orgs). Diálogos sobre teatro. São Paulo: EDUSP, 1992
FERREIRA, Aurélio.
Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
JANUZELLI, Antonio. A
aprendizagem do ator. São Paulo: Ática, 1986.
MAGALDI, Sábato.
Teatro sempre. São Paulo: Perspectiva, 2006.
MAGALDI, Sábato. O
texto no teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008.
PAVIS, Patrice.
Dicionário de teatro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.
PRADO, Décio de
Almeida. História concisa do teatro brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2003.
ROUBINE,
Jean-Jacques. Introdução às grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1985.
RYNGAERT. Jean-Pierre.
Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SAWYER, R. Keith. “Improvisation and the creative process: Dewey,
Collingwood, and the aesthetics of spontaneity”. In: The journal of aesthetics
and art criticism, vol. 58, nº 2, Improvisation in the arts. 2000: 149-161.
SPOLIN, Viola.
Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
STANISLAVSKI,
Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1982.
STANISLAVSKI,
Constantin. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
1990.
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