sábado, 9 de abril de 2016

DARIO FO - 90 ANOS DO GIULLARE

Em 24 de março o grande artista e Nobel de literatura, Dario Fo, completou 90 anos. Em sua homenagem fizemos uma compilação de dois textos sobre as comemorações, publicados na mídia italiana e traduzidos por Claudia Venturi, especialmente para o nosso blog.
Os textos são:
Milão festeja o nobel - Dario Fo: noventa anos com a gargalhada
De 24 de março de2016, por Ira Rubini em: http://www.radiopopolare.it/2016/03/dario-fo-novantanni-con-lo-sghignazzo/
Dario Fo: o grande Mestre completa 90 anos

De 23 de março de 2016, por Federica D'Alfonso, em http://www.fanpage.it/dario-fo-il-grande-maestro-compie-90-anni/

Dario Fo, foto da internet - Radio Popolare
MILÃO - Dario Fo completa noventa anos e Milão festeja com uma noite ao Piccolo Teatro Studio Melato (transmitida ao vido pela Radio Popolare), após o lançamento de seu último livro, Dario e Dio, e a inauguração em Verona do MusaLab, com as relíquias de uma vida de espetáculo junto a Franca Rame.
“Tenho pouco tempo pela frente e ainda tantas coisas para dizer”, nos confidenciou o Nobel em sua casa estúdio milanês, enquanto selecionava os últimos repertos para enviar ao museu veronense.
Noventa anos vividos ensinando o compromisso, a paixão artística, o riso desenfreado, antídoto popular aos abusos do poder e às convenções das pessoas de bem.


"Temo o gratuito, aquilo que, isto é, é oferecido por si mesmo, como deleite pessoal ou de fantasia intelectual e eu também, a seu tempo, cedi a esta tentação, mas me afastei súbito porque me dei conta de que se permanecesse naquele caminho não apenas não teria progredido teatralmente, assim como teria ido contra o meu modo de sentir e de ver o público. (...) Sempre coloquei como objetivo para mim a aproximação do público".Assim falava Dario Fo em uma entrevista dada para “Teatro per molti, teatro per pochi”, em 1967. De fato a sua relação com o público nunca foi interrompida, até mesmo hoje, dia em que o Prêmio Nobel festeja os seus magníficos 90 anos.
Dario Fo está para apagar a sua 90° velinha: uma vida para o teatro, para a literatura e para o seu público. Prêmio Nobel em 1997, Fo foi e é o teatro: um teatro ilustre, que ostenta inspiração obtida da Commedia dell'arte e daquele mundo giullaresco[i] do qual ele é, sem dúvida, o cantor mais fascinante e profundo. Ator, diretor, escritor, cenógrafo, figurinista e empresário de sua própria companhia, Fo contém dentro de si os inumeráveis trabalhos que o tiveram como protagonista, o símbolo de um intelectual que, com força e ironia, sempre foi fiel a regra mais importante do teatro: a verdade.
“A partir de mim quiseram premiar as pessoas de teatro”
O de Dario Fo foi, sem dúvida, prêmio mais inesperado e criticado da história do Nobel italiano. Em 1997 Fo recebe o prêmio "porque, seguindo a tradição dos giullari medievais, ele zombou do poder, restituindo a dignidade aos oprimidos". A escolha de Fo, por parte da Academia Sueca levou em consideração os muitos representantes da cultura italiana que, há anos, patrocinavam a candidatura de Mario Luzi. Alguns consideraram nada menos do que uma ofensa, e mesmo o próprio Luzi, entrevistado, afirmou: "Como autor eu não o conheço".
Mas Dario Fo riu até naquela ocasião, aceitando com infinita humildade o reconhecimento e presenteando à Itália um pedaço inesquecível de história literária. Como sempre irônico, Dario Fo dissolveu os ânimos contando de um episódio acontecido a noite da premiação: “Se concluiu com o seco chamado a ordem, de minha mulher: "Quando chegarmos em casa, te esbofetearei com um sonífero que te fará dormir por ao menos dois dias. Anda, que a festa finalmente acabou".

“Mistero Buffo”, ontem e hoje
Para nós, interpretar não é só um trabalho, mas é também e, sobretudo, um divertimento que atinge o máximo do prazer quando conseguimos criar novas situações e jogar aos ares as convenções e regras. Esperamos de comunicá-los este nosso divertimento e de conseguir surpreendê-los, fazendo-os rir e, talvez, pensar.

Em 1° de outubro de 1969, a La Spezia, Fo levou pela primeira vez em cena, com grande sucesso, a "giullarata" Mistero Buffo: único ator em cena, interpretava uma fantasiosa reelaboração de testos antigos em “grammelot”, uma linguagem feita de sons que imitam o ritmo e a intonação de línguas reais, com intuitos claramente paródicos. Mistero Buffo, com o subtítulo “Giullarata popolare del 400”, se coloca nos anos da contestação (1968-69) e assinala não apenas uma reviravolta na carreira de Dario Fo e de Franca Rame, que abandonaram os circuitos teatrais convencionais por uma companhia coletiva tornando-se imediatamente um marco no panorama do teatro internacional. O mesmo título “Mistero Buffo”, para o grande e continuo sucesso na Itália e no exterior, tornou-se uma formula.

Imagem da internet - site fanpage

E hoje, a distancia de anos, mas com um sucesso nunca interrompido, Fo irá repropor em uma única data na Itália, quinta-feira 16 de junho de 2016 na Cavea dell’Auditorium Parco della Musica, “Mistero Buffo” e “la Storia della tigre e altre storie”. Uma nova versão do espetáculo, junto a outros dois trechos derivados da “Storia della tigre e altre storie”, de 1979.

Dario e a literatura

"Dario e Dio" por Guanda - Imagem da internet - site fanpage


Em 17 de março foi lançado, pela editora Guanda, “Dario e Dio”. Dario Fo sempre teve uma relação muito particular com o sagrado, e instaurou com este um diálogo que nunca se interrompeu desde a sua obra prima “Mistero buffo”: o sagrado, a Igreja e os santos foram e permanecem não somente os seus adversários, mas os seus interlocutores privilegiados. Do imenso patrimônio de testos oficiais e apócrifos, da cultura popular, das artes visuais, desencadearam releituras personalíssimas da Bíblia e dos Evangelhos, da figura de Maria, do relacionamento de Jesus com as mulheres, da invenção da Igreja e de seus tantos mal feitos. Tudo isso com ironia provocatória, nunca blasfema ou desrespeitosa.
E agora, com 90 anos, Dario Fo decide concluir a sua longa e aventurosa exploração nos misterios mais ou menos buffos da fé e da religiosidade. Junto a Giuseppina Manin, jornalista da página dos Espetáculos do Corriere della Sera, se diverte prestando as contas, ao seu modo, com Deus e aquilo que dele resulta: do Gênesis ao Apocalipse, do Inferno ao Paraíso, do Reino dos Céus àquele dos homens.
Irônico e provocatório Fo, em seu livro, convida a refletir, ao seu modo, sobre as contradições deste Deus: "Cria um filho e imediatamente o trata mal, exige que o obedeça após ter declarado que existe o livre arbítrio. Expulsa-o do Paraíso e o adverte que sofrerá, sofrerá a fome, a sede. Terá por fim uma vida de m… Mas por que o criou então, se já sabia de tudo?" grita Fo. E depois reflete: "Da Inquisição ao Isis… A lógica é a mesma: eu estou no lado justo, eu tenho a verdade, e você não. E então para evitar a propagação de heresias, de pontos de vista dissidentes, se acendem fogueiras, se cortam gargantas, se plantam bombas. Sempre em nome de Deus, se pretende".

Imagem da internet - site fanpage

No último 14 de janeiro foi lançado, editado na coleção "Narrazioni" da Chiarelettere, "Razza di zingaro": Fo se exercita com a trágica história do pugilista Johann Trollmann, campeão de origem sinti[ii], perseguido na Alemanha nazista.
O livro percorre a história esquecida de "Rukelie", nascido na Baixa Saxônia em 1907 de uma familia da etnia sinti: por causa das suas origens, é perseguido pelo regime e constrangido a se divorciar da mulher e a esterilização e, enfim, é fechado no campo de concentração de Neuengamme, aonde morre em fevereiro de 43. Para Chiarelettere, além de “Razza di zingaro”, Fo publicou também “Nuovo manuale minimo dell'attore”, pensado por Dario Fo com a esposa Franca Rame, “Un uomo bruciato vivo”, “C'è un re pazzo in Danimarca”, “La figlia del papa” e “Il Grillo canta sempre al tramonto”.


Dario Fo fala, neste vídeo, sobre os seus 90 anos: "Não temo a morte, o meu lema é fazer rir!"




[i] Giullaresco, de Giullare(i), nome dado ao antigo artista polivalente que deu origem aos bobos da corte, artistas capazes de interpretar uma série de personagens e situações sem necessitar trocar de figurino ou adereços. Também traduzido como jogral.
[ii] Os Sinti são uma das etnias que compõe a população romani, também chamadas ciganos, termo que hoje tem uma característica depreciativa.





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